sábado, agosto 28, 2004

O Golem

Ela veio como um bólido... Para se chocar com a minha vida e tirá-la do eixo e de sua trajetória normal. Me levou com ela pelo espaço que parecia infinito. Até o dia em que me desprendi dela e me vi a deriva... solto no nada. É o nada que faz o espaço infinito.

Acordo cedo e continuo minha obra.
Desde que ela se foi pra viver a sua vida, eu executo minha obra.
Inspirado pelos mestres do passado, peguei minhas mágoas e de posse de meu ócio tramei um plano. Que de papéis e borrachas, de disquetes e cds, de vidro e de metal eu contrua meu robô. Que em sites obscuros indicados por perfis que desconheço eu descubra a fórmula que dá vida a uma criatura sem carne. Eu consegui após mais uma noite sem sono baixar um arquivo que durou 6 meses para vir totalmente. Extraí desta maravilha, a fórmula oculta para fazer a concepção maldita. Deus tenha piedade de mim. O que um homem não faz por uma companhia.

Meu primeiro robô levou 1 ano para ficar pronto. Da primeira peça catada no lixo até que seus olhos vidrados brilhassem e de sua garganta maldita ele emitisse seu primeiro suspiro. 10 de março. Cumpriu-se a promessa do arquivo sinistro. A cabeça era desproporcional ao corpo e a menmte também. Chamei-o de Luni.

Luni emitiu um guincho semelhante a um ronco e eu ententi que aquilo era um berro. O guincho não parava e se transformou em um som mais agudo como de guitarras distorcidas. Tive a que baixar o volume de sua voz. Seus olhos brilhantes me seguiram.

Luni, ande!!!

A almejada criação deslizou a pesada perna de restos para frente. Para a frente!!!! Eu gritava e urrava. Era eu pai e de um filho pro download. Meu. Feito de meus restos. Feitos dos meus ressentimentos. Rico em peças que nunca usei ou que achava na rua para usar um dia numa obra que agora finalmente sei qual é.

Luni. Luni. Luni.
Me tornei um pai apaixonado. Orgulhoso de seu filho monstruoso que andava pela rua e atraia a atenção de todos. Andar com Luni exigia-me paciência pois seu pobre corpo de lixo não tinha estrutura para sustentar-lhe. Muitas vezes lhe caiam coisas que alguém ia pegar. Sem problema, depois em nosso lar eu arranjava algo que substituisse.

Só rezava para que de todos os restos em seu corpo nenhuma peça nenhuma foto nenhuma lembrançinha dela se perdesse pelo caminho.

sexta-feira, agosto 27, 2004

Ficção Científica

Podendo se jogou daquele prédio.
Deveria morrer mas não morreu. Foi capturado antes disso.
Foi puxado por um raio-trator que é um habilidoso feixe de cargas tensoativas que (pasmem) reordena a trajetória dos elétrons e (não me perguntem como) estabiliza ions modificando assim a estrutura do ar, ou seja, ele cria uma subdimensão de bolso.
Ele não sabia de nada disso. Tudo que queria era morrer mas quis o destino, a sorte e falhas de comunicação Terra-Ômega 1 que as coisas fossem assim. O raio-trator o espancou de cheio e ele desmaiou no ato qual quem leva um choque (elétrico) muito forte e repentino e cai no chão que nem saco de côcos. Ponto. Outra linha. Terceiro parágrafo.
Acordou numa sala clássica de sci-fi e obviamente estava só. Mas não saia do lugar que estava, e estava no chão, porque sentia seus braços e pernas imantados por uma força invisível mais forte que seu instinto de fuga. Pas-mou de ver entrar na sala de prata dois vultos alongados e de cabeças fornidas saindo da luz da parede e andando no chão sem tocá-lo, no entanto, obviamente.
Vai vendo.
Ergueram seus braços fininhos. Ele estava na frente. Sentiu seu corpo tremer. Seu esfincter a dilatar. Dilatou até doer. Doeu até chorar. Seu esfincter dilatou e ele estava de quatro agora então. Lhe viraram de dentro pra fora e ele não sabe como não morreu. Um puxão no diafragma. Um gelar no intestino. Sair. Sair. Estava se despregando do lugar, com toda certeza. Mas se soltava e andava como uma lesma a deslizar em direção do reto atarantado. Vai sair. Vai sair. Saiu seu intestino. Grosso e delgado. Depois fugiram-lhe o estômago, o pâncreas e o fígado. Ele nem tinha moral de trazê-los de volta. Mas também não lhe deram o direito de morrer. Seu cu pariu muita coisa que estava com ele desde que nasceu. Saíram-lhe ainda o miolo da cabeça e o coração que brigaram entre si, se espremiam e se batiam na desesperada vontade de luz.