quinta-feira, junho 24, 2004

A Sina de uma Paixão

- Muito bem Frederico Augusto, senta aqui do lado do seu pai.
- Tah bem, papai.
- Vamos ter uma conversa séria... muito séria.
- Hã? O q q eu fiz, papai? Se são minhas notas...
- Não. Suas notas estão ótimas... Como sempre.
O jovem Frederico Augusto olhava apreensivo para Paulo Albuquerque, o genitor.
- Me diz. Quero que vc seja franco. Não mente.
- Nossa. O que é?
- Calma. Me diz: vc está fumando maconha, Frederico Augusto?
- Como é???
- Calma. Me responde: vc tá fumando maconha?
- Eu? Eu não, papai!!!
- Não???
- Não.
- Espera, filho. Vou refazer a pergunta: vc já fumou maconha?
- Não, papai. Eu nunca fumei isso na vida.
- Frederico Augusto, não-mente-pro-seu-pai.
- ...
- Olha, presta atenção. Na tua idade, eu subia o morro. Sim. Eu ia no ponto com os coleguinhas da rua e comprava maconha com a mesada que meu pai me dava. Eu te dou mesada, não te dou?
- Dá, papai.
-E pára de me chamar de "papai". Tu tem 18 anos, garoto. Aos 15, o moleque já tem que fumar maconha com os coleguinhas, entende?
- Como?
- Aprende, filho. Aprende essa lição. Seu pai quer seu bem. Amanhã c vai procurar seus coleguinhas e vai nesse endereço aqui. Vai lá e pede uma trochinha... Isso aqui deve dar... Procure um homem... o Cavalo.
- Mas, pap... pai. Meus amigos não são de fumar essas coisas.
- Então, filho, vamos ter que rever com quem vc tem andado. Não pode. Na tua idade, tem que ter amiguinhos da fuzarca. Tem que ir nas festinhas, fumar e beber.
- Que q isso, meu pai?
- Tô cansado, filho, e muito preocupado. Vc só estuda. O dia inteiro. Não pega uma praia. Não demora no banheiro. Não fuma maconha. Não usa roupa rasgada. Não ouve um rock... um régui... É hora de vc fazer jus as nossas expectativas.
- Mas, pai, e o vício?
- Isso é problema pra depois.... A gente bota vc numa clínica... Sei lá. Também vai ser importante pra vc. Mas não sem antes cafungar.
- Ca... o q?
- Cafungar!!! Quero ver meu filho homemzinho. Vai q vc entra numa festa e te perguntam se já cheirou uma rapa e vc diz: "o que é isso?".
- Sim, o que é isso?
- Tá vendo? Tá vendo? Isso é que não pode!!! Vamos dar um jeito nisso. Mas primeiro a maconha. E vê se divide com seus colegas, hein????
- Pai, o senhor está me assustando.
- Assustando o q! Já escolheu uma carreira? Diz pra teu pai.
- Ué engenheiro, pai. Já falei disso contigo.
- Foi ano passado que vc me falou isso. Pq vc não faz artes, filho. Vc desenha tão bem... Ou então cinema... Eu ia adorar ter um filho que faz cinema.
- Mas eu não quero, pai. Eu gosto de engenharia.
- Enegenharia não dá dinheiro e... só tem homem. E quando tem mulher são todas bruacas. Muito bem, amanhã você entra numa aula de violão... Violão não... GUITARRA... Não não BATERIA.
- QUÊ???
- Amanhã vamos ao centro comprar sua bateria, Frederico Augusto.
- Não não, vou falar com minha mãe.
- Pode falar. Já discutimos isso. Joana Antônia concorda comigo... Sabe onde conheci sua mãe???
- Ahn? Onde?
- Num Ano Novo mutcho loco em Vargem Grande. Sol, muita maconha, muito mato, pessoas trepando, dias e dias sem nossos pais saberem onde fomos parar. Eu quero um futuro para vc, filho, e esse futuro começa agora.
- Isso não é futuro, pai. Eu não tenho talento para hippie.
- Não seja idiota idiota. Não estou querendo que vire um hippie. Seu raciocínio é muito limitado. Quero só que fume maconha com seus amigos, arranje uma mina que foda muito bem, suma por uns dias e... ahn, deixe esse cabelo crescer, sim?
- E se eu não quiser?
- Vc já pensou em escrever poesia confessional?
- PAI, responda minha pergunta: e se EU não quiser isso?
- Se vc não quiser?... Então... SUMA desta casa.


No dia seguinte, Frederico Augusto Pilares juntou suas poucas coisas e se foi com os olhos marejados de tristeza. Tentou a casa de outros parentes mas quando estes souberam o motivo de sua saída do lar paterno lhe botavam novamente na rua. Ó, como Frederico vagou... Noites dormindo em bancos de praça. Mas, num golpe de sorte, encontrou uma turma de amigos que pensavam igual a ele e que tiveram o mesmo destino infeliz que a vida reserva aos diferentes. Organizaram-se numa república. Para pagar as contas, Frederico e seus amigos faziam manutenção de micros. Passavam os fins-de-semana assistindo reprises na TV e programas de auditório. O negócio evoluiu para manutenção de redes e no ano seguinte decidiram abrir uma empresa. A empresa cresceu e Fred (como era chamado) teve que fazer algumas viagens para São Paulo para comprar novos equipamentos. Numa dessas viagens conheceu ao vivo Mariana Júlia, uma moça de Bauru com quem conversava pelo ICQ e com quem queria formar uma família. Formaram. No ano em que Frederico Augusto se formou em engenharia da computação, se casou com Mariana Júlia e lá estavam pessoas que até então só conhecia pelo ICQ e pelo MSN!!! Estavam lá: Zoião, DM@98 e, claro, os amissíssimos e virtualíssimos Righ513 e vamp2004 que foram os padrinhos do casamento. Os pais souberam da festa mas resisitiram em ir. Na última hora, porém, cederam à tentação e viram a cerimônia de uma distância segura. Depois pegaram o carro e voltaram pra casa.
Anos mais tarde, alguém bateu à porta da casa de Frederico, no Engenho de Dentro.
- Môzinho, deixa queu atendô. - disse.
Frederico abriu a porta e identificou o rosto já envelhecido de sua mãe.
- Posso entrar, Frederico? - ela disse.
Fred era só orgulho e emoção, já esquecendo todo o revés passado e imediatamente incorporando o garoto de 30 anos atrás... antes da deserção.
- Claro, entra... Entra.
A mulher já idosa entrou.
- Como está pap...
- Morreu.
Fred emudeceu. Ela continuou.
- AVC. Ficou com o lado esquerdo paralisado mas... (choramingando) sempre falava de vc. (desabou no choro).
- Ó meu deus. - falou, já se imputando uma culpa que não tinha - Quer um copo de água com açúcar?
- Não precisa. Onde está... sua filha?
- Joana? Ela está lá dentro. No berço. Nanando.
- Ela tem meu nome.
- Pois é - confessou, enchendo o peito...
- Quero vê-la - disse, repentinamente.
- Claro claro - salientou o orgulhoso papai Frederico.
Foram ao quarto. Uma pequena trochinha de 3 anos dormia no berço oculto na escuridão do quarto suburbano. Joana, a mãe, falou:
- Fred, filho, seu pai antes de morrer me pediu que viesse aqui conversar contigo.
- Claro claro - salientou novamente, sempre emocionado, o bom Frederico.
Voltaram à sala. Fred tentou amparar o corpo frágil da mãe que procurava o sofá. Enfim, sentaram-se os dois. A velha puxou-lhe pela gola e disse assim:
- Sei que tivemos um momento de ruprtura muito forte.
- Ah... isso já passou, mam... - parou meio hesitante e por fim completou, resoluto - ...mãe.
- Que bom que pensa assim... meu filho.
Muita emoção no ar. Os átomos deviam estar se chocando em polvorosa. Um sentimento familiar e aconchegante, muito terno, preencheu aquela sala. A mãe continuou.
- Seu pai estava no leito de morte. Suava e gemia. Chorava também. Ele sabia que ia partir. Apesar do AVC, eu sei que estava plenamente consciente de tudo ao seu redor. - falava e já se emocionava com a lembrança.
- Mãe... Vale a pena relembrar isso? Vamos pensar no futuro agora. Vamos pensar em Joana.
- Joana - ela concordou. - Joana - ela repetia - Joana - ela murmurava. - Joana - Joana Antônia concluiu.
Prosseguiu, como quem pára numa subida íngreme e, tomando fôlego, decidi continuar.
- Seu pai me fez prometer coisas, Frederico Augusto. Seu pai me fez um pedido.
- Um pedido?
- Um pedido para mim e para você. Se ainda queres se redimir com o pobre coitado.
- Me redimir?
- Sim.
O clima aconchegante esfriou. A velha prosseguiu, rumo ao topo da conversa.
- Seu pai tentou para você o melhor e vc se negou. Em seu leito de morte, ele me sussurrou: "Joana Antônia, Joana é a esperança."
- Não estou entendendo, mãe.
- Sua filha pode ter o futuro que vc renegou, filho.
Abriu a velha bolsa, apanhou um velho papel amarfanhado e cuidando de posicionar o velho óculos, velhamente, disse:
- Está tudo aqui, Frederico. Pela letra de seu pai morto: "Perder a virgindade aos 15. Maconha aos 16. Pó aos 18. Clínica aos 23." Por fim, tirou os óculos de leitura, finalizando: "Mais um curso de pintura, teatro ou música". Ela terá todo o direito de escolher, é claro.
- O Quê? Como? Deixe-me.
A velha passou-lhe o papel e Frederico Augusto leu com muita atenção. Lembrando-se imediatamente de Paulo Albuqurque. Sim, definitivamente, sim, aquela era a letra de seu amado porém severo pai. A velha Joana Antônia aguardava, sem desgarrar os olhos de Fred.
- Então, filho?
- Meu deus, papai...
A velha sentia a resistência abalada pela culpa.
- Pense... Este foi o último desejo de um velho agonizante. Pense... Ainda há chance de consertar os erros passados.
O choro veio a seguir numa torrente de emoção embotada pelo percurso transcorrido dos anos.
- Mas... é minha própria filha.
- Por isto mesmo, Fred. Por isto mesmo.

Lá fora, a velha olhou ainda uma vez mais para a honesta casinha e seguiu em desapegados passos até o carro. No carro entrou e o marido a aguardava...
- E então, Joana Antônia?
- Acho q ele engoliu, Paulo Albuquerque.
- Ótimo, vou ligar para o Cavalo.

sexta-feira, junho 18, 2004

A Inspiração.

"Fico preocupada cada vez q leio teu blog.
Eu não sei até q ponto o q vc escreve é uma fantasia tua ou realidade. Aliás, "fantasia" me parece um termo inapropriado em relação a essas histórias. Fantasia me remete a coisas boas.
Juro que não entendo teus textos, ou melhor, o motivo, a inspiração. Que tipo de necessidade te mover pra escrever coisas como "Schmidt"? Vc afirma que está bem e eu não insisto para não ser chata mas sinto que há uma verdade particular nessas suas palavras ácidas. Esse clima é tão pesado a cada texto que nem consigo mais ler. Eu não posso lhe proibir de continuar, só gostaria que vc soubesse que me incomoda... muito.
Ontem chorei ao ler seu último post. Acho até que você escreve bem. Acredito mesmo que tenha algum talento pois o que escreve me toca. Certamente toca outras pessoas também. Mas não creio que haja um toque positivo nisto. Você espalha um sentimento ruim, cara. Você espalha um incômodo e uma melancolia que ultrapassa a simples depressão. Na verdade, estou chorando agora também, por trás desse teclado frio, enclausurada e tensa como teus personagens.
O que te inspira? O mundo louco? Pessoas que não se respeitam? A dedicação profunda da sociedade às coisas imbecis? Você não responde às minhas perguntas então me sinto obrigada a arranjar minhas próprias respostas.
A verdade é que mesmo assim eu não te alcanço, pois sou capaz de assistir aos mesmos programas de TV e ouvir as mesmas músicas que te ofendem com tanta força e passar incólume por elas. Você sabe demonstrar sua revolta muito bem pelo que leio. Bem demais.

Eu não tenho este talento 'fantástico' para distorcer o mundo. Eu não tenho. Já tentei me por no teu lugar mas me recuso a crer que o humano seja tão torpe quanto você o descreve.
Prefiro ter minha própria fantasia e que essa fantasia se ligue mais ao sonho que a um pesadelo ou a uma doença. Acredito no homem e você não, né?
Se eu tivesse a tua verve não perderia meu tempo poluindo as cabeças alheias. É. Realmente, somos almas em choque. Fazer o que?
Obrigado por me fazer ver isso.
Estou indo embora. Pretendo me manter longe do seu mundo para sempre. Te amei. Chega. Fica com esse e-mail. Leia-o... Se quiser, publique em seu blog. Se bem conheço vc, não resistirá à tentação... é o que fará. De qualquer forma, como vc mesmo adora dizer: FODA-SE. Fique com seu inferno.
Adeus."


"Caro Sr. Mortimer(?)

Agradecemos a consideração por nos ter mandado seus textos.
Realmente muito obrigado. Perdoe-nos também a demora em responder-lhe. Gostaríamos muito de responder prontamente a todas as quase 200 pessoas que nos remetem semanalmente suas obras. Infelizmente isso não é possível.
Sobre seu trabalho... Sua escrita tem, em geral, bom vernáculo e bom desenvolvimento muitas vezes até prendendo a leitura. Continue assim.
Infelizmente seus temas poderiam ser melhor escolhidos. Não acreditamos que isso atraia o grande público ou mesmo o médio e pequeno público. Na verdade, achamos sinceramente que atraiam somente a uma parcela de pessoas emocionalmente perturbadas... o que obviamente não constituem nosso público-alvo.
Torcemos para que encontre uma editora com o perfil adequado à sua escrita ou, caso não consiga quem publique, sugerimos que faça uma revisão do seus conceitos. Enfim, é apenas uma sugestão.
Outro ponto: temos recebido insistentes ligações e cartas anônimas de um suposto "fã" de seu trabalho fazendo pressão sobre nossos editores. Por favor, peça a seu "fã" que pare imediatamente com isso pois não cedemos à pressões ou ameaças e que, caso isso continue, seremos obrigados a investigar e a responsabilizar Vssa Sria. pelo transtorno causado por esta possível "criação" sua.

Atenciosamente,

(...)
- Editor"

terça-feira, junho 01, 2004

Brinquedo de vingança. Jasmim me quer com ela dentro do chão. Crise de abstinência. Magia Moderna. O dândi q eu era. Palhacinho.

Sou seu brinquedo de vingança*

1970.
Não fica perdendo teu tempo com esse merda,(...). Vc fica falando e falando e daí vc se estressa, papai. Olha pra ele. Não tá nem aí pra nada. Essa porra já era assim e fumava maconha e coisas ainda piores enquanto vc ainda chupava chupeta. Essa porra comia barangas de rua enquanto vc inda brincava de boneca. Esse traste já pensava em cortar os pulsos quando vc lia Luluzinha. Então me diz, minha linda... Pq amarras tua égua (isso não é nenhuma alusão hein?)sob a sombra escrota desse infeliz? Mas, papai. Faz o seguinte: conheço um rapaz. Um ótimo rapaz. De boa família. Boa mesmo. Deus querendo, ele vai ser médico. Não se sabe que tenha envolvimento com drogas... Se tem também merece consideração pq não transparece (estou brincando). Ele ainda não te conhece mas sei que vai gostar de vc. Vou te apresentar prele. O senhor acha? Acho, minha linda.

Muito bem, Arnaldo, esta é (...). Linda, não? Sabia que vc ia gostar. Ela é uma moça ótima: além de tudo é inteligente... andou fazendo umas bobagens aí se envolvendo com um porrinha qualquer... mas é passado, agora. Não é, minha linda? Vou deixá-los a sós pra se conhecerem melhor.

Maite, te apressa se não chegamos atrasados ao casório de (...) e Arnaldo. Oh estou tão feliz. Eu também, Maite. Eu também.

Quer dizer que (...) vai casar mesmo com aquele goiaba? Pois é, o cara tantas fez pra pegar a menina que conseguiu... E isso também tem obra do pai. Eu não sabai mas ele me odeia e acha que não posso reagir. De fato, deixei rolar a coisa pois... quer saber?... ele tem razão: eu não posso reagir. Deixa q role o casamento. Se eu fizer algo eles me matam mas a dor é grande, cara. Tô morto por dentro. Pô relaxa, cara, vc arranja outra... Ah, se fosse só esse casamento. Vc não sabe... Aquele velho é muito perigoso. Ele me fez nascer só para ter seu próprio brinquedo de vingança. Como? Ele teve o desplante de vir aqui ontem à noite... e me contou tudo. Há vinte anos ele e meu pai gritaram um com o outro. Odiaram-se. Há vinte anos aquele porra mandou matar meu pai, violentou e engravidou minha mãe, viciou a ela e a mim no útero com heroína, adolescente, apresentou-me (...) e criou essa situação. sou dependente dela. Quando viu que havia conseguido veio e a tirou de mim e a deu ao verme. Vc não tem provas, cara. É, não tenho. E agora? Agora?... cara, agora eu sei o que eu sou. Meu vício não tem cura. Minha história é a de uma cobaia. Já pensei em matar apenas ele. Já pensei em matar todos. Já pensei em me matar. Mas vou deixar o tempo correr e esperar a reposta.

1990.
Dia de sol. Muito forte.
Olho pro papel e vejo minha resposta contada por gens. Não entendo como, mas consegui... com um chumaço de cabelos de um velho pervertido. Minhas putas conseguem tudo. Converso com meu advogado: agora seremos eu, meu pai bastardo e este DNA. É hora do brinquedo brincar.

*Argumento para novela das 8

Jasmim me quer com ela dentro do chão

Disse alô à natureza e sentou no chão.
Eu sei do q vc precisa. Ela disse.
Abriu a blusa e deslizou seio.
Não esperou reação e vem cá dum beijo.
Minha mão eu perdi lá dentro era duro e frio.
Agarrou-me a orelha e puxou pra dentro daquela boca.
Me chamou pra morte e eu fui.
Me chamou pra morte e seguimos juntos.
Nem quero saber mais de estrada. Nem quero saber de mais nada. Que mochila o q! A viagem acaba aqui. Vamos os dois subir a colina e subimos. Não era essa a proposta então?
Parecia febril hahaha eu também
Não demora muito voltaremos pro chão.



Crise de Abstinência

Não se sabe se pelo shampoo ou se pelo condicionador, Joana ficou careca.

A princípio, eram poucos fios então não dava pra dizer: putz Joana vc tá ficando careca. Não. A quantidade era irrisória e ela não comentou com ninguém. Mas esse 'irrisório' aí durou um mês. Daí em diante os fios não paravam de cair causando desconforto social.
Como travar uma conversa com uma pessoa cujos fios caem aos montes? O desconforto gerou conversas e as conversas geraram boatos. Boatos sobre doença, é óbvio, pois doença é o que se pensa quando começam a cair os cabelos de alguém.

Boato que é boato ninguém sabe de onde veio e o objeto da história nunca está por perto para assistir os comentários. Então, já que o papo causava desconforto, Joana fez o que fazem as pessoas quando se sentem mal em conviver com os boatos: se isolou em seu apê em Copa. Assistindo seus cabelos caindo e chorando, é óbvio. Chorando cada dia mais, como é de se esperar. Chorando até desesperar-se, consequentemente.

Os boatos só fizeram ficar mais fortes e já corria rapidamente a história do desfecho trágico: Joana havia morrido. Quem começa a ficar careca por doença num boato e um dia some, tem que estar preparado para estar morto no boato seguinte.

Daí em diante a liturgia de Joana foi morrendo nas rodas pq não faz sentido ficar contando histórias de alguém que já morreu. Chega uma hora que cansa.

Como não podia deixar de ser, depois de tanto tempo de autoexílio, Joana resolveu sair de casa. Mas, como o olhar assustado e/ou curioso dos outros a comprimiam, ela não ficava muito tempo na rua. E voltava pra casa, aflita. Chorando, claro.

Pobre Joana.
Bom, por hora não há muito o que contar. A menina continua isolada em seu apertado em Copa. Evita ficar muito temo nas ruas para não encontrar gente conhecida. Quando sai é de túnica fazendo surgir novos boatos: será uma cigana? uma leprosa? louca? excêntrica? atriz famosa? Será uma hindu?.

Porra, gente... É só uma mulher careca!



Magia Moderna

Meu celular é meu... e de mais ninguém.
Exemplar de gosto da mais refinada tecnologia da comunicação. De posse dele realizei meus sonhos, me entendi como humano, me reaproximei do que tenho no coração e no pensamento. Eu entendi tudo. Ele brilha no escuro. Quando estou só eu falo com ele.

Na nota fiscal (sua certidão) consta o dia 1 de junho de 2004 mas tive que voltar à loja no dia seguinte. Apresentou um defeito mas... nada de grave; constatou-se que era de berço; tranquila e sem stress, a companhia cumpriu seu dever trocando-o por outro aparelho, anexando a isto um pedido de desculpas da balconista -sorriso pleno e alguma emoção. Nunca fui tão bem atendido... Ela tocou minha mão com ternura e me enamorou com um "volte sempre".
- É um prazer atendê-lo...
Finalizando com um: "A (companhia) agradece".
Tanta devoção marejou-me os olhos. Tive que me conter pra não causar constrangimento a quem tanto fez por mim fazendo apenas o essencial: 'sua obrigação'.

Testei o peso da matéria e deu-me a impressão de ser ainda mais leve que o outro...aquele, o imperfeito: o devolvido. A magia moderna está em se devolver o imperfeito. Também está na mãe que reconhece o defeituoso rebento e parte para a troca sem muitos porquês. Troca-se o errado pelo certo como se o primeiro nunca tivesse existido. Nem vergonha ele será. Nenhum traço deixará na biografia das demandas. Será praticamente um chiste, visto que nos aproxima do fabricante... este chiste chamado defeito existe para testar a relação entre nós e a companhia; além do mais, q bela oportunidade para receber um carinho institucional e consertar-se a falha com um cafezinho, um "sente-se por favor"; esquecer o desconforto advindo da peça errada e transformá-la em um quase acerto e/ou puramente uma benção.

Eu amo meu celular e sei de coração que ele me ama também.
Posso gravar nele qualquer recado. Ele me deixou gravar um "eu te amo". Então não só eu mas meus íntimos e conhecidos podem ser testemunhas do amor franco que tenho por esta pequena criança industrial. No meu celular estão, enfim, minhas esperanças e minha fé no humano.

Andar com ele no bolso, como fazem alguns que conheço, julgo desrespeito e desamor ao aparelho. Por isso, adquiri uma casinha linda e aconchegante onde ele pode dormir sossegado. Ela é igualmente plástica, mas maleável e transparente, e combina com suas cores de prata fosco e grafite. A escolha foi muito apropriada e nisso a moça da loja ajudou muito.

Meu amor é franco... Não digo, porém, que seja incondicional. Mais dia menos dia ele apresenta defeito. Que horror. Defeito. Mas dia menos dia ele falha ou, pior, outro modelo me seduz. Meu deus, disso eu tenho medo. Antes um defeito! O defeito justifica tudo... tudo, tudo.
Mas a sedução pode acontecer. Assim, sem aviso, andando na rua, eu posso ser assaltado por uma paixão e vai que se transforma em coisa séria. Vai. O defeito é a traição dos aparelhos/é o não-servir descarado. Mas a sedução pelo apelo do novo... Isso é a traição do dono. Deus, que só de pensar nisso tenho vergonha. Eu teria que escondê-lo em sua casinha plástica aconchegante maleável transparente quando fosse lá - sim, seduzido a tal ponto que entraria na cova do lobo pra saber mais da sua vida. Recursos/Upgrades/Vantagens e enfim, o preço. Perguntar o preço é praticamente trair. Em quantas vezes? Pode-se trair inclusive a prestação.

Mas que noites horríveis serão essas, olhando pro teto e pensando no modelo da vitrine. O teto e os pensamentos, o adormecer e os sonhos de consumo. Premido pelas circunstâncias, tentarei achar no antigo um defeito e, de fato encontrarei, nem que seja um miserável arranhão no lead. Que merda!!!! Os dias se passarão e serão insuportáveis. Sua aparência antes terna e convidativa será apenas rústica e desgastada... como nossa relação. Meus íntimos me encontrarão irascível e dirão que sofro de mudança de comportamento. Não confidenciarei nada a ninguém. Vou guardar esta dor pra mim. Minha questão é minha e de mais ninguém.

Então, será talvez um dia de agosto - o mês ideal para trair...
Eu irei a tal loja e irei comprar o novo modelo.
Eu disse comprar. Não é mais pesquisa. Acabou-se o flerte. A farsa. Tudo/Tudo/Tudo. A insuportável tentação dá lugar a mais ferina das traições. Acabou-se a vergonha também. Comprarei, sim, o novo modelo. Premeditado, reservarei uma importância só para isso. Pressão sobre os joelhos. Aperto no peito trocado por liberdade assumida. Exponho o antigo velho fuleiro sobre a bancada. Direi, quando chegar a minha vez, é claro, pois eu respeito filas, "quero aquele lá da vitrine". É fim de conversa. Tudo às claras. Eis a verdade escondida naqueles olhares de desleixo no meu reincidente destratar. Eu cobiço. Entenda, eu sou apenas humano.

O perfeito me chegará com o brilho da juventude, a proposta de prazer e tudo mais. O outro ficará na bancada com cara de passado.

- O que vai fazer com este daqui? - atendente sorriso.

- Vou dá-lo.

Pronto. A conspiração covarde se fechará. Nada mais vil que isso. Não vender. Não presentear. Não doar. Dar. Dar não é doar. Dar é para qualquer um, até para quem não precisa. E assim sairei da loja e principiará o desmanche da relação.
Desabilitar a linha anterior.
Retirar assim a alma do aparelho.
Um celular sem linha, inexiste na função. Nada mais que casca.
Ativar a linha do novo modelo. A emoção será tamanha que não vou resistir... vou chorar.

Por fim, me surpreender com algo.
Algo profundo demais.
Algo inesperado.
Não sei o que é isso ou simplesmente não admito?
É um sentimento estranho que eu não sentia há tempos.
Uma lebrança ornada de ternura que faz aflorar de mim um sorriso surpreso e triste.
Saudade.


O dândi que eu era

Eu escrevi aquelas coisas e ela não gostou.
Nunca mais escrevo aquelas coisas. Ou não ao menos daquele jeito.
Quis um beijo dela e ela me negou.
As outras coisas, muito menos.
Mas eu não aprendo mesmo hein? Vc não entende que eu sou o inocente nisto tudo e faço o q faço por eu ser um doente. É mais forte que eu. Chamam a isso pulsão, sabia? Ela diz não... É que eu camuflo minha inércia com este caô de doença. Isso é desculpa de dândis, re-diz. Eu sou aquele que se contenta em ostentar vazios e emoldurar fracassos pra se colocar sobre algum tipo de pódio... nem que seja o dos idiotas. Disse ela que eu fumo demais do pior cigarro barato por achar muito foda posar de fudido. Ela acertou em cheio (como sempre). Eu poso de fudido pq é tudo o q tenho... além da nicotina & alcatrão.
Mas depois de toda essa zorra, ela me beijou... mesmo assim ela me beijou.
Não vou te dizer que não me senti bem em vê-la toda nervosinha me chamando de dândi. Qual moleque não se sente importante quando leva um carão da mamãe? O ponto alto, sem dúvida, foi me desmascarar... eu curto posar de fudido com o cigarro Campeão destruindo minha garganta e pulmão. Pois é, ela diz isso e depois me beija com tanta força que esqueço até do meu ego. Aí eu morro e vivo de novo. Entro em combustão instantânea. Desfeito em cinzas, espalhado no chão pra que me pisem e eu fique aderente ao solado dos sapatos urbanos pra daí a 15 minutos voltar a ser gente, admirar-se e dizer: essa é a melhor droga do mundo.
Depois dessa só mesmo um "tá bem tá bem, vou mudar". Sair com a pose entre as pernas e recolher-se à minha insigni... Epa. Olha eu posando de novo.

Aí, essa mulher tem uma boca melhor que qualquer spa, que qualquer cvv, superior aos 12 passos de budha... que qualquer 5 meses de divã... melhor q tai-chi, melhor q a maconha do norte... melhor q posar de outsider... melhor que quebrar as normas e leis... melhor que provocar o guardinha... melhor q pichar mais alto que todos... melhor que brigar com o vizinho... melhor que mandar tomar no cu e que mandar se fuder... melhor que escrever baboseira... É melhor que sol-de-bom-dia e banho quente. Se eu não retribuir logo fico sem essa droga de boca... e isso não pode.


Ok, beibe, parei de fumar... Campeão.
Amanhã, eu juro, procuro outra marca.


Palhacinho

De todos os 125 paus que ela chupou naquela semana, aquele, sem dúvida, era o mais estranho. Na verdade, não lembrava de ter chupado pau assim em toda sua vida.
Frocado e frio, mesmo entumecido.
Exageradamente torto. Incomum. Estranho. Cinzento. E triste.
Nunca concebeu pau assim. O choque foi instantâneo. Estava pronta para tudo... ou achava que estava.

As meninas o chamavam de Palhacinho. "Aí Amanda, hoje vc vai descabelar o Palhacinho." E riam. Como riam.
Palhacinho não era exatamente pequeno. Até deveria ter um tamanho normal... se fosse perfeito. Talvez aquele jeitão, entre o cômico e o trágico, tenha gerado esse apelido.

Olhando incrédula e nervosa, tentando frear as emoções confusas que pareciam querer sair por seu rosto, a menina Amanda deixou escapar um sussurro: "Palhacinho".
O dono do pau, levantou-se lentamente. "Oi?"
O dono do pau era mulato mediano. Nem forte nem fraco. Nem alto nem baixo. Brasileiro normal de cabelo maquinado 2.
Apesar de dono de um pau pavoroso, notridâmico, era terno e bom. Assim percebia Amanda, que por ser mãe e puta exemplar percebe tudo mais que as mães e putas normais.