quinta-feira, junho 24, 2004

A Sina de uma Paixão

- Muito bem Frederico Augusto, senta aqui do lado do seu pai.
- Tah bem, papai.
- Vamos ter uma conversa séria... muito séria.
- Hã? O q q eu fiz, papai? Se são minhas notas...
- Não. Suas notas estão ótimas... Como sempre.
O jovem Frederico Augusto olhava apreensivo para Paulo Albuquerque, o genitor.
- Me diz. Quero que vc seja franco. Não mente.
- Nossa. O que é?
- Calma. Me diz: vc está fumando maconha, Frederico Augusto?
- Como é???
- Calma. Me responde: vc tá fumando maconha?
- Eu? Eu não, papai!!!
- Não???
- Não.
- Espera, filho. Vou refazer a pergunta: vc já fumou maconha?
- Não, papai. Eu nunca fumei isso na vida.
- Frederico Augusto, não-mente-pro-seu-pai.
- ...
- Olha, presta atenção. Na tua idade, eu subia o morro. Sim. Eu ia no ponto com os coleguinhas da rua e comprava maconha com a mesada que meu pai me dava. Eu te dou mesada, não te dou?
- Dá, papai.
-E pára de me chamar de "papai". Tu tem 18 anos, garoto. Aos 15, o moleque já tem que fumar maconha com os coleguinhas, entende?
- Como?
- Aprende, filho. Aprende essa lição. Seu pai quer seu bem. Amanhã c vai procurar seus coleguinhas e vai nesse endereço aqui. Vai lá e pede uma trochinha... Isso aqui deve dar... Procure um homem... o Cavalo.
- Mas, pap... pai. Meus amigos não são de fumar essas coisas.
- Então, filho, vamos ter que rever com quem vc tem andado. Não pode. Na tua idade, tem que ter amiguinhos da fuzarca. Tem que ir nas festinhas, fumar e beber.
- Que q isso, meu pai?
- Tô cansado, filho, e muito preocupado. Vc só estuda. O dia inteiro. Não pega uma praia. Não demora no banheiro. Não fuma maconha. Não usa roupa rasgada. Não ouve um rock... um régui... É hora de vc fazer jus as nossas expectativas.
- Mas, pai, e o vício?
- Isso é problema pra depois.... A gente bota vc numa clínica... Sei lá. Também vai ser importante pra vc. Mas não sem antes cafungar.
- Ca... o q?
- Cafungar!!! Quero ver meu filho homemzinho. Vai q vc entra numa festa e te perguntam se já cheirou uma rapa e vc diz: "o que é isso?".
- Sim, o que é isso?
- Tá vendo? Tá vendo? Isso é que não pode!!! Vamos dar um jeito nisso. Mas primeiro a maconha. E vê se divide com seus colegas, hein????
- Pai, o senhor está me assustando.
- Assustando o q! Já escolheu uma carreira? Diz pra teu pai.
- Ué engenheiro, pai. Já falei disso contigo.
- Foi ano passado que vc me falou isso. Pq vc não faz artes, filho. Vc desenha tão bem... Ou então cinema... Eu ia adorar ter um filho que faz cinema.
- Mas eu não quero, pai. Eu gosto de engenharia.
- Enegenharia não dá dinheiro e... só tem homem. E quando tem mulher são todas bruacas. Muito bem, amanhã você entra numa aula de violão... Violão não... GUITARRA... Não não BATERIA.
- QUÊ???
- Amanhã vamos ao centro comprar sua bateria, Frederico Augusto.
- Não não, vou falar com minha mãe.
- Pode falar. Já discutimos isso. Joana Antônia concorda comigo... Sabe onde conheci sua mãe???
- Ahn? Onde?
- Num Ano Novo mutcho loco em Vargem Grande. Sol, muita maconha, muito mato, pessoas trepando, dias e dias sem nossos pais saberem onde fomos parar. Eu quero um futuro para vc, filho, e esse futuro começa agora.
- Isso não é futuro, pai. Eu não tenho talento para hippie.
- Não seja idiota idiota. Não estou querendo que vire um hippie. Seu raciocínio é muito limitado. Quero só que fume maconha com seus amigos, arranje uma mina que foda muito bem, suma por uns dias e... ahn, deixe esse cabelo crescer, sim?
- E se eu não quiser?
- Vc já pensou em escrever poesia confessional?
- PAI, responda minha pergunta: e se EU não quiser isso?
- Se vc não quiser?... Então... SUMA desta casa.


No dia seguinte, Frederico Augusto Pilares juntou suas poucas coisas e se foi com os olhos marejados de tristeza. Tentou a casa de outros parentes mas quando estes souberam o motivo de sua saída do lar paterno lhe botavam novamente na rua. Ó, como Frederico vagou... Noites dormindo em bancos de praça. Mas, num golpe de sorte, encontrou uma turma de amigos que pensavam igual a ele e que tiveram o mesmo destino infeliz que a vida reserva aos diferentes. Organizaram-se numa república. Para pagar as contas, Frederico e seus amigos faziam manutenção de micros. Passavam os fins-de-semana assistindo reprises na TV e programas de auditório. O negócio evoluiu para manutenção de redes e no ano seguinte decidiram abrir uma empresa. A empresa cresceu e Fred (como era chamado) teve que fazer algumas viagens para São Paulo para comprar novos equipamentos. Numa dessas viagens conheceu ao vivo Mariana Júlia, uma moça de Bauru com quem conversava pelo ICQ e com quem queria formar uma família. Formaram. No ano em que Frederico Augusto se formou em engenharia da computação, se casou com Mariana Júlia e lá estavam pessoas que até então só conhecia pelo ICQ e pelo MSN!!! Estavam lá: Zoião, DM@98 e, claro, os amissíssimos e virtualíssimos Righ513 e vamp2004 que foram os padrinhos do casamento. Os pais souberam da festa mas resisitiram em ir. Na última hora, porém, cederam à tentação e viram a cerimônia de uma distância segura. Depois pegaram o carro e voltaram pra casa.
Anos mais tarde, alguém bateu à porta da casa de Frederico, no Engenho de Dentro.
- Môzinho, deixa queu atendô. - disse.
Frederico abriu a porta e identificou o rosto já envelhecido de sua mãe.
- Posso entrar, Frederico? - ela disse.
Fred era só orgulho e emoção, já esquecendo todo o revés passado e imediatamente incorporando o garoto de 30 anos atrás... antes da deserção.
- Claro, entra... Entra.
A mulher já idosa entrou.
- Como está pap...
- Morreu.
Fred emudeceu. Ela continuou.
- AVC. Ficou com o lado esquerdo paralisado mas... (choramingando) sempre falava de vc. (desabou no choro).
- Ó meu deus. - falou, já se imputando uma culpa que não tinha - Quer um copo de água com açúcar?
- Não precisa. Onde está... sua filha?
- Joana? Ela está lá dentro. No berço. Nanando.
- Ela tem meu nome.
- Pois é - confessou, enchendo o peito...
- Quero vê-la - disse, repentinamente.
- Claro claro - salientou o orgulhoso papai Frederico.
Foram ao quarto. Uma pequena trochinha de 3 anos dormia no berço oculto na escuridão do quarto suburbano. Joana, a mãe, falou:
- Fred, filho, seu pai antes de morrer me pediu que viesse aqui conversar contigo.
- Claro claro - salientou novamente, sempre emocionado, o bom Frederico.
Voltaram à sala. Fred tentou amparar o corpo frágil da mãe que procurava o sofá. Enfim, sentaram-se os dois. A velha puxou-lhe pela gola e disse assim:
- Sei que tivemos um momento de ruprtura muito forte.
- Ah... isso já passou, mam... - parou meio hesitante e por fim completou, resoluto - ...mãe.
- Que bom que pensa assim... meu filho.
Muita emoção no ar. Os átomos deviam estar se chocando em polvorosa. Um sentimento familiar e aconchegante, muito terno, preencheu aquela sala. A mãe continuou.
- Seu pai estava no leito de morte. Suava e gemia. Chorava também. Ele sabia que ia partir. Apesar do AVC, eu sei que estava plenamente consciente de tudo ao seu redor. - falava e já se emocionava com a lembrança.
- Mãe... Vale a pena relembrar isso? Vamos pensar no futuro agora. Vamos pensar em Joana.
- Joana - ela concordou. - Joana - ela repetia - Joana - ela murmurava. - Joana - Joana Antônia concluiu.
Prosseguiu, como quem pára numa subida íngreme e, tomando fôlego, decidi continuar.
- Seu pai me fez prometer coisas, Frederico Augusto. Seu pai me fez um pedido.
- Um pedido?
- Um pedido para mim e para você. Se ainda queres se redimir com o pobre coitado.
- Me redimir?
- Sim.
O clima aconchegante esfriou. A velha prosseguiu, rumo ao topo da conversa.
- Seu pai tentou para você o melhor e vc se negou. Em seu leito de morte, ele me sussurrou: "Joana Antônia, Joana é a esperança."
- Não estou entendendo, mãe.
- Sua filha pode ter o futuro que vc renegou, filho.
Abriu a velha bolsa, apanhou um velho papel amarfanhado e cuidando de posicionar o velho óculos, velhamente, disse:
- Está tudo aqui, Frederico. Pela letra de seu pai morto: "Perder a virgindade aos 15. Maconha aos 16. Pó aos 18. Clínica aos 23." Por fim, tirou os óculos de leitura, finalizando: "Mais um curso de pintura, teatro ou música". Ela terá todo o direito de escolher, é claro.
- O Quê? Como? Deixe-me.
A velha passou-lhe o papel e Frederico Augusto leu com muita atenção. Lembrando-se imediatamente de Paulo Albuqurque. Sim, definitivamente, sim, aquela era a letra de seu amado porém severo pai. A velha Joana Antônia aguardava, sem desgarrar os olhos de Fred.
- Então, filho?
- Meu deus, papai...
A velha sentia a resistência abalada pela culpa.
- Pense... Este foi o último desejo de um velho agonizante. Pense... Ainda há chance de consertar os erros passados.
O choro veio a seguir numa torrente de emoção embotada pelo percurso transcorrido dos anos.
- Mas... é minha própria filha.
- Por isto mesmo, Fred. Por isto mesmo.

Lá fora, a velha olhou ainda uma vez mais para a honesta casinha e seguiu em desapegados passos até o carro. No carro entrou e o marido a aguardava...
- E então, Joana Antônia?
- Acho q ele engoliu, Paulo Albuquerque.
- Ótimo, vou ligar para o Cavalo.

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