terça-feira, maio 18, 2004

Procurador

Eu só quero que alguém me diga: pra que serve um Procurador?
Aproveitem a deixa e me digam também pra que serve um Desembargador?
Indo na onda dessa indagação toda me diga: pra que serve tudo isso?
Relatores, Auditores, Conselheiros, Assessores, Secretários, Vereadores. Administradores e Magistrados. Títulos que escritos devem começar sempre com caixa alta. Doutores. Sempre Doutores. Copo de whiskye na mão e outra pra apertar. Eu quero que alguém me diga pra que serve tudo isso.
Não me importo que me chamem de ignorante, mas não me chama de simplório não. Pelamordedeus.
Só pq eu perguntei isso o sujeito de gravata me olhou com cara estranha e se sentiu ofendido. Mas que porra. Como se eu estivesse a sacanear alguém. Peraí não é bem assim. Agora eu pergunto: tá ofendido pq, Vossa Excelência?

terça-feira, maio 11, 2004

Thomás Antunes

Um dia se cansou.
Não mais frequentava os sites pornôs; não mais se refugiava no fracasso; nem odiava mais os outros; cansou-se de orar virado para onde nasce a intolerância; estava farto de aguardar pelo pior na esquina mais próxima; não substituía mais a palavra pessimista por realista; não compensava a solidão colecionando cultura; não odiava mais a lentidão dos velhos e nem a superatividade dos menores; nem encarava mais a beleza com raiva; não queria mais a morte de deus; não invejava os maridos das belas e inteligentes; não tinha mais cabeça pra pesadelos; fechado pra balanço. Fechado e lacrado numa embalagem moderna. Tinha agora decidido ser do contra sendo a favor de algo. Tornara-se um novo homem. Era a favor do que afinal? Escreveria um livro de auto-ajuda? Não tinha saco pra isso.
Se cansara de tudo de uma forma tão vasta que atingira um tipo de nirvana. Realmente não se explica o que lhe aconteceu.

Já sei. Thomás Antunes virou pastor. Não não ele comprou uma arma. Ah... então são as duas coisas?

As ruas lhe deram boa noite.
E Thomás Antunes deu início a Grande Correção do Mundo.


Schmidt. Mãe.

Schmidt

A noite in-tei-ra ela teve que chupar aquele pau mole.
Isso foi a primeira coisa que ela falou quando chegou à agência.
Estava emputecida. A puta.
Seu nome era Schmidt. Não o dela... O dele, o do pau mole. O dela naquela hora era Amanda.

O pau mole de Schmidt... Foi um programa pra lá de estranho.
Assim q chegou na agência, às 22 horas, Dona Carla falou prela do cliente hospedado em Ipanema. Prometia... Apartamento em frente ao mar... Duas horinhas de atendimento. Chegou lá de táxi.
Um prédio de poucos andares e muito vidro. Vidro fumê na portaria. Mesa de vidro pro porteiro. Divisórias de vidro fumê. Até as esculturas (umas mulheres sem rosto) eram de vidro.
O porteiro perguntou o andar. Quinto. “Ah... É Seu Chimite!!!” O severino falou. “Pode subir.” Nem precisou ligar. Que ótimo. O severino foi bonzinho.
O elevador era uma enormidade. Moraria uma família ali.
Demorou para o alemão abrir a porta do elevador e ainda abriu com lerdeza.
“Oi neném.” Ela optou pela saudação dengosa.
Atendeu a porta um bebê branco gigante, calvo e magricela com a narina toda branca: “Ói. Vochê Amanda?” Ele falava com a voz torta de gringo cheirado.
“Chou chim, neneumzaum gotojo” Ela saudou, brasileiramente efusiva.
“Eu Schimdt. Euntra.” Completou o alemão e ela euntrou no recinto.
Fora um sofá mofento e umas mesinhas (de vidro) tinha pouca coisa na sala. Um jornal gringo (devia ser alemão), um punhado de dólares no chão, uma bermuda florida toda molhada e cheia de areia no sofá... As poucas coisas que tinham no apê pareciam jogadas... “Ai, q neném bagunchêlo hein? Ai ai”. Ela realmente havia optado pela recepção dengosa. Mas isso ainda não parecia ter tido efeito sobre o bebê gigante europeu que só se balançava e a olhava com cara de espanto. Estava com uma bermuda tão florida quanto a do chão. Só que essa era laranja.
“Chenta, Amanta?” Ele repetiu.
“Vem cá, bem, onde tem telefone? Tenho q ligar pra agencia.” disse Amanda.
“Tafone ashi?” disse Schmidt.
Ficaram se olhando um tempo. O alemão pendulando e ela, sem reação, até concluir: “Tah bom, nen, deixa q tia Amanda procura o tetel-lefone tah?” Ai meu pai. – desabafou baixinho.
Achou o tel, fez a ligação e aproveitou pra desabafar mais: “porra, me arranjaram um alemão cheiradão. Se bobear o pau dele nem sobe.” Dona Carla: “Sorte sua. Qualquer problema me liga. C acha que ele é violento?” Amanda: “Não não. Tadinho. Parece um bebêzão. Isso não ofende nem uma barata.” Desligaram.
Quando chegou na sala o alemão tinha sumido. “Chimiditeeee. Neneeem. Cadê vochê?”
O bebê gritou lá de dentro: “AmantaAAA!” Os gritos a levaram a um quarto onde o alemão tava estirado numa cama enorme com a bermuda caída até o joelho e o piruzim à mostra.
“Chupa Amanta Chupa Chimite” – ele pedia, todo torto.
Ficou desconcertada olhando aquela tripa encolhida em cima do saco, em cima da cama. “Ai qui bunitim o pipiu de Neném tah dormindo. Vamo acordar o piupiu branquinho?” ela arriscou.
“Chupa Amanta Chupa Schmidt” – insistiu e aproveitou para jogar umas notas de dólar na direção dela. Ela juntou as notas e botou na bolsa indo dar um trato na tripa do alemão. Foi um custo: tirar de vez a bermuda do gringo, posicionar o bicho na cama, aturar o cheiro de whiskye mas o difícil mesmo foi pegar na tripa. Mas ela pegou. Era uma questão de honra e Amanda tinha uma qualidade: uma vez num programa, ela ia até o fim.
“Chupaaa” reclamou o bebê dando mais uma mamada no whisky.
Amanda disse depois que perdeu conta do tempo que perdeu chupando aquela “bronha frocada”, aquele caramujo, aquela... coisa. Dentro da boca a sensação era de estar chupando uma Maria-mole salgada... salgada de praia ainda por cima. Isso foi como depois ela narrou a história pras outras meninas e pra mim.
A noite foi passando e suas reações foram mudando a cada momento. Primeiro, a perseverança por um objetivo a alcançar. Depois a raiva de estar naquela situação esdrúxula. Daí, a resignação de estar cumprindo um dever com sua família e, por fim, a sensação de que aquilo tinha que terminar logo. Mas mal tentava tirar a cabeça e a porra do gringo a empurrava de volta.
“Chupa e Schimite Goja” prometia o torto.
Viu então outra saída. Chupou um pouco mais, daí ficou com a boca parada, para não ficar com cãibra. Esperou com a pequena bola de carne na boca até ouvir o ronco do gringo. Depois se levantou e procurou um banheiro para lavar a boca. No banheiro, em cima da privada, viu o retângulo de vidro com os restos de pó. Lavou o rosto na pia depois tirou o vidro e tratou de aliviar a uretra.
Sentada na privada ficou um tempo olhando a superfície do vidro e o branquinho em cima dela. Por exatos 9 segundos sentiu uma paz absurda. Não pensou em nada. Total silêncio em sua cabeça. Então... “Amantaaa”. O bebê gringo despertou. Se arrumou e foi pro quarto mas ele já havia sumido. Foi pra sala e lá estava ele com outro retângulo de vidro dando uma baita cheirada. Chegou perto. Ele estava usando uma nota de dólar para cheirar. Primeiro uma narina, depois, a outra. Daí, levantou a cabeça e aí ela até achou bonitinho pq ele falou todo choroso: “Amanta não gosta chimite?” Ela realmente ficou dengosa ao ouvir isso e respondeu: “Ai nenen. Amanta gosta chimite. Gosta sim... Vem.” então pegou o gigante e o embalou o corpo semi-nu em cima do sofá. No colo dela Chimite olhou prela com cara suplicante e lhe deu a nota que usou como canudo. Ela ficou segurando aquele dólar branco sem saber o que fazer enquanto Schmidt voltou à mesa para cheirar com outra nota. Assim que acabou entregou a nota como presente para Amanda. Virou um joguinho. Schmidt cheirava uma nota e assim que acabava a entregava para Amanda. Mas até esse brinquedo cansou. Amanda já tinha umas 15 notas de dólar estocadas na bolsa. Sua paciência estava acabando. Olhou o relógio e viu que aquele programa estava pra terminar... ai santo pai, enfim. “Nen, hora de tia Amanta ir emboraaa. Tah?”
Schimidt levantou a cabeça e pedaçinhos de pó caíram do seu nariz. “Não!” disse talequal criança. “Mas chimite... cabou. Tia tem hora.” retrucou Amanta, maternal.
“Não!! Não!! Não!!!” – reclamou Schimdt e agora, fazia bico e estava todo vermelho. Ela ainda tentou argumentar mas o alemão se recusava a deixá-la falar e gritava tampando o ouvido. “Não! Não! Nãaaao!!!! AMANTA FICA!!! CHIMITE QUER AMANTA FICAAAA!!!”
“CHIMITE!!!” – gritou Amanda usando sua experiência de mãe e puta – “QUIETO!!! OUVE!!!” O bebê branquela congelou com a boca aberta e os olhos cintilando. “Presta atenção. Eu fui paga pra ficar DUAS horas. DUAS horas. Pra tia ficar mais, chimite teria q pagar mais.” disse conclusiva, resoluta, firme e vencedora. Sem perder mais tempo se levantou pra se arrumar. O programa havia encerrado.
“Schimite paga mais. Amanta fica” – fechou o alemão.
Amanda parou como Dadá... No ar.
“Mas...” – ela ainda arriscou. E Schimdt a olhou, desafiador e triunfante. “Ah te peguei” – ele parecia dizer. “... Mas Amanda vai ter q ligar pra agência pra avisar. ” ela, desanimada.
“Liga.” disse o gringo, e concluiu: “Amanta fica. Chimite paga.” e jogou mais dólares nela.
Cosnternada, ela foi pro telefone. Dna. Carla atendeu e ela explicou. A coroa foi direta: “Ótimo...Fica mais. Fica o quanto esse gringo puder pagar.” e desligou na cara da menina.
Amanda olhou o gringo e lá estava o danado de narinas brancas, sorrindo de orelha a orelha, sacanamente.

A noite se arrastou... O gringo cheirando e se enxarcando de uísque, Amanda chupando o pau mais mole da Terra. Lá pelas tantas Amanda surtou.
“Chega de cheirar, seu gringo maluco. Chega.” ... e lá estava Schmidt de novo com cara de criança q fez caca e leva um ralho. Ela se levantou e continuo com o dedo em riste, reprobatório. “Olha o seu estado. Seu pau está mole. Ouviu? MOLE! É horrível chupar um pau mole, sabia???” Schmidt ouvia, constrangido, abraçado à garrafa de uísque. “Que merda!” ela ainda reclamou pra finalizar. Então o gringo chorou. Abriu o berreiro e Amanda ficou pasma. De novo. “Amanta briga com Chimite. Amanta não gosta.Buaaa”
“Pára, Chimite. Pára.” mas era tarde. Não havia lugar pra razão. O gigante estava triste. Pacas. Foi então q Mamãe Amanda voltou. “Nén... Pála de cholar nén. Pála... P. favor. Pála. Vem cá, vem com tita Amanta.” e abraçou-o e ficou ninando o marmanjo que se refugiava em seu brinquedo alcoólico. Aliás, aproveitou a deixa para dar um gole de alívio. Duas, três horas se passaram. Amanda e seu bebê supercrescido dormiram abraçados desajeitadamente no sofá.
Amanda despertou duas horas depois. A cabeça latejando muito. Empurrou o marmanjo pro canto e foi pra janela da sala. A cortina cobria a maravilhosa visão pro mar. Abriu e a luz preencheu tudo. Lá fora o sol ardia, o céu ia se saturando de um azul anil, forte e sem obstáculos. O horizonte e mar formavam uma tela de azul sobre azul. Impressionante tela.
Lá embaixo, na porção bege da paisagem, alguns pontinhos pequenos iam chegando e ocupando seus lugares. Barracas sendo armadas. O som crescente de uma praia em um falso inverno. Amanda ia buscando o nada naquela paisagem e ia se perdendo em um pensamento indefinido e cansado, quase canino. Voltou à realidade com o chamado agonizante e baixinho: “Amaaanta.” O gringo. Chegou até o bebê e ele ergueu a mão. “Fecha janela. Luuuuz.” reclamou.
“Na-na-não. Nenen tem q ver luz. Se não nenen fica dodói, tah?”
“Ó... tia Amanta tem q ir agora, tá?”
“Chimite paga. Fica.” – murmurou.
“Não. Chega de ‘chimite paga’. Tia Amanta vai pegar dinheilo e vai pa casinha, tá?”
“Tá” - disse o chimite resignado.
“Ó, titia quer q chimite toma banho e toma solzinho tah? E chega de chelá pozinho blanco tah?”
“Tá” – respondeu o chimite.

Amanda pegou mais alguns dólares, olhou o relógio do celular, fez cálculos mentais e pegpu também os reais correspondentes ao período que ficou. Foi embora.
Ainda olhou uma vez mais pro bebê germânico que roncava de costas para uma tela pulsante de azuis celeste e marítimo. Desceu no elevador com uma família atarantada – duas crianças e os pais. Na portaria, deu um tchau ao severino. Pegou o táxi e rumou pra sua casa... bem longe da zona sul. Nos dias seguintes ainda pensou em Schmidt, seu pau mole e sua cara de bebê. Talvez tenha se apaixonado... O fato é que nunca mais o veria novamente.


Mãe

Esse menino é um saco.

A gente casa. Tah feliz, né?
Aí cisma de ter filhos. Vem a infelicidade.
Não tem nada pior que ter filhos. É padecer no caos.
Deus quis que fosse um. Louvado seja.
Mas me deste um que equivale a mil desgraçados.
Meu marido é um merda que não sabe se impor mas eu sei. Já sentei tanto cacete no moleque que até quebrei meu punho. Fiquei tão puta que quase matei ele com meu salto alto. Mas pensa que ele pára? Não. Ele continua. Ele me tortura. Logo eu que sou sua mãe. Mãe é pra respeitar, caralho. Eu não vou dizer pra vcs que sou capaz de matar meu filho. Não sou assassina. Mas tem gente que é.
Veja só que eu contratei essa pretinha da favela daqui do lado sabendo bem do currículo dela. Foi difícil convencê-la mas enfim aceitou por 500 reais - e queria mil, a filha da puta. Não dou. Não vou permitir que uma favelada tente me dobrar ou barganhar a morte do meu filho - apesar de tudo... é meu filho. Combinados os 500, combinei sair de casa pra cuidar do meu corpo - os 40 tão chegando... Ficou ela, o moleque e o combinado. Eu voltava lá, via o estrago, gritava - ia ser um prazer - depois chamava os vizinhos, os bombeiros e a polícia - com a graça de Deus.
Pois bem... Passei a tarde na academia. A professora falou que eu tava nervosa. E tava mesmo. Mas não pense que eu tinha arrependimento... Não não... A sensação era única. Quase um orgasmo como quando ganhei um celular Samsung novinho do meu marido - com funções de voice recorder e autocall.
Tava doida pra chegar em casa e ver as novidades. Aquela mobília nova caída no chão.
Tem graça. Preto só faz merda. Se for mulher então danou-se... Cheguei e tava ela brincando com meu filho. Fiquei pasma. Chamei a vaca pra cozinha e falei: "porra. q é isso? e o combinado?" Ela disse: "toma teu dinheiro. o menino se comportou tão direitinho hoje...Quem sabe amanhã?"
Puta merda.
Quer saber? Foda-se o meu filho... Essa vaca vai ter q pagar.
Mas deixa estar que eu tenho um vizinho que tem uma empresa de segurança. Essa gente costuma ter cada contato...
Depois me livro do verme.
Com a graça de Deus.

O Garoto-Preguiça. Berthold & Martha. Sorria. Morro da Formiga. Brutalismo. Piparote. etc

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A Canção do Garoto-Preguiça

- Foda-se – ele disse.
- Foda-se – ele repetiu.
E assim, deitado na cama, ele repetia "foda-se"... o dia inteiro.
E o dia passou e veio outro dia e então recebeu o sol em seu rosto e seus olhos se iluminaram.
- Foda-se – ele disse.


Bertold & Martha

- Eu sou uma merda. – concluiu Martha se olhando no espelho.
- Eu sou uma merda. – concluiu Berthold se olhando no espelho.
Berthold e Martha estavam a 1 km de distância um do outro.
Berthold morava no inicio da rua.
Martha, no final.
Os dois estavam nus.
Os peitos de Martha estavam levemente caídos. Martha os suspendeu levemente e os soltou. Eles deslizaram pra fora das mãos... Caídos e, no entanto, muito pequenos... Estes eram os peitos de Martha.
Berthold tinha uma pança q caia levemente sobre si mesma. Berthold alisou a ponta.
Alisou e puxou o ar para dentro. A barriga se recolheu. Soltou o ar e ela voltou ao ponto de origem. Não era das grandes.
Eram solteiros e estavam nus.
- Q porra. – disse Martha aos seus cabelos secos.
- Porra – disse Berthold para suas entradas.
Berthold & Martha foram pra rua ao mesmo tempo.
Moravam em andares iguais. Juntos, porém distantes, chegaram à mesma rua.
Um desceu. O outro subiu.
Martha andava lenta. Berthold andava confuso.
Ela, na calçada direita. Ele, na calçada esquerda.
E assim eram Berthold & Martha, um casal feio, que se sentia uma merda, morava na mesma rua e nunca se encontraram até chegar aos 70. Curiosamente morreram na mesma idade e foram enterrados no Caju.


Sorria

Lendo um livro de auto-ajuda aprendi a sorrir.
Tendo aprendido a sorrir com este apoio tão singular fui à rua ganhar o mundo com minha alegria sem par.
Na rua, fui ao mercado, peguei umas coisas e fui para a fila – que não era pequena.
Na fila, fui simpático e solícito como o livro me recomendou.
Fui gentil com a idosa. Cedi a vez a uma barriguda cestrosa. Fui bom “para com” meus semelhantes ainda que fossemos bem diferentes e muitos não sorrissem pra mim como eu, que sorria assim :-)))
Ao sair do mercado, amigos, sorri ao humilde mendigo e até me desculpei pois comigo dinheiro ele não ia arranjar, mesmo tendo moedas no bolso - todas a tilintar.
Sai a andar. Ai q vontade de cantar. Vendo o sol a despontar com sua energia a abençoar os cidadãos a passear. Alguns ao trabalho se encaminham e outros nem trabalho tinham. Todos simplesmente andam e andam... como eu.
Um pequeno menino de rua ao me ver sorrir me perguntou: “ta rindo de que meu tio?”
E eu lhe disse: “pra ti, criança, e pra mim. viva a esperança. sorria como eu sorrio!”.
Ao ouvir essa frase bonita seu rostinho sofridinho se iluminou e, como eu, ele também sorriu. E ele disse: “ó meu tio querido já que estás tão alegre dê um dinheiro pra mim pois preciso de cola cheirar para também sorrir sem parar.” E fiquei tão feliz que felizes fomos os dois para a loja de tinta a cantarolar. E quem nos via na rua se contagiou com tamanha alegria e juntos todos nós fomos um pouco de cola comprar. E é esta mensagem que deixo: menino, menina, queridos, sorriam todos os dias e vamos nos inundar de alegrias para litros de cola cheirar.

I Campeonato de Frases e Interjeições Derradeiras do Morro da Formiga

É difícil nos dias de hoje reunir-se num bar com seus amigos para uma boa conversa... botar os assuntos em dia... divagar.
Eles eram 5 amigos. Todos assaltantes. Todos assassinos.
Pinduca foi quem começou. Sua especialidade era assalto em sinal. Assaltava de moto, ele e Babau.
- Aí... a pior que o cara me mandou foi essa: “Cristinho.” Imagina, tu encosta a arma na cabeça do camarada e o babaca se vira pra vc e diz: “Cristinho”?!
Geléia e Miltinho riram mas sem muito gosto. Pinduca continuou:
- Porra, quando eu ouvi aquilo comecei a rir. Atirei no cara de tanto rir. Vai tomar no cu!!! “Cristinho” é foda! – ele não cansava de repetir. Como se quisesse faze-los entender a graça da coisa.
Geléia pegou a garrafa mas a cerva já tinha acabado. Levantou o braço mas o Sequela já tinha trazido mais outra.
- Uma vez eu tava no segundo sinal na saída da General Dantas, perto do Cemitério e vi uma Palio chegando. Fui pa trás dum tapume... lembra duma obra q tava rolando lá em setembro? pois é, nessa época eu assaltava muito naquele sinal. Devia ser umas der da noite. Nessa época, o Tito do Borel descolou uma 38 pa mim.
- Sei. – disse Pinduca.
- Ahn – disse Babau.
Miltinho e Seqüela tavam só esperando.
- Pulei do tapume, colei devagarzinho no carro e fui seguindo, abaixado e pensando: “Taí. Vou matar esse filhadaputa” – continuo Geléia.
- Ahn – disse Babau de novo.
- Levantei duma só vez, nem esperei... Meti 3 tiros no vidro. Esculachei a porra da janela fumê todinha. Tu acredita q tava o babaca lá olhando pa mim com a cara lisinha e falou (repetindo com voz fininha): “Me mata não.” Puta merda, malandro. Aí, eu ri muito. O babaca inda teve tempo de rir também. Estourei a testa do filhadaputa no volante.
- Aha aha essa foi boa. Gostei. – disse Babau.
- Ta. Então ouve essa: “Eu tava na Francisco Bicalho, eram 11 da manhã. Eu devia ta muito cheirado pra trampar a essa hora mas... beleza. Cheguei andando mermo na maior cara dura, doidão e vi um casal saindo do mercado e entrando numa Pagero. Saca aquela grandona? Muito linda, cumpadi. Fui na moral. Cheguei lá os dois tavam no maior amasso. Maior lambeção. (Miltinho ficou simulando o casal).
- Ah ahaha – ria Babau.
- Calaboca Babau deixa eu acabar a história... Porra.
Os outros 3 riram da bestice de Babau. Que prego.
- Fiquei lá em pé vendo os dois se esfregando aí dei uma porrada no capô. Ae... engraçadão. Primeiro o babaca falou: “Cole negão. Cadê o respeito?” Aí meti o cano na boca do filhadaputa e disse: “Ta aqui” Pimba. A lorinha do lado ficou todinha cheia de miolo de namorado. Agora... cs não vão acreditar no que ela falou.
- Ahn – disse Babau
- O q? – disse Geléia e Seqüela.
- “Tem mãe não, filadaputa?”
- AAHAHAHHAHHA e aí ?– riram todos
- Ué aí eu falei... hahah... “não” e meti uma nos oxigenado dela.
- Puta merda. Essa foi boa pa caralio.
Miltinho era muito bom de conversa. Rapaz inteligente. Sabia como prender a atenção.
Dez dias depois Seqüela mataria Miltinho por questões de mulher.
Era a vez de Seqüela.
- Eu tava na moto mais o finado Gordinho da Maré. Lembram?
Eles acentiram sem muito esforço.
- Bom, eu e Gordinho da Maré chegamo numa van... Ae presta atenção que essa é foda...
Seqüela não tinha o mesmo talento pra narrador. Perdia muito tempo querendo forjar suspense. Era pretencioso.
- Encostamo na van na hora qela parou num sinal. Tinha um gordo barbado no volante que já não topava com o pessoal da área há tempos... e dois moleque do morro atrás. Gritei assim... “Ae Papai Noel... Pára essa merda...”e mostrei o berro. Os moleque eram da minha área. Sabiam pq eu tava ali. O cara tava encomendado. Colei na van. Ele não parou. Filhadaputa. Queria dirrubar eu e Gordinho. Quase em frente aquela loja de pineus, os moleque saltaro da van. Devem ter se ralado muito. Eu dei um tiro no nariz do puto e ele quebrou a fuça num poste. Cheguei lá pra ver colé e o viado inda tava vivo. Meti o cano no zovido dele e a última coisa quele falou, todo fanho por causa do nariz fudido, foi: “Fafai Roel é a futa q te...” PIMBA. Ahahah Ta vendo só q filadaputa folgado eu fui arranjar? Ahahaha
Os amigos riram meio sem gosto. Esta foi meio dura de engolir. Babau ainda deu uma risada e ficou repetindo: “Fafai Roel hahaha”
Tinha chegado a vez de Babau. Todos olhavam pra ele.
- E aí, Babão??? Conta ae!!!
Os bandidos ensaiaram um coro e Babau fez uma cara bonita e falou:
- Eu matei minha mãe no sinal sem querer.
Suspense.
- Ela falou "Filho"... e eu atirei.
Ficou um silêncio filhadaputa no bar. Depois foi Miltinho quem puxou a risadaria.

Porra, esse Babau é mermo um prego...


A Obra Sem Paralelo de G. Shweissman

Foi com grande espanto que a mídia recebeu a primeira exposição de trabalhos de Gustav Shweissman.
Gustav era um austríaco de 22 anos. Um desconhecido no mundo da Arte.
Seu nome, porém, virou sinônimo do que havia de mais contestador e transgressor na arte. Um revolucionário, muitos críticos disseram e ainda dizem.
O que se sabe é que Gustav não era um estudante de artes. Era um simples desocupado.
Sem formação aproveitável. Morava como agregado na casa de conhecidos e perambulava nas ruas. Um dia, porém, apareceu na avenida principal do centro de negócios com uma tela de madeira de 80cm x 1m e 20 chamando a atenção de todos que passavam. No meio da tela cinza e suja havia um dedo. Um dedo preso por um prego.
A polícia foi chamada. Prederam Gustav. A mídia tratou de se manifestar. Que louco era esse? O que queria com isso? Gustav foi transformado no novo salvador da Arte Contemporânea. Inventaram mil nomes para esta nova corrente e, dias mais tarde, foi noticiado um Manifesto Brutalista.
Técnicos da Perícia foram impedidos de fazer a investigação pela força da mídia e da torrente de adoradores brutalistas que surgia. A Instituição nada podia fazer e o Governo optou por abrir um inquérito. O mundo todo comentava o novo movimento artístico.
“O Dedo” de Gustav já se equiparava em popularidade à grandes obras como a “Marylin” de Warholl e “O Grito” de Munch. Era um caminho sem volta.
Enquanto o Mundo, a Mídia e a Arte discutia o valor ético da obra de Gustav, o rapaz agredia o mundo com um novo feito que iria abalar toda a estrutura do se convencionou chamar Arte. “As Línguas do Mundo” (Tongues World) consistia num varal com línguas penduradas... por pregos. O lugar de exibição não poderia ser mais constrangedor: a Catedral.
Eram 28 línguas ao todo.
A Arte Brutalista de Gustav parou o mundo.
Indo contra os reclames do Vaticano e de toda Sociedade Institucionalizada, uma rica fundação mantida pela maior fabricante de bebidas do mundo, resolveu patrocinar a pesquisa de Gustav.
Cinco meses depois era anunciada ao mundo a primeira grande exposição Brutalista.
Todos que antes haviam desafiado a Arte se curvavam à coragem e à expressividade de Gustav. O rapaz, porém, se mostrava, como sempre, pacato e sem cerimônias. Sobre sua arte só tinha uma coisa a dizer: “ela fala por mim.”
A Grande Exposição Brutalista trazia também novos nomes totalmente desconhecidos ao mundo da arte. Com o apoio da fundação, Gustav cooptou outros talentos para juntos formar o “Brutzkrieg”, uma nova classe de artistas que seriam a base da Escola Brutalista.
Em março, um ano depois do choque da exposição do Brutzkrieg, o grupo anunciou que ia abrir uma escola.

Chegara a hora de ensinar o brutalismo ao mundo.

O Último Show do Palhaço Piparote

Aquele seria o último show do Palhaço Piparote.
Na havia alvoroço nenhum. Nem multidões. Nem nada.
Havia a mesma dúzia de pessoas de sempre.
Com certeza eu era o único apreensivo.
Eu tinha 12 anos.
A lona era duma pobreza lacrimosa. Também as pessoas que entravam.
Os mesmos banquinhos velhos de madeira poída esperavam a mesma gente sem riso de sempre.
Sentamo-nos. Piparote entrou no palco. Ninguém aplaudiu.
Nem luzes tinham mais. As luzes haviam se apagado há seis meses e cadê quem acendesse?
O primeiro número foi uma homenagem ao seu cãozinho Bodoque que morrera de velho. Era um número clássico de Piparote. O cão, caso ali estivesse, saltaria 3 vezes pelo arco em chamas e no final cumprimentaria a platéia andando sobre as patas traseiras. Exceto pelo arco sem chamas e pela invisibilidade de Bodoque era o mesmo número de sempre.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim para o próximo número.
Desta vez, era uma seqüência de gags com seu parceiro Peteleco. Peteleco, que tivera uma isquemia, estava paralisado e incapaz de se expressar corporalmente. Ficaria no fundo do palco em seu caixotinho com rodas e o rosto pintado tombado para a direita. No centro do picadeiro, Piparote caía, rolava no chão, levava chutes invisíveis na bunda e caía de novo, levava tortas invisíveis no rosto e pauladas na cabeça olhando sempre para Peteleco, seu agressor ausente. Peteleco não esboçava reação... era só um boneco enfeitado de alegria.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim, levando o palhaço apático consigo.
Os próximos números foram os mesmos de sempre... Sempre utilizando seus objetos e parceiros fictícios. O truque da corda. A hipnose da serpente. O coreto de palhaços.
Ao término de tudo, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia que se levantou em silêncio e foi embora.
Ainda não muito longe da lona decadente, olhei para trás e vi Piparote desarmando o circo.
Puxava de uma perna.


A Lei do Meu

Realize meu sonho e vá tomar no seu cu.
Quisera poder falar isso de uma forma democrática e esporrenta. Mas não posso e respondo com um sorriso. Vou me embora certo de ter mais uma noite mal dormida pela frente.

O Miltis não é assim.
Dona Ana do 605 era uma velha de 83 anos e tarde dessas bateu na porta do Miltis pra mandar que tocasse "o saxofone mais baixo seu egoísta". Miltis deve ter tido um lampejo qualquer mas não foi bonito o resultado. Dona Ana (Donana) dormiu na cadeira de balanço ninando uma bala em sua testa. É isso o que dá exigir seus direitos. Os tempos agora são outros, filhote.

Eu que não me faço de rogado (adoro essa expressão) tomo cá minhas precauções. Como bom covarde que sou não me irrito mais com meus vizinhos... quer dizer, me irrito sim mas prefiro ficar na minha... vai lá que o moleque de 7 anos é cruel e me mata com a arma do pai adevogado ou mesmo seu pai - adevogado - pega a arma guardada na caixinha do armário que não entregou pra campanha bonita do governo e me detona a cabeça... Eu não. Faz o seu barulho, filhinho. Faz tudo pra me irritar. É isso aí. Vai fazendo enquanto durmo com meu sonho.

A polícia ainda tá investigando.
O moleque de sete anos não vai mais jogar videogame até as tantas da noite com volume no máximo enquanto seus pais trepam. Vai é dormir no caixãozinho da família. Deu essa vergonha pro seu avô e morreu antes do pobre canceroso. Saindo da escola tomou um tiro no ouvido cheio de pircim... ninguém sabe de onde veio, ninguém sabe pq, ninguém sabe o dono da bala. Então ficou como bala perdida.

Não foi. Eu também tenho arma. E não é só o pai dele que é adevogado.





quinta-feira, maio 06, 2004

A fórmula da Água.

Esse cara não tem nada pra falar e continua se comportando como um verme. O q q ele merece? Água. Foi o q eles gritaram. Então afogaram o infeliz no Tanque.

Eu não gosto muito de lembrar dessa história, mas é difícil pois o infeliz era eu. Tem vezes - quando lembro mais do que quero (e isso geralmente é à noite) - que sinto o gosto na boca. Ainda tem muito da Água em mim. Vai ficar a vida inteira. Tem dessa sujeira no meu sangue. Vê se me entende. Pesca algo na sua cabeça que se encaixe com o q acabei de descrever. Tenta enxergar um momento assim.

Cada resposta errada... Cada vez que eu me comportava como um verme era o Tanque o meu presente. Depois que encerrava a sessão me levavam pro Quarto dos Fedidos. Neste quarto... e sempre neste quarto... ficávamos horas olhando pro chão por vergonha de nos encararmos. Alguém sempre chorava. Ouvindo os soluços eu pensava em chorar também... mas sempre, sempre mesmo, que pensava nisso a porta do Quarto se abria e, eu já nem devia me espantar mais, botavam alguém da minha família pra dentro. Na primeira vez foi minha filha mais velha, depois o pequeno, agora minha mulher. Eu já não devia me espantar. Daí que eles entravam assim, sempre muito limpos e cheirosos... como agora ela está. Muito mais bonita que em nosso casamento. E o espanto de vê-la durava dois covardes segundos e ela nem chegou a me ver... Como identificar um graveto sujo num oceano de lama? Se eu reagia e levantava o braço, se eu chamava ou tentava gritar... então meu braço se perdia nos outros braços fedidos e meu grito aumentava o grande grito do Quarto. Pra vcs. Por vcs. Daí era chegar pra frente e correr, os fedidos corriam também. Irracional, nós te amassamos contra a parede. Tua pele e roupas tão limpas são agora o alvo de dedos curiosos de mãos estranguladoras de braços tenazes de corpos sujos de carnes fracas de gente fedida. Eu, era sempre jogado pra trás. Sempre pronto a assistir o previsível desenrolar dos fatos. Me negando a ver mas ainda assim ouvindo.
E se eram covardes os dois segundos em que eras bonita e sadia, eram monstruosos os selvagens minutos em que te transformaram em carne amorfa e fedida.

Não são boas lembranças... não são. Então fica difícil eu descrever pra você a sujeira do Tanque, o gosto da Água e o cheiro do Quarto... Ao menos se vc tivese uma referência parecida com a minha. Mas não tem. Não é? O que eu sei é que o gosto é impossível esquecer. Mas prentendo ser mais eloquente que isso. Desculpe-me se não for convincente o bastante.

Acontece que eu aprendi o que me foi ensinado no Quarto. Vem. Vem que eu te mostro a Fómula da Água.