terça-feira, maio 11, 2004

O Garoto-Preguiça. Berthold & Martha. Sorria. Morro da Formiga. Brutalismo. Piparote. etc

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A Canção do Garoto-Preguiça

- Foda-se – ele disse.
- Foda-se – ele repetiu.
E assim, deitado na cama, ele repetia "foda-se"... o dia inteiro.
E o dia passou e veio outro dia e então recebeu o sol em seu rosto e seus olhos se iluminaram.
- Foda-se – ele disse.


Bertold & Martha

- Eu sou uma merda. – concluiu Martha se olhando no espelho.
- Eu sou uma merda. – concluiu Berthold se olhando no espelho.
Berthold e Martha estavam a 1 km de distância um do outro.
Berthold morava no inicio da rua.
Martha, no final.
Os dois estavam nus.
Os peitos de Martha estavam levemente caídos. Martha os suspendeu levemente e os soltou. Eles deslizaram pra fora das mãos... Caídos e, no entanto, muito pequenos... Estes eram os peitos de Martha.
Berthold tinha uma pança q caia levemente sobre si mesma. Berthold alisou a ponta.
Alisou e puxou o ar para dentro. A barriga se recolheu. Soltou o ar e ela voltou ao ponto de origem. Não era das grandes.
Eram solteiros e estavam nus.
- Q porra. – disse Martha aos seus cabelos secos.
- Porra – disse Berthold para suas entradas.
Berthold & Martha foram pra rua ao mesmo tempo.
Moravam em andares iguais. Juntos, porém distantes, chegaram à mesma rua.
Um desceu. O outro subiu.
Martha andava lenta. Berthold andava confuso.
Ela, na calçada direita. Ele, na calçada esquerda.
E assim eram Berthold & Martha, um casal feio, que se sentia uma merda, morava na mesma rua e nunca se encontraram até chegar aos 70. Curiosamente morreram na mesma idade e foram enterrados no Caju.


Sorria

Lendo um livro de auto-ajuda aprendi a sorrir.
Tendo aprendido a sorrir com este apoio tão singular fui à rua ganhar o mundo com minha alegria sem par.
Na rua, fui ao mercado, peguei umas coisas e fui para a fila – que não era pequena.
Na fila, fui simpático e solícito como o livro me recomendou.
Fui gentil com a idosa. Cedi a vez a uma barriguda cestrosa. Fui bom “para com” meus semelhantes ainda que fossemos bem diferentes e muitos não sorrissem pra mim como eu, que sorria assim :-)))
Ao sair do mercado, amigos, sorri ao humilde mendigo e até me desculpei pois comigo dinheiro ele não ia arranjar, mesmo tendo moedas no bolso - todas a tilintar.
Sai a andar. Ai q vontade de cantar. Vendo o sol a despontar com sua energia a abençoar os cidadãos a passear. Alguns ao trabalho se encaminham e outros nem trabalho tinham. Todos simplesmente andam e andam... como eu.
Um pequeno menino de rua ao me ver sorrir me perguntou: “ta rindo de que meu tio?”
E eu lhe disse: “pra ti, criança, e pra mim. viva a esperança. sorria como eu sorrio!”.
Ao ouvir essa frase bonita seu rostinho sofridinho se iluminou e, como eu, ele também sorriu. E ele disse: “ó meu tio querido já que estás tão alegre dê um dinheiro pra mim pois preciso de cola cheirar para também sorrir sem parar.” E fiquei tão feliz que felizes fomos os dois para a loja de tinta a cantarolar. E quem nos via na rua se contagiou com tamanha alegria e juntos todos nós fomos um pouco de cola comprar. E é esta mensagem que deixo: menino, menina, queridos, sorriam todos os dias e vamos nos inundar de alegrias para litros de cola cheirar.

I Campeonato de Frases e Interjeições Derradeiras do Morro da Formiga

É difícil nos dias de hoje reunir-se num bar com seus amigos para uma boa conversa... botar os assuntos em dia... divagar.
Eles eram 5 amigos. Todos assaltantes. Todos assassinos.
Pinduca foi quem começou. Sua especialidade era assalto em sinal. Assaltava de moto, ele e Babau.
- Aí... a pior que o cara me mandou foi essa: “Cristinho.” Imagina, tu encosta a arma na cabeça do camarada e o babaca se vira pra vc e diz: “Cristinho”?!
Geléia e Miltinho riram mas sem muito gosto. Pinduca continuou:
- Porra, quando eu ouvi aquilo comecei a rir. Atirei no cara de tanto rir. Vai tomar no cu!!! “Cristinho” é foda! – ele não cansava de repetir. Como se quisesse faze-los entender a graça da coisa.
Geléia pegou a garrafa mas a cerva já tinha acabado. Levantou o braço mas o Sequela já tinha trazido mais outra.
- Uma vez eu tava no segundo sinal na saída da General Dantas, perto do Cemitério e vi uma Palio chegando. Fui pa trás dum tapume... lembra duma obra q tava rolando lá em setembro? pois é, nessa época eu assaltava muito naquele sinal. Devia ser umas der da noite. Nessa época, o Tito do Borel descolou uma 38 pa mim.
- Sei. – disse Pinduca.
- Ahn – disse Babau.
Miltinho e Seqüela tavam só esperando.
- Pulei do tapume, colei devagarzinho no carro e fui seguindo, abaixado e pensando: “Taí. Vou matar esse filhadaputa” – continuo Geléia.
- Ahn – disse Babau de novo.
- Levantei duma só vez, nem esperei... Meti 3 tiros no vidro. Esculachei a porra da janela fumê todinha. Tu acredita q tava o babaca lá olhando pa mim com a cara lisinha e falou (repetindo com voz fininha): “Me mata não.” Puta merda, malandro. Aí, eu ri muito. O babaca inda teve tempo de rir também. Estourei a testa do filhadaputa no volante.
- Aha aha essa foi boa. Gostei. – disse Babau.
- Ta. Então ouve essa: “Eu tava na Francisco Bicalho, eram 11 da manhã. Eu devia ta muito cheirado pra trampar a essa hora mas... beleza. Cheguei andando mermo na maior cara dura, doidão e vi um casal saindo do mercado e entrando numa Pagero. Saca aquela grandona? Muito linda, cumpadi. Fui na moral. Cheguei lá os dois tavam no maior amasso. Maior lambeção. (Miltinho ficou simulando o casal).
- Ah ahaha – ria Babau.
- Calaboca Babau deixa eu acabar a história... Porra.
Os outros 3 riram da bestice de Babau. Que prego.
- Fiquei lá em pé vendo os dois se esfregando aí dei uma porrada no capô. Ae... engraçadão. Primeiro o babaca falou: “Cole negão. Cadê o respeito?” Aí meti o cano na boca do filhadaputa e disse: “Ta aqui” Pimba. A lorinha do lado ficou todinha cheia de miolo de namorado. Agora... cs não vão acreditar no que ela falou.
- Ahn – disse Babau
- O q? – disse Geléia e Seqüela.
- “Tem mãe não, filadaputa?”
- AAHAHAHHAHHA e aí ?– riram todos
- Ué aí eu falei... hahah... “não” e meti uma nos oxigenado dela.
- Puta merda. Essa foi boa pa caralio.
Miltinho era muito bom de conversa. Rapaz inteligente. Sabia como prender a atenção.
Dez dias depois Seqüela mataria Miltinho por questões de mulher.
Era a vez de Seqüela.
- Eu tava na moto mais o finado Gordinho da Maré. Lembram?
Eles acentiram sem muito esforço.
- Bom, eu e Gordinho da Maré chegamo numa van... Ae presta atenção que essa é foda...
Seqüela não tinha o mesmo talento pra narrador. Perdia muito tempo querendo forjar suspense. Era pretencioso.
- Encostamo na van na hora qela parou num sinal. Tinha um gordo barbado no volante que já não topava com o pessoal da área há tempos... e dois moleque do morro atrás. Gritei assim... “Ae Papai Noel... Pára essa merda...”e mostrei o berro. Os moleque eram da minha área. Sabiam pq eu tava ali. O cara tava encomendado. Colei na van. Ele não parou. Filhadaputa. Queria dirrubar eu e Gordinho. Quase em frente aquela loja de pineus, os moleque saltaro da van. Devem ter se ralado muito. Eu dei um tiro no nariz do puto e ele quebrou a fuça num poste. Cheguei lá pra ver colé e o viado inda tava vivo. Meti o cano no zovido dele e a última coisa quele falou, todo fanho por causa do nariz fudido, foi: “Fafai Roel é a futa q te...” PIMBA. Ahahah Ta vendo só q filadaputa folgado eu fui arranjar? Ahahaha
Os amigos riram meio sem gosto. Esta foi meio dura de engolir. Babau ainda deu uma risada e ficou repetindo: “Fafai Roel hahaha”
Tinha chegado a vez de Babau. Todos olhavam pra ele.
- E aí, Babão??? Conta ae!!!
Os bandidos ensaiaram um coro e Babau fez uma cara bonita e falou:
- Eu matei minha mãe no sinal sem querer.
Suspense.
- Ela falou "Filho"... e eu atirei.
Ficou um silêncio filhadaputa no bar. Depois foi Miltinho quem puxou a risadaria.

Porra, esse Babau é mermo um prego...


A Obra Sem Paralelo de G. Shweissman

Foi com grande espanto que a mídia recebeu a primeira exposição de trabalhos de Gustav Shweissman.
Gustav era um austríaco de 22 anos. Um desconhecido no mundo da Arte.
Seu nome, porém, virou sinônimo do que havia de mais contestador e transgressor na arte. Um revolucionário, muitos críticos disseram e ainda dizem.
O que se sabe é que Gustav não era um estudante de artes. Era um simples desocupado.
Sem formação aproveitável. Morava como agregado na casa de conhecidos e perambulava nas ruas. Um dia, porém, apareceu na avenida principal do centro de negócios com uma tela de madeira de 80cm x 1m e 20 chamando a atenção de todos que passavam. No meio da tela cinza e suja havia um dedo. Um dedo preso por um prego.
A polícia foi chamada. Prederam Gustav. A mídia tratou de se manifestar. Que louco era esse? O que queria com isso? Gustav foi transformado no novo salvador da Arte Contemporânea. Inventaram mil nomes para esta nova corrente e, dias mais tarde, foi noticiado um Manifesto Brutalista.
Técnicos da Perícia foram impedidos de fazer a investigação pela força da mídia e da torrente de adoradores brutalistas que surgia. A Instituição nada podia fazer e o Governo optou por abrir um inquérito. O mundo todo comentava o novo movimento artístico.
“O Dedo” de Gustav já se equiparava em popularidade à grandes obras como a “Marylin” de Warholl e “O Grito” de Munch. Era um caminho sem volta.
Enquanto o Mundo, a Mídia e a Arte discutia o valor ético da obra de Gustav, o rapaz agredia o mundo com um novo feito que iria abalar toda a estrutura do se convencionou chamar Arte. “As Línguas do Mundo” (Tongues World) consistia num varal com línguas penduradas... por pregos. O lugar de exibição não poderia ser mais constrangedor: a Catedral.
Eram 28 línguas ao todo.
A Arte Brutalista de Gustav parou o mundo.
Indo contra os reclames do Vaticano e de toda Sociedade Institucionalizada, uma rica fundação mantida pela maior fabricante de bebidas do mundo, resolveu patrocinar a pesquisa de Gustav.
Cinco meses depois era anunciada ao mundo a primeira grande exposição Brutalista.
Todos que antes haviam desafiado a Arte se curvavam à coragem e à expressividade de Gustav. O rapaz, porém, se mostrava, como sempre, pacato e sem cerimônias. Sobre sua arte só tinha uma coisa a dizer: “ela fala por mim.”
A Grande Exposição Brutalista trazia também novos nomes totalmente desconhecidos ao mundo da arte. Com o apoio da fundação, Gustav cooptou outros talentos para juntos formar o “Brutzkrieg”, uma nova classe de artistas que seriam a base da Escola Brutalista.
Em março, um ano depois do choque da exposição do Brutzkrieg, o grupo anunciou que ia abrir uma escola.

Chegara a hora de ensinar o brutalismo ao mundo.

O Último Show do Palhaço Piparote

Aquele seria o último show do Palhaço Piparote.
Na havia alvoroço nenhum. Nem multidões. Nem nada.
Havia a mesma dúzia de pessoas de sempre.
Com certeza eu era o único apreensivo.
Eu tinha 12 anos.
A lona era duma pobreza lacrimosa. Também as pessoas que entravam.
Os mesmos banquinhos velhos de madeira poída esperavam a mesma gente sem riso de sempre.
Sentamo-nos. Piparote entrou no palco. Ninguém aplaudiu.
Nem luzes tinham mais. As luzes haviam se apagado há seis meses e cadê quem acendesse?
O primeiro número foi uma homenagem ao seu cãozinho Bodoque que morrera de velho. Era um número clássico de Piparote. O cão, caso ali estivesse, saltaria 3 vezes pelo arco em chamas e no final cumprimentaria a platéia andando sobre as patas traseiras. Exceto pelo arco sem chamas e pela invisibilidade de Bodoque era o mesmo número de sempre.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim para o próximo número.
Desta vez, era uma seqüência de gags com seu parceiro Peteleco. Peteleco, que tivera uma isquemia, estava paralisado e incapaz de se expressar corporalmente. Ficaria no fundo do palco em seu caixotinho com rodas e o rosto pintado tombado para a direita. No centro do picadeiro, Piparote caía, rolava no chão, levava chutes invisíveis na bunda e caía de novo, levava tortas invisíveis no rosto e pauladas na cabeça olhando sempre para Peteleco, seu agressor ausente. Peteleco não esboçava reação... era só um boneco enfeitado de alegria.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim, levando o palhaço apático consigo.
Os próximos números foram os mesmos de sempre... Sempre utilizando seus objetos e parceiros fictícios. O truque da corda. A hipnose da serpente. O coreto de palhaços.
Ao término de tudo, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia que se levantou em silêncio e foi embora.
Ainda não muito longe da lona decadente, olhei para trás e vi Piparote desarmando o circo.
Puxava de uma perna.


A Lei do Meu

Realize meu sonho e vá tomar no seu cu.
Quisera poder falar isso de uma forma democrática e esporrenta. Mas não posso e respondo com um sorriso. Vou me embora certo de ter mais uma noite mal dormida pela frente.

O Miltis não é assim.
Dona Ana do 605 era uma velha de 83 anos e tarde dessas bateu na porta do Miltis pra mandar que tocasse "o saxofone mais baixo seu egoísta". Miltis deve ter tido um lampejo qualquer mas não foi bonito o resultado. Dona Ana (Donana) dormiu na cadeira de balanço ninando uma bala em sua testa. É isso o que dá exigir seus direitos. Os tempos agora são outros, filhote.

Eu que não me faço de rogado (adoro essa expressão) tomo cá minhas precauções. Como bom covarde que sou não me irrito mais com meus vizinhos... quer dizer, me irrito sim mas prefiro ficar na minha... vai lá que o moleque de 7 anos é cruel e me mata com a arma do pai adevogado ou mesmo seu pai - adevogado - pega a arma guardada na caixinha do armário que não entregou pra campanha bonita do governo e me detona a cabeça... Eu não. Faz o seu barulho, filhinho. Faz tudo pra me irritar. É isso aí. Vai fazendo enquanto durmo com meu sonho.

A polícia ainda tá investigando.
O moleque de sete anos não vai mais jogar videogame até as tantas da noite com volume no máximo enquanto seus pais trepam. Vai é dormir no caixãozinho da família. Deu essa vergonha pro seu avô e morreu antes do pobre canceroso. Saindo da escola tomou um tiro no ouvido cheio de pircim... ninguém sabe de onde veio, ninguém sabe pq, ninguém sabe o dono da bala. Então ficou como bala perdida.

Não foi. Eu também tenho arma. E não é só o pai dele que é adevogado.





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