quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Perfeitos. Dna Gersa e Seu Rocha.

Perfeitos

Era muito bom isso: acordar todos os dias e ver que ele estava lá.
Ele tinha essa sensação também.
Poder olhar e ver a menina acordar aos poucos. Ver o corpo aparecendo junto com a luz da manhã. Depois passar o dia com o conforto daquela imagem na lembrança.

Sem dúvida era um amor perfeito.
Por isso decidiram se separar.

Algo tão perfeito não podia acabar bem.


Dna. Gersa e Seu Rocha

- Gersa, fica tranqüila. – disse o português ao volante.
- Ai, Rocha. Ai Cristo. – respondia Dona Gersa apertando Guia Rex e rosário com as duas mãos.
As ruas agora eram vielas. Cada vez mais estreitas, cada vez mais opressivas. Ninguém nas ruas pra dar informação. Nada... e pareciam mais perdidos ainda. O casamento era na Ilha do Governador e, eles não sabiam, mas estavam na Favela do Abricó, a 10 km do altar.
- Rocha, olha.
Parecia uma patamo mas não era. O carro era grande pacas e tinham cinco caras de fuzil em volta. Um disse: “Pára, porra.”
- Não pára, Rocha. – disse Dna Gersa.
- Está louca? Tem que parar ou eles nos matam!
E o corsa parou. Os fuzis olharam pro carro e os encararam de frente. O do grito meteu uma luz na cara do casal. Primeiro, a estampa pálida de Seu Rocha, depois a de Dona Gersa.
Terror... E mais um bando de emoções loucas espremidas no liquidificador cerebral vascaíno resultaram num insólito:
- Boa noite.
Silêncio entre os bandidos. Que porra era essa? Aquele casal de coroas acossados dentro de um corsa.
- Qual é meu tio??? Desembucha. – gritou o de gritar que também era o da luz. Os outros do bando nada falavam.
Dona Gersa se espremia e seus olhos pareciam que iam estourar. Na cabeça, um horrível sentimento de antecipação dos acontecimentos... Que miséria cair nessa emboscada casual.
Com voz trêmula e cabeça confusa, guiado por instintos ancestrais, seu Rocha falou:
- Pó.
- Quê? – disse o do grito com voz menos gritada.
- Vcs têm pó?
O do grito se calou. Os outros vultos começaram a conversar baixinho. Discutiam algo.
- Ae tio... C quer pó? É isso?
- É. Pó. – disse o lusitano.
- Ah porra. Pensa que me engana? Quer pó porra nenhuma!!!! Fala que q tu quer ou eu te balo.
- Ti juro meu filho. Eu vim aqui por que eu quero uma branquinha.
- ... O tio quer cheirar?
Seu Rocha confirmou com tanta veemência que assustava. Parecia um viciado. Dna. Gersa só fazia sacudir os olhos freneticamente para um lado e pro outro como se buscasse um canto sem vultos.
- E a tia? A tia também quer pó?
- Sim sim viemos aqui pra comprar pó. – atravessou Rocha.
Entre eles, o bandido conversou: “e ae? que que a gente faz?” “mata essas porras” disse um. O celular dum tocou. Era lá de cima. O do grito explicou a situação. Dna Gersa e Seu Rocha assistiam sem querer assistir. Por um segundo, Dona Gersa pensou em sua filha no altar. Será que ela lembrou de levar o broche da avó? De tão absurdo, sentiu vergonha de seu pensamento e voltou a pensar no calvário de Jesus.
- Sai do carro - disse o do grito que também era o do celular.
Os fatos se sucederam da seguinte forma: 1) vendaram os olhos dos portugueses, 2) meteram os dois na traseira do carro, 3) Subiram toda vida. O caminho era uma confusão de pequenas luzes cintilantes que vinham de feixes agudos no breu. 4) Subiram mais ainda. Se pudessem, veriam um caminho muito muito estreito. A sensação era de que o carro seria esmagado a qualquer momento pelas construções em volta. 6) A escolta parou. 7) Chegaram.
- Sai do carro – disse outra voz e prontamente puxaram o casal pra fora com uma delicadeza policial.
Tiraram-lhes as vendas e foram levados no escuro por uma escadinha que se derramava entre paredes tortas de concreto. Chegaram no alto de uma laje de onde se via uma paisagem de luzes sem fim e escuridão. Recebeu-os um magrão de chinelo, bermuda, jaqueta, máscara e... claro, fuzil.
- O tio quer pó, né? – disse o mascarado.
- Sim – respondeu o convicto Rocha.
- Qual é teu time, ô portuga?
Rocha ficou desnorteado. Pensou: “miséria, é agora que morro” Dona Gersa era a estátua de sua futura lápide. Nada falava apenas segurava seus lábios em pura tensão e pensava alternadamente no calvário de Jesus e no broche da noiva, ignorando o funk que rolava ao fundo.
- Flamengo – mentiu o portuga.
- Porra Manel, tu é um portuga muito diferente mermo. – riu o mascarado. - Tu quer quanto de pó? Pra vir aqui é pq ta na fissura. – e olhou para Dna Gersa - Sua patroa também é viciada, né???
Tantas perguntas... Seu Rocha agora só queria botar as mãos naquele pó e sobreviver.
- Quanto é um sâquinho? – arriscou o portuga lembrando de algum filme que viu na tv.
- “Um sâquinho”? Hahaha q figura – virou o mascarado falando com os outros que estavam em volta e que retribuíam as risadas. – “Um sâquinho está 100 real ô gajo.”mas pra tu e sua patroa eu faço por 1 barão dois saquinho.
O português teve um choque.
- Mas... tão caro?
- Como? Porra, vc vem a essa hora, sem avisar e atrapalha todo nosso esquema. Além do que vc só pode estar muito na fissura mesmo... aí fica mais caro.
- 500? – arriscou o portuga.
- Hanh?
- 500 por dois sâquinhos?
Por fim, o traficante aceitou. Ele mesmo parecia farto (o que podia significar perigo). O traficante exigiu pagamento antecipado. Tiraram a carteira do bolso de Seu Rocha e entregaram pro bandido que vasculhou e tirou a grana, inusitadamente, ignorando cartões e todo o resto. Quinhentos era exatamente o que havia em dinheiro ali, por conta de pagar o florista, os músicos e o fotógrafo da igreja. Que sorte..
- Pô, veio preparado hein? Tu deve ter grana. Gosto de cliente assim.
O traficante sumiu com a grana pra dentro do barraco e depois dum tempo voltou com dois saquinhos de plástico. Dentro deles estava o tal pó branco. Capitalistamente, trouxe também uma libra e pesou os dois saquinhos para provar que tinham o mesmo peso e que ninguém sairia no prejuízo. Fez alguns elogios também à qualidade do material que vendia. Pelo visto gostava muito do seu ofício. O casal agora parecia mais calmo. Enfim, o artifício dera certo. Seu Rocha segurando o saquinho era um tanto inverossímil mas... tudo bem. Estavam vivos. Poderiam ir embora com a graça de De...
- Só mais uma coisa, disse o mascarado e espalhou uma colher de pó numa carreira sobre um espelho quebrado.
- Cheira – completou, lhe entregando o canudo de papel.

O casamento estava atrasado. Maria, a noiva, estava em prantos. Os convidados estavam ansiosos. A igreja estava cheia.
Ailton, o noivo, que até então buscava notícias dos sogros, entrou correndo com o celular na mão.
- Vamos. A polícia me ligou. Eles estão presos em Olaria. – sussurrou para Maria.
- Quê? – disse a noiva.

Na cela, a cena era deplorável. Os dois portugas chapados não falavam nada e fediam. Foram encontrados num corsa azul que beijara um poste. No porta-luvas a polícia encontrou dois saquinhos com 200gr de coca cada. Pelo visto, tinham cheirado uma parte.
Quem diria. Após todos esses anos.

Como a gente se surpreende com as pessoas.

terça-feira, fevereiro 17, 2004

O Nirvana do Indie

Existe uma coisa chamada cultura alternativa.
Vcs sabem o que é isso?
Muitos não conhecem por isso eu vou explicar, se não vai ter gente que não vai entender essa história.
Cultura alternativa também poderia ser chamada de underground mas isso é uma informação que eu teria q checar pois muita coisa andou mudando ultimamente.
Mas não vou fugir do assunto.
Esta forma de cultura é essencialmente composta por coisas que estão fora do padrão do grande mercado cultural e de entretenimento. Portanto, pagode, axé e funk estão fora. Sacaram?
Mas fora mesmo!!!

Dentro deste circuito (vamos chamar de cena?)... Dentro da cena alternativa, existe uma autocensura que visa se preservar da influência perniciosa da Cultura Popular Mercantilista e Emburrecedora. Veja bem, os alternativos não são gente erudita, só não são populares. Não vamos discutir o problema da cultura erudita aqui mas basta dizer que ela é bem mais elitizada que a cultura alternativa. Cultura é um assunto realmente chato, não?

Voltando...

Mateus é indie.
Indie eu não expliquei. É a corruptela de independente, só que em inglês que é a língua-mor da cultura alternativa. Os indies são aqueles que produzem sua própria cultura com referência no que é produzido nas entranhas das duas matrizes da alternatividade: os USA e England. Portanto não é uma coisa pop.
Pois bem, Mateus produzia filmes que pouquíssimos viam, desenhava coisas bizarras que dormiam em sua gaveta ou que eram expostas em lugares que pouquíssimos iam, tocava numa banda que só seus amigos curtiam e gostava e falava de coisas que só seus amigos conheciam. E até mesmo comia coisas que a maior parte da patuléia ignara não comia. Ele não ia ao McDonalds, pra vc ter uma idéia... Mateus, portanto, vivia uma vida alternativa exemplar... Nosso não-tão jovem Mateus...
Sua adoração pelo undergroundalternativoindie era tamanha que lhe dava asco conviver com o inculto, fútil e brega resto do mundo. Sim, isso o enojava... pacas.
Mateus fumava a droga básica da alternatividade... mas teve seus resvalos em chazinhos que lhe deram ondas bem... alternativas.
Basicamente, isto sintetiza a vida de Mateus.
E sua relação com o resto do mundo continuava pior e mais insuportável.

Um dia, no jantar familiar, seus pais lhe falaram algo e ele não entendeu.
Ele lhes respondeu e eles também pareciam não ter entendido.
Curioso.
Saiu à rua, encucado com isso, parou em frente ao boteco e algo lhe chamou a atenção...
Na TV, aquela loura coroa das crianças falava... e ele não entendia.
Pensou estar louco e foi falar com os amigos. Felizmente conseguia entendê-los perfeitamente. Ufa.
Explicou a situação e o Pão, um garoto amarelo que morava na praça de skate disse que com ele também era assim. Nunca revelou isso a ninguém pois tinha medo de ser tachado de louco.
Mateus descobriria com o tempo que a sua situação se repetira em outros moleques de sua rua e de outros bairros. Todos curtiam essas coisas alts e agora faziam parte de um mundo realmente à parte.
A ida ao médico junto com o pai de nada adiantou. Não entendeu a receita do médico (o q mesmo em condições normais já seria muito do normal) e os conselhos que saíam da boca do doutor eram um chiado.
O chiado... este ponto é bem curioso, pois era isto o que Mateus ouvia da boca dos não-alternativos... Um chiado.
Em casa, mexendo em seu ampli (procurava tocar guitarra pra relaxar) as peças se encaixaram... Hamming. As pessoas estavam falando hamming.
Para os não-alternativos explico: hamming é um ruído... como um chiado que sai de uma caixa de som quando não tem um aparelho plugado ou quando o plugue está com defeito.
Faça essa experiência um dia. Comprem um ampli (corruptela de amplificador) e arranjem um cabo de guitarra bem velho. Conectem.
Portanto, pais, atenção para seus jovens e não-tão jovens filhos se eles demonstram não entendê-los ou falam algo que vcs não entendem... Afaste-os da cultura alternativa.

Afaste-os do hamming.


O Soniquiuti Comeu Meu Filho

Cheguei à conclusão que essa tal cultura alternativa é um mal.
Muito mais perniciosa que o axézinho de todos os dias. O Axé tem alegria, gente.
Veja como as pessoas dançam de forma ordenada e levantam seus braçinhos.
Peguei meu filho de 14 anos no quarto ouvindo cultura alternativa.
Vc não sabe o que é cultura alternativa? Sorte sua. É uma porra duns sons maluco que não dá pra entender nada.
Juro... eu tento... sou um pai compreensivo, mas, porra, qual é a graça de ouvir aquele bando de ruído e aqueles filhadaputa gritando???? Isso não é música. Falo isso pra ele e sabe o que ele diz? “pai, toma no cu isso é foda.”
Tem festa no playground? Ele não vai.
Os meninos chamam pra jogar bola? Ele não vai.
Tem churrasco no quintal? Ele prefere ficar no quarto. Ouvindo um tal de Soniquiuti.
Pra ele Soniquiuti é Jesus Cristo. Outro dia ele falou isso na mesa e desci-lhe a mão. Porra, Jesus não, vai tomar no teu cu. Pra ele tudo que não é Soniquiuti é babaquice.
Soniquiuti é o caralho – eu penso, mas não falo... Dizem que não ajuda se eu der esporro no moleque mas, porra, é de fuder aquela música. Minha pressão sobe.
Exceto pelo videogame, meu filho não é um cara normal. Pra mim, ou ele é boiola ou é doido. Os dois, talvez.
Pra vc ver como é doido esse garoto: prefere ouvir vinil que cd. Chega do colégio cheio daquela velharia que compra na rua com um mendigo. Só não mato esse mendigo pq é pobre. E hoje em dia matar pobre dá a maior merda. Bando de ONGs filhasdaputa.
Tem mais... Meu filho com certeza fuma maconha. Depois que passou a ouvir essa porra, o cabelo dele cresceu, tá um traste. É... com certeza fuma maconha.
Por mim, a maconha ele podia até fumar mas ouvir a porra do do soniquiuti é que é foda.
Morte ao Soniquiuti.

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Schmidt

A noite in-tei-ra ela teve que chupar aquele pau mole.
Isso foi a primeira coisa que ela falou quando chegou à agência.
Estava emputecida. A puta.
Seu nome era Schmidt. Não o dela... O dele, o do pau mole. O dela naquela hora era Amanda.

O pau mole de Schmidt... Foi um programa pra lá de estranho.
Assim q chegou na agência, às 22 horas, Dona Carla falou prela do cliente hospedado em Ipanema. Prometia... Apartamento em frente ao mar... Duas horinhas de atendimento. Chegou lá de táxi.
Um prédio de poucos andares e muito vidro. Vidro fumê na portaria. Mesa de vidro pro porteiro. Divisórias de vidro fumê. Até as esculturas (umas mulheres sem rosto) eram de vidro.
O porteiro perguntou o andar. Quinto. “Ah... É Seu Chimite!!!” O severino falou. “Pode subir.” Nem precisou ligar. Que ótimo. O severino foi bonzinho.
O elevador era uma enormidade. Moraria uma família ali.
Demorou para o alemão abrir a porta do elevador e ainda abriu com lerdeza.
“Oi neném.” Ela optou pela saudação dengosa.
Atendeu a porta um bebê branco gigante, calvo e magricela com a narina toda branca: “Ói. Vochê Amanda?” Ele falava com a voz torta de gringo cheirado.
“Chou chim, neneumzaum gotojo” Ela saudou, brasileiramente efusiva.
“Eu Schimdt. Euntra.” Completou o alemão e ela euntrou no recinto.
Fora um sofá mofento e umas mesinhas (de vidro) tinha pouca coisa na sala. Um jornal gringo (devia ser alemão), um punhado de dólares no chão, uma bermuda florida toda molhada e cheia de areia no sofá... As poucas coisas que tinham no apê pareciam jogadas... “Ai, q neném bagunchêlo hein? Ai ai”. Ela realmente havia optado pela recepção dengosa. Mas isso ainda não parecia ter tido efeito sobre o bebê gigante europeu que só se balançava e a olhava com cara de espanto. Estava com uma bermuda tão florida quanto a do chão. Só que essa era laranja.
“Chenta, Amanta?” Ele repetiu.
“Vem cá, bem, onde tem telefone? Tenho q ligar pra agencia.” disse Amanda.
“Tafone ashi?” disse Schmidt.
Ficaram se olhando um tempo. O alemão pendulando e ela, sem reação, até concluir: “Tah bom, nen, deixa q tia Amanda procura o tetel-lefone tah?” Ai meu pai. – desabafou baixinho.
Achou o tel, fez a ligação e aproveitou pra desabafar mais: “porra, me arranjaram um alemão cheiradão. Se bobear o pau dele nem sobe.” Dona Carla: “Sorte sua. Qualquer problema me liga. C acha que ele é violento?” Amanda: “Não não. Tadinho. Parece um bebêzão. Isso não ofende nem uma barata.” Desligaram.
Quando chegou na sala o alemão tinha sumido. “Chimiditeeee. Neneeem. Cadê vochê?”
O bebê gritou lá de dentro: “AmantaAAA!” Os gritos a levaram a um quarto onde o alemão tava estirado numa cama enorme com a bermuda caída até o joelho e o piruzim à mostra.
“Chupa Amanta Chupa Chimite” – ele pedia, todo torto.
Ficou desconcertada olhando aquela tripa encolhida em cima do saco, em cima da cama. “Ai qui bunitim o pipiu de Neném tah dormindo. Vamo acordar o piupiu branquinho?” ela arriscou.
“Chupa Amanta Chupa Schmidt” – insistiu e aproveitou para jogar umas notas de dólar na direção dela. Ela juntou as notas e botou na bolsa indo dar um trato na tripa do alemão. Foi um custo: tirar de vez a bermuda do gringo, posicionar o bicho na cama, aturar o cheiro de whiskye mas o difícil mesmo foi pegar na tripa. Mas ela pegou. Era uma questão de honra e Amanda tinha uma qualidade: uma vez num programa, ela ia até o fim.
“Chupaaa” reclamou o bebê dando mais uma mamada no whisky.
Amanda disse depois que perdeu conta do tempo que perdeu chupando aquela “bronha frocada”, aquele caramujo, aquela... coisa. Dentro da boca a sensação era de estar chupando uma Maria-mole salgada... salgada de praia ainda por cima. Isso foi como depois ela narrou a história pras outras meninas e pra mim.
A noite foi passando e suas reações foram mudando a cada momento. Primeiro, a perseverança por um objetivo a alcançar. Depois a raiva de estar naquela situação esdrúxula. Daí, a resignação de estar cumprindo um dever com sua família e, por fim, a sensação de que aquilo tinha que terminar logo. Mas mal tentava tirar a cabeça e a porra do gringo a empurrava de volta.
“Chupa e Schimite Goja” prometia o torto.
Viu então outra saída. Chupou um pouco mais, daí ficou com a boca parada, para não ficar com cãibra. Esperou com a pequena bola de carne na boca até ouvir o ronco do gringo. Depois se levantou e procurou um banheiro para lavar a boca. No banheiro, em cima da privada, viu o retângulo de vidro com os restos de pó. Lavou o rosto na pia depois tirou o vidro e tratou de aliviar a uretra.
Sentada na privada ficou um tempo olhando a superfície do vidro e o branquinho em cima dela. Por exatos 9 segundos sentiu uma paz absurda. Não pensou em nada. Total silêncio em sua cabeça. Então... “Amantaaa”. O bebê gringo despertou. Se arrumou e foi pro quarto mas ele já havia sumido. Foi pra sala e lá estava ele com outro retângulo de vidro dando uma baita cheirada. Chegou perto. Ele estava usando uma nota de dólar para cheirar. Primeiro uma narina, depois, a outra. Daí, levantou a cabeça e aí ela até achou bonitinho pq ele falou todo choroso: “Amanta não gosta chimite?” Ela realmente ficou dengosa ao ouvir isso e respondeu: “Ai nenen. Amanta gosta chimite. Gosta sim... Vem.” então pegou o gigante e o embalou o corpo semi-nu em cima do sofá. No colo dela Chimite olhou prela com cara suplicante e lhe deu a nota que usou como canudo. Ela ficou segurando aquele dólar branco sem saber o que fazer enquanto Schmidt voltou à mesa para cheirar com outra nota. Assim que acabou entregou a nota como presente para Amanda. Virou um joguinho. Schmidt cheirava uma nota e assim que acabava a entregava para Amanda. Mas até esse brinquedo cansou. Amanda já tinha umas 15 notas de dólar estocadas na bolsa. Sua paciência estava acabando. Olhou o relógio e viu que aquele programa estava pra terminar... ai santo pai, enfim. “Nen, hora de tia Amanta ir emboraaa. Tah?”
Schimidt levantou a cabeça e pedaçinhos de pó caíram do seu nariz. “Não!” disse talequal criança. “Mas chimite... cabou. Tia tem hora.” retrucou Amanta, maternal.
“Não!! Não!! Não!!!” – reclamou Schimdt e agora, fazia bico e estava todo vermelho. Ela ainda tentou argumentar mas o alemão se recusava a deixá-la falar e gritava tampando o ouvido. “Não! Não! Nãaaao!!!! AMANTA FICA!!! CHIMITE QUER AMANTA FICAAAA!!!”
“CHIMITE!!!” – gritou Amanda usando sua experiência de mãe e puta – “QUIETO!!! OUVE!!!” O bebê branquela congelou com a boca aberta e os olhos cintilando. “Presta atenção. Eu fui paga pra ficar DUAS horas. DUAS horas. Pra tia ficar mais, chimite teria q pagar mais.” disse conclusiva, resoluta, firme e vencedora. Sem perder mais tempo se levantou pra se arrumar. O programa havia encerrado.
“Schimite paga mais. Amanta fica” – fechou o alemão.
Amanda parou como Dadá... No ar.
“Mas...” – ela ainda arriscou. E Schimdt a olhou, desafiador e triunfante. “Ah te peguei” – ele parecia dizer. “... Mas Amanda vai ter q ligar pra agência pra avisar. ” ela, desanimada.
“Liga.” disse o gringo, e concluiu: “Amanta fica. Chimite paga.” e jogou mais dólares nela.
Cosnternada, ela foi pro telefone. Dna. Carla atendeu e ela explicou. A coroa foi direta: “Ótimo...Fica mais. Fica o quanto esse gringo puder pagar.” e desligou na cara da menina.
Amanda olhou o gringo e lá estava o danado de narinas brancas, sorrindo de orelha a orelha, sacanamente.

A noite se arrastou... O gringo cheirando e se enxarcando de uísque, Amanda chupando o pau mais mole da Terra. Lá pelas tantas Amanda surtou.
“Chega de cheirar, seu gringo maluco. Chega.” ... e lá estava Schmidt de novo com cara de criança q fez caca e leva um ralho. Ela se levantou e continuo com o dedo em riste, reprobatório. “Olha o seu estado. Seu pau está mole. Ouviu? MOLE! É horrível chupar um pau mole, sabia???” Schmidt ouvia, constrangido, abraçado à garrafa de uísque. “Que merda!” ela ainda reclamou pra finalizar. Então o gringo chorou. Abriu o berreiro e Amanda ficou pasma. De novo. “Amanta briga com Chimite. Amanta não gosta.Buaaa”
“Pára, Chimite. Pára.” mas era tarde. Não havia lugar pra razão. O gigante estava triste. Pacas. Foi então q Mamãe Amanda voltou. “Nén... Pála de cholar nén. Pála... P. favor. Pála. Vem cá, vem com tita Amanta.” e abraçou-o e ficou ninando o marmanjo que se refugiava em seu brinquedo alcoólico. Aliás, aproveitou a deixa para dar um gole de alívio. Duas, três horas se passaram. Amanda e seu bebê supercrescido dormiram abraçados desajeitadamente no sofá.
Amanda despertou duas horas depois. A cabeça latejando muito. Empurrou o marmanjo pro canto e foi pra janela da sala. A cortina cobria a maravilhosa visão pro mar. Abriu e a luz preencheu tudo. Lá fora o sol ardia, o céu ia se saturando de um azul anil, forte e sem obstáculos. O horizonte e mar formavam uma tela de azul sobre azul. Impressionante tela.
Lá embaixo, na porção bege da paisagem, alguns pontinhos pequenos iam chegando e ocupando seus lugares. Barracas sendo armadas. O som crescente de uma praia em um falso inverno. Amanda ia buscando o nada naquela paisagem e ia se perdendo em um pensamento indefinido e cansado, quase canino. Voltou à realidade com o chamado agonizante e baixinho: “Amaaanta.” O gringo. Chegou até o bebê e ele ergueu a mão. “Fecha janela. Luuuuz.” reclamou.
“Na-na-não. Nenen tem q ver luz. Se não nenen fica dodói, tah?”
“Ó... tia Amanta tem q ir agora, tá?”
“Chimite paga. Fica.” – murmurou.
“Não. Chega de ‘chimite paga’. Tia Amanta vai pegar dinheilo e vai pa casinha, tá?”
“Tá” - disse o chimite resignado.
“Ó, titia quer q chimite toma banho e toma solzinho tah? E chega de chelá pozinho blanco tah?”
“Tá” – respondeu o chimite.

Amanda pegou mais alguns dólares, olhou o relógio do celular, fez cálculos mentais e pegpu também os reais correspondentes ao período que ficou. Foi embora.
Ainda olhou uma vez mais pro bebê germânico que roncava de costas para uma tela pulsante de azuis celeste e marítimo. Desceu no elevador com uma família atarantada – duas crianças e os pais. Na portaria, deu um tchau ao severino. Pegou o táxi e rumou pra sua casa... bem longe da zona sul. Nos dias seguintes ainda pensou em Schmidt, seu pau mole e sua cara de bebê. Talvez tenha se apaixonado... O fato é que nunca mais o veria novamente.

Ritual de Purificação

Um suco de laranja.
Nenhuma miligrama de açúcar.
Nenhum gelo. Nem água.
Só o suco. Puro. Purinho.
Apresentei o copo com líquido amarelo ao copo com o líquido escuro...
Sentei-me em frente pra assistir a conversa dos dois. Me concentrei.

Estou em cima de uma nuvem. Do alto vejo os fatos da noite passada.
3 bêbados carentes arremessam meu corpo ao chão de um palco sujo. Alguém toma meu microfone e acho que grita “ruoquenruol”. Chapam minhas costas, já não sei se era parede ou chão mas sei que torci minha perna. Eu não sorria. Mas também não sentia nada. Apenas peso e gravidade. Soterrado.

Um copo era laranja e o outro era escuro.
Um era frio e o outro bem quente.

Levantei-me como pude escalando a massa de corpos. Eu não sorria. Devolve isso. O microfone é meu. Gritei na tentativa inútil de demonstrar meu desafeto. Olhei meus dedos de sangue nos fachos de luzes piscantes - alguém devia ‘de’ proibir isso. O sangue vinha da minha boca. Machucado e magoado voei até a nuvem mais próxima e deixei que o caos tomasse conta do resto. Lá no alto não havia ninguém. Pensei em descer e salvar a menina. Mas eu estava cansado e ela já não estava mais lá. O palco fora tomado. Tudo era um zumbido e só.

Tomei o copo escuro.
Senti seu gosto amargo...

Zumbido...

Tomei o copo laranja.
A pureza existe, nem tudo é sujo e minhas costas doem.
Acho que acordei.



Ritual de Purificação (ERRATA)

Onde se lê:
Tomei o copo laranja.
A pureza existe, nem tudo é sujo e minhas costas doem.
Acho que acordei.

Leia-se:
Inoculo o líquido escuro e quente no laranja.
Assisto a mistura e bebo. A pureza não existe.
Volto à minha cama.