domingo, outubro 03, 2010

Rio de Janeiro

Era preciso ganhar 5 quilos para ele ser aceito no grupo.
Era preciso também malhar 3 vezes por semana.
Também ser bilingue e ter o MBA (em'biei).
Sorrir e ser alto-astral durante todo o expediente.
Pra completar, ele tinha rejuvenescer uns 10 anos... perdão, 15.
E que ele ficasse bem satisfeito com isso pois outros candidatos tinham que cumprir exigências muito mais desafiantes - ela completou. Ele assentiu com a usual cara de nada. Leu por ler, fingindo que lia (sabe como é?), mas não assinou o contrato. Disse que ia pensar. A atendente, em atitude profissional, também não se importou muito com isso. As atendentes de qualidade tem por virtude não se importar com coisas que não dizem respeito às questões práticas do Mercado. O Mercado... sem ele a vida perderia a lógica ou teria que se arranjar uma lógica diferente.
No fundo, o que ele mais queria era propor a tal lógica diferente mas... quem é ele?
Ele achava que era algo. E, de fato, era. Ou pelo menos, foi.

Keith Richards não tem botox no rosto.
Por aquela pele também não passou nenhum bisturi milagroso. Então é um rosto que incomoda as pessoas por ser esculpido e não embutido. O rosto do velho é uma subversão ambulante... porque é constrangedor. Fica tudo bagunçado como uma cama revirada ou restos num prato. A solidão. Desilusões. Excesso de risos. Rastros de choros. Noites insones. Canais secos de profunda preocupação. "Estou bem?" "Estou mal?" "Falhei?" "Terei sucesso?" Erosão não é uma coisa bonita. Mas ele gosta de Keith Richards... De Iggy Pop também. "Não há nada mais punk que um rosto de velho." - costuma dizer.

Ela tem filho e escreve. Ele sem nenhum 'herdeiro' mas na tal da "idade boa pra levar filho na escola". Dois cadernistas compulsivos. Perfazendo em rasbiscos ou garranchos uma trajetória de deriva. E não... Isso não é a sinopse de mais um filme sobre loosers. É apenas um testemunho.

Ele disse que faria as ilustrações mas precisaria antes ler tudo. Mas andava meio maluco. Ele É meio maluco. Defina maluco. Maluco? Maluco é alguém que leu (ou fingiu que leu) o contrato do Mercado mas não assinou. E preferiu adorar a esfinge do Keith Richards a fazer um extreme make-up (anglicismos técnicos tornam um texto mais up-to-date). Date que lembra dating. Encontro. Ele acha graça dessa palavra - graça como desprezo adornado de melancolia. Mais um anglicismo. Na real, um americanismo. Dating... como Bullying. Essas coisas perniciosas que vem dos big boss da cultura do Mercado, digo, do Livre Mercado. Por essas razões e outras pessoais ele hoje deu parte de seu voto aos comunistas revolucionários. Assim, bem demodé: excluído vota em excluído. Demodé... Agora estamos evoluindo para um francofonismo.

Voltando ao bullying (e não vou pesquisar no google como isso se escreve)lá estava ele, andando de novo no pátio do Colégio em que estudou... melhor dizendo, aguentou parte de sua adolescência de poucos datings e muitos bulliyngs... bullshits... borings... e outros americanismos perniciosos.

Ele votou. Entreouvindo na fila da classe média, os velhos fantasmas de sempre, reclamações tolas e outras hilariantes e, pensando nisso, logo existiu e alcançou uma conclusão: é o Rio de janeiro que está muito bullshit ou é um mal do século? A amiga separada reclama que o Mercado não anda oferecendo material de qualidade. O outro pega mulher demais mas não se satisfaz com nenhuma. A outra ficou triste com o peguete e daí tme medo de virar periguete. E ele, nosso herói, não assinou o contrato. Alguém toca violão no apartamento vizinho. Ele sobe. Quer descobrir. Vai de escada até o andar de cima. Quer sempre descobertas. Já é mania. Curioso e covarde porque se corre atrás da resposta também se limita a um ouvido colado à porta, um bobo xeretando o dedilhado alheio. Daí, não sei se por satisfação ou cansaço, volta ao seu nicho. E agora ele se toca que está escrevendo sobre outras vidas. Entende agora que é um olho cego que pensa que vê.

terça-feira, setembro 28, 2010

Bertold & Martha

- Eu sou uma merda. – concluiu Martha se olhando no espelho.
- Eu sou uma merda. – concluiu Berthold se olhando no espelho.
Berthold e Martha estavam a 1 km de distância um do outro.
Berthold morava no inicio da rua.
Martha, no final.
Os dois estavam nus.
Os peitos de Martha estavam levemente caídos. Martha os suspendeu levemente e os soltou. Eles deslizaram pra fora das mãos... Caídos e, no entanto, muito pequenos... Estes eram os peitos de Martha.
Berthold tinha uma pança q caia levemente sobre si mesma. Berthold alisou a ponta.
Alisou e puxou o ar para dentro. A barriga se recolheu. Soltou o ar e ela voltou ao ponto de origem. Não era das grandes.
Eram solteiros e estavam nus.
- Q porra. – disse Martha aos seus cabelos secos.
- Porra – disse Berthold para suas entradas.
Berthold & Martha foram pra rua ao mesmo tempo.
Moravam em andares iguais. Juntos, porém distantes, chegaram à mesma rua.
Um desceu. O outro subiu.
Martha andava lenta. Berthold andava confuso.
Ela, na calçada direita. Ele, na calçada esquerda.
E assim eram Berthold & Martha, um casal feio, que se sentia uma merda, morava na mesma rua e nunca se encontraram até chegar aos 70. Curiosamente morreram na mesma idade e foram enterrados no Caju.

Schmidt

A noite in-tei-ra ela teve que chupar aquele pau mole.
Isso foi a primeira coisa que ela falou quando chegou à agência.
Estava emputecida. A puta.
Seu nome era Schmidt. Não o dela... O dele, o do pau mole. O dela naquela hora era Amanda.

O pau mole de Schmidt... Foi um programa pra lá de estranho.
Assim q chegou na agência, às 22 horas, Dona Carla falou prela do cliente hospedado em Ipanema. Prometia... Apartamento em frente ao mar... Duas horinhas de atendimento. Chegou lá de táxi.
Um prédio de poucos andares e muito vidro. Vidro fumê na portaria. Mesa de vidro pro porteiro. Divisórias de vidro fumê. Até as esculturas (umas mulheres sem rosto) eram de vidro.
O porteiro perguntou o andar. Quinto. “Ah... É Seu Chimite!!!” O severino falou. “Pode subir.” Nem precisou ligar. Que ótimo. O severino foi bonzinho.
O elevador era uma enormidade. Moraria uma família ali.
Demorou para o alemão abrir a porta do elevador e ainda abriu com lerdeza.
“Oi neném.” Ela optou pela saudação dengosa.
Atendeu a porta um bebê branco gigante, calvo e magricela com a narina toda branca: “Ói. Vochê Amanda?” Ele falava com a voz torta de gringo cheirado.
“Chou chim, neneumzaum gotojo” Ela saudou, brasileiramente efusiva.
“Eu Schimdt. Euntra.” Completou o alemão e ela euntrou no recinto.
Fora um sofá mofento e umas mesinhas (de vidro) tinha pouca coisa na sala. Um jornal gringo (devia ser alemão), um punhado de dólares no chão, uma bermuda florida toda molhada e cheia de areia no sofá... As poucas coisas que tinham no apê pareciam jogadas... “Ai, q neném bagunchêlo hein? Ai ai”. Ela realmente havia optado pela recepção dengosa. Mas isso ainda não parecia ter tido efeito sobre o bebê gigante europeu que só se balançava e a olhava com cara de espanto. Estava com uma bermuda tão florida quanto a do chão. Só que essa era laranja.
“Chenta, Amanta?” Ele repetiu.
“Vem cá, bem, onde tem telefone? Tenho q ligar pra agencia.” disse Amanda.
“Tafone ashi?” disse Schmidt.
Ficaram se olhando um tempo. O alemão pendulando e ela, sem reação, até concluir: “Tah bom, nen, deixa q tia Amanda procura o tetel-lefone tah?” Ai meu pai. – desabafou baixinho.
Achou o tel, fez a ligação e aproveitou pra desabafar mais: “porra, me arranjaram um alemão cheiradão. Se bobear o pau dele nem sobe.” Dona Carla: “Sorte sua. Qualquer problema me liga. C acha que ele é violento?” Amanda: “Não não. Tadinho. Parece um bebêzão. Isso não ofende nem uma barata.” Desligaram.
Quando chegou na sala o alemão tinha sumido. “Chimiditeeee. Neneeem. Cadê vochê?”
O bebê gritou lá de dentro: “AmantaAAA!” Os gritos a levaram a um quarto onde o alemão tava estirado numa cama enorme com a bermuda caída até o joelho e o piruzim à mostra.
“Chupa Amanta Chupa Chimite” – ele pedia, todo torto.
Ficou desconcertada olhando aquela tripa encolhida em cima do saco, em cima da cama. “Ai qui bunitim o pipiu de Neném tah dormindo. Vamo acordar o piupiu branquinho?” ela arriscou.
“Chupa Amanta Chupa Schmidt” – insistiu e aproveitou para jogar umas notas de dólar na direção dela. Ela juntou as notas e botou na bolsa indo dar um trato na tripa do alemão. Foi um custo: tirar de vez a bermuda do gringo, posicionar o bicho na cama, aturar o cheiro de whiskye mas o difícil mesmo foi pegar na tripa. Mas ela pegou. Era uma questão de honra e Amanda tinha uma qualidade: uma vez num programa, ela ia até o fim.
“Chupaaa” reclamou o bebê dando mais uma mamada no whisky.
Amanda disse depois que perdeu conta do tempo que perdeu chupando aquela “bronha frocada”, aquele caramujo, aquela... coisa. Dentro da boca a sensação era de estar chupando uma Maria-mole salgada... salgada de praia ainda por cima. Isso foi como depois ela narrou a história pras outras meninas e pra mim.
A noite foi passando e suas reações foram mudando a cada momento. Primeiro, a perseverança por um objetivo a alcançar. Depois a raiva de estar naquela situação esdrúxula. Daí, a resignação de estar cumprindo um dever com sua família e, por fim, a sensação de que aquilo tinha que terminar logo. Mas mal tentava tirar a cabeça e a porra do gringo a empurrava de volta.
“Chupa e Schimite Goja” prometia o torto.
Viu então outra saída. Chupou um pouco mais, daí ficou com a boca parada, para não ficar com cãibra. Esperou com a pequena bola de carne na boca até ouvir o ronco do gringo. Depois se levantou e procurou um banheiro para lavar a boca. No banheiro, em cima da privada, viu o retângulo de vidro com os restos de pó. Lavou o rosto na pia depois tirou o vidro e tratou de aliviar a uretra.
Sentada na privada ficou um tempo olhando a superfície do vidro e o branquinho em cima dela. Por exatos 9 segundos sentiu uma paz absurda. Não pensou em nada. Total silêncio em sua cabeça. Então... “Amantaaa”. O bebê gringo despertou. Se arrumou e foi pro quarto mas ele já havia sumido. Foi pra sala e lá estava ele com outro retângulo de vidro dando uma baita cheirada. Chegou perto. Ele estava usando uma nota de dólar para cheirar. Primeiro uma narina, depois, a outra. Daí, levantou a cabeça e aí ela até achou bonitinho pq ele falou todo choroso: “Amanta não gosta chimite?” Ela realmente ficou dengosa ao ouvir isso e respondeu: “Ai nenen. Amanta gosta chimite. Gosta sim... Vem.” então pegou o gigante e o embalou o corpo semi-nu em cima do sofá. No colo dela Chimite olhou prela com cara suplicante e lhe deu a nota que usou como canudo. Ela ficou segurando aquele dólar branco sem saber o que fazer enquanto Schmidt voltou à mesa para cheirar com outra nota. Assim que acabou entregou a nota como presente para Amanda. Virou um joguinho. Schmidt cheirava uma nota e assim que acabava a entregava para Amanda. Mas até esse brinquedo cansou. Amanda já tinha umas 15 notas de dólar estocadas na bolsa. Sua paciência estava acabando. Olhou o relógio e viu que aquele programa estava pra terminar... ai santo pai, enfim. “Nen, hora de tia Amanta ir emboraaa. Tah?”
Schimidt levantou a cabeça e pedaçinhos de pó caíram do seu nariz. “Não!” disse talequal criança. “Mas chimite... cabou. Tia tem hora.” retrucou Amanta, maternal.
“Não!! Não!! Não!!!” – reclamou Schimdt e agora, fazia bico e estava todo vermelho. Ela ainda tentou argumentar mas o alemão se recusava a deixá-la falar e gritava tampando o ouvido. “Não! Não! Nãaaao!!!! AMANTA FICA!!! CHIMITE QUER AMANTA FICAAAA!!!”
“CHIMITE!!!” – gritou Amanda usando sua experiência de mãe e puta – “QUIETO!!! OUVE!!!” O bebê branquela congelou com a boca aberta e os olhos cintilando. “Presta atenção. Eu fui paga pra ficar DUAS horas. DUAS horas. Pra tia ficar mais, chimite teria q pagar mais.” disse conclusiva, resoluta, firme e vencedora. Sem perder mais tempo se levantou pra se arrumar. O programa havia encerrado.
“Schimite paga mais. Amanta fica” – fechou o alemão.
Amanda parou como Dadá... No ar.
“Mas...” – ela ainda arriscou. E Schimdt a olhou, desafiador e triunfante. “Ah te peguei” – ele parecia dizer. “... Mas Amanda vai ter q ligar pra agência pra avisar. ” ela, desanimada.
“Liga.” disse o gringo, e concluiu: “Amanta fica. Chimite paga.” e jogou mais dólares nela.
Cosnternada, ela foi pro telefone. Dna. Carla atendeu e ela explicou. A coroa foi direta: “Ótimo...Fica mais. Fica o quanto esse gringo puder pagar.” e desligou na cara da menina.
Amanda olhou o gringo e lá estava o danado de narinas brancas, sorrindo de orelha a orelha, sacanamente.

A noite se arrastou... O gringo cheirando e se enxarcando de uísque, Amanda chupando o pau mais mole da Terra. Lá pelas tantas Amanda surtou.
“Chega de cheirar, seu gringo maluco. Chega.” ... e lá estava Schmidt de novo com cara de criança q fez caca e leva um ralho. Ela se levantou e continuo com o dedo em riste, reprobatório. “Olha o seu estado. Seu pau está mole. Ouviu? MOLE! É horrível chupar um pau mole, sabia???” Schmidt ouvia, constrangido, abraçado à garrafa de uísque. “Que merda!” ela ainda reclamou pra finalizar. Então o gringo chorou. Abriu o berreiro e Amanda ficou pasma. De novo. “Amanta briga com Chimite. Amanta não gosta.Buaaa”
“Pára, Chimite. Pára.” mas era tarde. Não havia lugar pra razão. O gigante estava triste. Pacas. Foi então q Mamãe Amanda voltou. “Nén... Pála de cholar nén. Pála... P. favor. Pála. Vem cá, vem com tita Amanta.” e abraçou-o e ficou ninando o marmanjo que se refugiava em seu brinquedo alcoólico. Aliás, aproveitou a deixa para dar um gole de alívio. Duas, três horas se passaram. Amanda e seu bebê supercrescido dormiram abraçados desajeitadamente no sofá.
Amanda despertou duas horas depois. A cabeça latejando muito. Empurrou o marmanjo pro canto e foi pra janela da sala. A cortina cobria a maravilhosa visão pro mar. Abriu e a luz preencheu tudo. Lá fora o sol ardia, o céu ia se saturando de um azul anil, forte e sem obstáculos. O horizonte e mar formavam uma tela de azul sobre azul. Impressionante tela.
Lá embaixo, na porção bege da paisagem, alguns pontinhos pequenos iam chegando e ocupando seus lugares. Barracas sendo armadas. O som crescente de uma praia em um falso inverno. Amanda ia buscando o nada naquela paisagem e ia se perdendo em um pensamento indefinido e cansado, quase canino. Voltou à realidade com o chamado agonizante e baixinho: “Amaaanta.” O gringo. Chegou até o bebê e ele ergueu a mão. “Fecha janela. Luuuuz.” reclamou.
“Na-na-não. Nenen tem q ver luz. Se não nenen fica dodói, tah?”
“Ó... tia Amanta tem q ir agora, tá?”
“Chimite paga. Fica.” – murmurou.
“Não. Chega de ‘chimite paga’. Tia Amanta vai pegar dinheilo e vai pa casinha, tá?”
“Tá” - disse o chimite resignado.
“Ó, titia quer q chimite toma banho e toma solzinho tah? E chega de chelá pozinho blanco tah?”
“Tá” – respondeu o chimite.

Amanda pegou mais alguns dólares, olhou o relógio do celular, fez cálculos mentais e pegpu também os reais correspondentes ao período que ficou. Foi embora.
Ainda olhou uma vez mais pro bebê germânico que roncava de costas para uma tela pulsante de azuis celeste e marítimo. Desceu no elevador com uma família atarantada – duas crianças e os pais. Na portaria, deu um tchau ao severino. Pegou o táxi e rumou pra sua casa... bem longe da zona sul. Nos dias seguintes ainda pensou em Schmidt, seu pau mole e sua cara de bebê. Talvez tenha se apaixonado... O fato é que nunca mais o veria novamente.

quarta-feira, setembro 08, 2010

Jaque, o herói

Resultado: Jaque estava paralítico.
Jaque se escreve assim mesmo. Não tem "c" no meio e nem "s" no final já que é Jaque mesmo. Agora, cumprindo minha promessa de campanha pessoal, após o terceiro período desse texto falarei coisas tristes sobre Jaque. A paralisia não é bem uma tristeza mas antes uma constatação. Diabos, já estamos no quinto período do texto e não cumpri a promessa. Bem... No colégio sofreu bulling por conta do seu nome (Jaque).

segunda-feira, agosto 16, 2010

Nova Délhi 2

Estava de novo com aquela sensação. Era a hora de embarcar para uma nova viagem em busca de uma nova casa. Os ambientes, as formas, cores, falas, trocas e medos daqui lhe aconselhavam isso... há mais de ano.
Por outro lado..
Ele abriu o envelope que o esperava na mesinha da sala (há 3 dias). Entre contas a pagar e garranchos de telefones, compromissos e endereços, lá estava o envelope que ele mesmo havia lacrado. Leu a carta:
"Carlos, eu te amo. Eu te amo muito. Aguardo em fevereiro tua chegada. Venha em paz. Te receberei com um sorriso sincero, pleno. Por favor, venha assim também. Te peço que com um sorriso sincero, pleno. Eu te amo amo amo. Você vai poder ver isso, sentir... Nas crianças que vão correr em sua direção com sorrisos branco-cegantes. mas peço que tome cuidado com os velhos de grandes olhos esbugalhados. Junte aí suas forças. Economize suas energias. Organize seu espírito, meu doce. Pois guardará aí dentro seu amor. Eu te receberei com meus braços de ninfa. Beijos no coração do amor e na testa da certeza. Sua anfitriã amante quase-irmã, Nova Délhi."

São 4h. Lá fora a cidade está escura. O mantra da cidade reverbera em minha caixa craniana. Repito-o em voz alta para dar motivos para eu chorar. Choro e canto. O que começa com um sussurro vira meu grito particular. Acordo a vizinhança que reclama em altos brados. Quem me dera fosse assim... Apenas digo em voz alta para o teto seu nome mais bonito e ali permaneço com a alma em convulsão. Se de fato chorei não é certo que eu tenha gritado. Nova Délhi. Estremece meu corpo o som dessa cidade. Cumprirá sua promessa? Não hesito em dizer que sim. Sempre busquei soluções custosas para problemas simples. Agora chego a um novo momento. Problemas simples?

domingo, agosto 01, 2010

Nova Deli

Ele ainda não dorme à noite. Não sei o que acontece. Algo mudou quimicamente em seu cérebro. Seu corpo até pede descanso. Pede não, implora. É visível. As olheiras fundas, a cara derretida. Curioso como ele não relaxa. Diz que não pára de pensar. Pensar o que? Em quê? Ele diz que é em tudo. Como alguém pode pensar em tudo? Ele só confirma. Diz que pensa em tudo mesmo - e ao mesmo tempo. O coração anda sentindo as consequências disso. O médico disse que se ele não conseguir reverter esse quadro não sabe como vai ser. Eu também não sei. Ele está mais fugidio que o habitual. Tudo bem que ele nunca foi dos mais sociáveis do mundo, apesar de ser uma pessoa gentil, amável à vista de todos. Não há quem não o elogie nesse sentido. Bom rapaz, sensível. Confiável. Mas pensa demais. Reclama de dores pelo corpo. O braço esquerdo pulsando em dores constantes. De vez em quando surpreendo ele chorando no quarto mas assim que me vê tenta disfarçar. Segura o ombro. Está tudo bem? Então ele diz que sim querendo dizer que não, estou péssimo. Eu já o conheço. Pergunto se não vai sair pra ver os amigos. Diz que não e vai para o quarto. Liga o computador. Vai trabalhar. Acha que me engana. Passa horas ali, lendo e escrevendo. Outro dia fui conferir. Um texto bonito, bonito mesmo. Haviam outras telas abertas. Duas de sites de redes sociais. Frases. Comentários. Outra era do site da Air France. No bloco de anotações do lado do teclado havia uns garranchos. Cálculos. E acho que li o nome N. Deli. Não sei porque me veio um pensamento-resposta: "Tomara que ele consiga."

segunda-feira, junho 28, 2010

Eu e o Bruxismo

Sua respiração curta denunciava seu estado de nervos. O punho estava crispado quando ele percebeu a dor em seu ombro esquerdo. O pulso também repetia em loop ascendente que seus projetos de vida haviam se distanciado a ponto de não serem mais vistos do ponto onde estava. O ponto onde ele estava era ainda onde seus pés ficaram plantados, fincados, tragados desde o dia em que perdemos contato. "Se eu continuar trincando os dentes assim logo terei cacos presos em minhas gengivas macerando minha língua até virar um fiapo de carne" - recitou mentalmente.
É... Eu gostaria de escrever um texto mais luminoso. Mas ainda não consigo. Talvez seja força do hábito. Me pergunto até se eu gostaria. Gostaria? Acho que gostaria. Seria bom não se sentir assim um dia, uma semana ou uns meses.
Então, faço o seguinte, combino comigo mesmo que como ando numas de me recondicionar vou reescrever esse meu início, ou seja tentar, um reinício. Vai ser parte do meu tratamento. O Rivotril que não tomei não me deixa mentir que sofro dum sintoma oculto de esperança.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

A 30 cm do seu rosto

Eu tenho um segredo oculto.
Que só te direi a até 30 cm do seu rosto.

Eu tenho um segredo oculto.
Que não tem a menor importância para o resto da humanidade.
Que não vai mudar o curso das marés e não vai nos salvar do aquecimento global.
Que não vai destituir ninguém do seu cargo e não vai dar em demissões em massa.

Este segredo, porém, pode nos fazer pessoas perigosas.
Ou simples amigos.

domingo, fevereiro 07, 2010

Laudo Pericial

Não estavam doentes. Não tinham AIDS. Não tinham dengue. Não tinham problemas cardíacos. Não tinham câncer nem diabetes. Não tinham micose nem seborréia. Não tinham problemas na fala. Não tinham mal hálito. Não tinham lábio leporino. Não lhes faltava nenhum dente. Não tinham cárie. Não estavam desempregados e também não tinham dívidas. Não dependiam financeiramente dos pais. Não eram hipertensos. Não eram barrigudos nem carecas. Não tinham vícios. Não eram dependentes de drogas. Não dependiam de máquinas para viver. Não passavam por nenhum tratamento e não faziam uso de nenhuma medicação. Não eram surdos nem mudos ou cegos. Não possuiam problemas no cérebro e podiam se lembrar do dia de ontem, de anteontem, de antes de anteontem e de coisas da adolescência e da época de criança. Não eram órfãos. Não moravam na Somália. E também não moravam no Iraque. Não moravam em um barraco. Não viviam em "zona de risco". Não passavam fome. Nunca repetiram de ano. Não ficaram em recuperação. Nunca foram a uma guerra e nem conheceram alguém que tivesse ido. Não foram baleados e nunca viram um crime. Não eram míopes. Não eram estrábicos ou vesgos. Não eram analfabetos. Não tinham próteses no corpo. Não eram subempregados. Não tinham um emprego informal. Não eram políticos e não eram corruptos. Nunca roubaram ninguém. Não tinham telhado de vidro. Nunca traíram. Não tinham alergias. Não tinham pau pequeno. Não eram ricos e não eram miseráveis. Não nasceram na Idade Média e nem no Neolítico. Não eram desafinados. Não eram doutrinários nem autoritários. Não eram virgens - já tinham sentido o prazer e o delírio. Nunca mataram. Não tinham inimigos conhecidos. Nunca foram processados. Não tinham passagem pela polícia. Não estavam sujos no SPC - nem no SERASA. Não atrasavam as contas. Não eram burros mas pensavam tolices. Eram chatos pra caralho.
Tinham problemas com o amor.

Eu sou a carta na garrafa

1. Já fiquei feliz só em te conhecer.
2. Só em ter visto teu sorriso naquele dia, naquela hora, pra mim já foi uma oportunidade essencial.
3. Não posso me viciar em ser um voyer.
4. Gostaria de caminhar contigo.

(Será que estou perdendo a briga? Será que minha companhia sempre será tu, o eu-que-eu-não-sou?)

O eu-que-eu-não-sou não caminha contigo, somente só e muitas vezes prefere ficar imóvel. O eu-que-eu-não-sou não cresce, se encolhe. Não aprende, repete o erro. Não fala, pensa e o que pensa é um novelo encharcado de ódio e ressentimento, sem começo nem fim. Quando lancha, não sente o gosto da comida e come para sobreviver não para sentir gostos. O eu-que-eu-não-sou não comemora; não torce, se retorce. É o feto que não nasce. A criança que não cresce mas envelhece. O herói que não luta mas sofre e perece.

O eu-que-eu-não-sou é alguém que quer a posse da minha atenção e faz de mim sua prisão maternal compulsória.

O eu-que-eu-não-sou não viaja, foge. Não revela, esconde.

Não termina pois nunca começa.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

O cérebro, o célebre e o cérbero

Você já foi a uma festa que não conseguia sair?
Pois bem, ele tem um medo radial de que lhe explodam o cérebro. O célebre. O cérbero. No meio desse medo-entre-outros achava tempo (esclareço: sua mente, não ele) para fazer trocadilhos toscos.
"Não corta essa merda. Eles adoram que apareça a bandeira nas fotos". Disse-lhe o fotógrafo.
Então ele também tinha medo-entre-outros de chegar ao máximo de contrição da libido. Achava que isso faria com que explodisse o cérebro devido a hipertensão sexual em sua mente. Sempre ela. Sempre a mente. Não sabia se pensar era uma maldição, uma sina ou um tipo de doença... ao menos pensar como ele pensava, na quantidade de pensamentos que ele gerava. O problema dos pensamentos - pensava - era que eram porduzidos a uma taxa muito mais alta que sua dispersão gerando um volume de material excedente que se acumulava pelo cérebro. Cérbero - o cão a vigiar a porta do cérebro - não dava conta de espantar os maus pensamentos que sempre entravam pelas mil frestas da sua mente. O Célebre - seu guia autoinstituído - nãao dava conta de instruí-lo a limpar a mente dos excessos reclamantes e nem de desprezar os os excessos nascedouros.
A verdade é que Célebre e Cérbero faziam seu trabalho mas não tinham grande experiência no assunto (também eram marinheiros de primeiras viagens) mas não lhe revelavam isso. Foi após muito tempo que ele foi ficando muito desconfiado daquela dificuldade com os excessos de pensamento (negativos, é bom lembrar) e foi duvidando da capacidade de seus dois escudeiros. Com a falta de confiança, os escudeiros foram ficando meio murchos, deixando os pensamentos (desagradáveis, ressalto) irem entrando e fazendo sua festa (um tanto massante para meu gosto, confesso).

sábado, janeiro 09, 2010

Ex-Cientista

Não quero mais estudar meu corpo. Não quero mais dissecar minha mente. Não quero mais entender as razões. "Quais razões?" Todas, ora. Das razões do meu sofrimento às razões do seu sofrimento. Das razões das vontades às razões das inércias. Fiz a opção pelo desconhecimento. Me formei em Ex-Cientista.

Agora a história começa comigo andando pela rua - sem destino definido e sem ter saído de algum lugar mas apenas andado, ou seja, me vejo andando na rua, como se tivesse acabado de nascer em pé e movendo minhas pernas. Vantagens da escrita: todo personagem nasce no presente. Ninguém tem história pregressa ou razões enquanto o autor não as definir e, como agora sou um Ex-Cientista graduado, não pretendo que eu, o personagem desta história,tenha passado, já que razões e nascimento sempre serão atos do passado... ou do futuro - dependendo do gosto. Falando em futuro, eu, o personagem, caminho mas não tenho onde chegar - e isso me faz lembrar que ainda não falei sobre o esquecimento que as vezes me acomete. Pronto, falei. Agora, vejam, caminho ainda. Por vielas. Por grandes retas. Por calçadas sujas - não me perguntem se já foram limpas, não quero saber. Caminho também por áreas residenciais. Passam por mim crianças amigas de um domingo de sol. Pipas e balões, muita gritaria. Saio da calçada e piso na grama. Da grama passo ao chão de terra duma grande praça que se transforma em mata fechada. Caminho por pedras. Estradas antigas. Sons de pássaro sobrepõem às buzinas. Caminho pela trilha paralela ao ribeirão escuro - não quero saber de que é feita a água do rio mas vejo carpas e tilápias. Ponho os pés na água e descubro que estou descalço.