domingo, outubro 03, 2010

Rio de Janeiro

Era preciso ganhar 5 quilos para ele ser aceito no grupo.
Era preciso também malhar 3 vezes por semana.
Também ser bilingue e ter o MBA (em'biei).
Sorrir e ser alto-astral durante todo o expediente.
Pra completar, ele tinha rejuvenescer uns 10 anos... perdão, 15.
E que ele ficasse bem satisfeito com isso pois outros candidatos tinham que cumprir exigências muito mais desafiantes - ela completou. Ele assentiu com a usual cara de nada. Leu por ler, fingindo que lia (sabe como é?), mas não assinou o contrato. Disse que ia pensar. A atendente, em atitude profissional, também não se importou muito com isso. As atendentes de qualidade tem por virtude não se importar com coisas que não dizem respeito às questões práticas do Mercado. O Mercado... sem ele a vida perderia a lógica ou teria que se arranjar uma lógica diferente.
No fundo, o que ele mais queria era propor a tal lógica diferente mas... quem é ele?
Ele achava que era algo. E, de fato, era. Ou pelo menos, foi.

Keith Richards não tem botox no rosto.
Por aquela pele também não passou nenhum bisturi milagroso. Então é um rosto que incomoda as pessoas por ser esculpido e não embutido. O rosto do velho é uma subversão ambulante... porque é constrangedor. Fica tudo bagunçado como uma cama revirada ou restos num prato. A solidão. Desilusões. Excesso de risos. Rastros de choros. Noites insones. Canais secos de profunda preocupação. "Estou bem?" "Estou mal?" "Falhei?" "Terei sucesso?" Erosão não é uma coisa bonita. Mas ele gosta de Keith Richards... De Iggy Pop também. "Não há nada mais punk que um rosto de velho." - costuma dizer.

Ela tem filho e escreve. Ele sem nenhum 'herdeiro' mas na tal da "idade boa pra levar filho na escola". Dois cadernistas compulsivos. Perfazendo em rasbiscos ou garranchos uma trajetória de deriva. E não... Isso não é a sinopse de mais um filme sobre loosers. É apenas um testemunho.

Ele disse que faria as ilustrações mas precisaria antes ler tudo. Mas andava meio maluco. Ele É meio maluco. Defina maluco. Maluco? Maluco é alguém que leu (ou fingiu que leu) o contrato do Mercado mas não assinou. E preferiu adorar a esfinge do Keith Richards a fazer um extreme make-up (anglicismos técnicos tornam um texto mais up-to-date). Date que lembra dating. Encontro. Ele acha graça dessa palavra - graça como desprezo adornado de melancolia. Mais um anglicismo. Na real, um americanismo. Dating... como Bullying. Essas coisas perniciosas que vem dos big boss da cultura do Mercado, digo, do Livre Mercado. Por essas razões e outras pessoais ele hoje deu parte de seu voto aos comunistas revolucionários. Assim, bem demodé: excluído vota em excluído. Demodé... Agora estamos evoluindo para um francofonismo.

Voltando ao bullying (e não vou pesquisar no google como isso se escreve)lá estava ele, andando de novo no pátio do Colégio em que estudou... melhor dizendo, aguentou parte de sua adolescência de poucos datings e muitos bulliyngs... bullshits... borings... e outros americanismos perniciosos.

Ele votou. Entreouvindo na fila da classe média, os velhos fantasmas de sempre, reclamações tolas e outras hilariantes e, pensando nisso, logo existiu e alcançou uma conclusão: é o Rio de janeiro que está muito bullshit ou é um mal do século? A amiga separada reclama que o Mercado não anda oferecendo material de qualidade. O outro pega mulher demais mas não se satisfaz com nenhuma. A outra ficou triste com o peguete e daí tme medo de virar periguete. E ele, nosso herói, não assinou o contrato. Alguém toca violão no apartamento vizinho. Ele sobe. Quer descobrir. Vai de escada até o andar de cima. Quer sempre descobertas. Já é mania. Curioso e covarde porque se corre atrás da resposta também se limita a um ouvido colado à porta, um bobo xeretando o dedilhado alheio. Daí, não sei se por satisfação ou cansaço, volta ao seu nicho. E agora ele se toca que está escrevendo sobre outras vidas. Entende agora que é um olho cego que pensa que vê.

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