sábado, dezembro 18, 2004

Pedro Pedra

Pedro desejou um dia ser pedra.
Pedro desejou com força e conseguiu.
Pedro enfetado no chão do grande campo urbano perto do shopping atrapalhando a circulação das pessoas... sim, não era um lugar qualquer.
Pedro, que pensava no início, foi se fechando. A mente se empedrando pensamento em pedra.
Cerrou-se, protegido na segurança vazia da não-emoção. Um feito humano jamais conseguido? Talvez... Também, como saber? O segredo do sucesso de um pedro-pedra está em realmente ser pedra, não somente desejar, mas se TORNAR consigo e com o mundo... ainda que não feita de minérios e regras físicas rígidas de construção e desgaste mas de carne e sangue como todos nós, (ainda) não-pedras. Enfim, Pedro obteve sucesso. Desavidos esbarravam; prevenidos desviavam; e crianças subiam em suas costas.
Fria. Que engraçado é o pensamento coletivo: basta que se olhe uma pedra para imaginá-la fria. Esta aqui era diferente mas ninguém podia sabê-lo pois não é todo dia que algúém toma a temperatura de uma coisa morta. uma coisa inútil. uma coisa inerte. pedra.

Agora imagine se um dia trituram Pedro.
Imagine se um dia enfiam-lhe uma picareta.
Se resolvem de Pedro extrair um David.
Alguém aí dirá "parla"? Diante do jorro de sangue evidência do vivo, diante desse david inverso, me digam, por favor, quem será o florentino filha da puta lhe dirá "parla"????

Ninguém. Tarde demais. Não se diz "parla" a uma pedra.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

O Porra Humana (the astonishing Comming Man)

"Olá, eu sou o Porra Humana. Soltem a moça ou vão se arrepender amargamente."

1951.
Estamos diante de Daniel Thomas Clearing, o fundador da recém-lançada editora de gibis de fantasia Great Commics. Sua boca está fechada (do tipo comprimida) e seus olhos estão injetados (do tipo possuídos). Como um andróide fracassado ele abaixa o leiaute à sua frente revelando a imagem do franzino e pálido...
- Mcgee!!! Are-u-nuuuts??? Oque-é-isso?
Estamos diante de Winston Mcgee, 27 anos, desenhista júnior e candidato a estrela dos quadrinhos de ação. Infelizmente, isso não passará de um sonho. Ele é o criador de Dickson White... O Porra Humana.

(continua)

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Tarso

- Amanda?
- Isso. Eu mesma. - e ela entrou e ele sentiu cheiro de colônia e banho.

Levou algum tempo para que Tarso entendesse que ia ficar cego. Mais precisamente o tempo que levou para que as trevas cobrissem sua cara. Havia uma questão genética talvez também questões de alimentação e um cansaço da vida. O stress da rotina dum trabalho estafante e complicado também contribuiu. É lógico. Existem casos em que se perde o fígado, o baço, em que surge um tumor cerebral, em que vem um derrame ou sucedem-se outros males como a perda degenerativa da memória, o sufocamente progressivo e a síndrome de pânico aliada a uma psicose maníaco-depressiva. Tarso teve sorte. Ele só ia ficar cego.

O apagar das luzes durou um mês a menos do que o especialista havia previsto. Tarso andava na cidade fingindo ver e, como já foi mencionado: ele é um sujeito de sorte. Por muito pouco não morreu. Foram os amigos quem seguraram o homem, o advertiram e abriram os olhos de Tarso (que irônica força de expressão. Enxerga Tarso: você está cego.

Idas e vindas de flashes de luz. Fades de imagens que depois ele descobriu... Eram resquícios da memória. Carnes próximas da sua. A barriga que respira por um umbigo que sobe e desce.
A mão magrela e veiuda deitada sobre longos cabelos claros, louros e tão lisos que ofendiam a vista. Um cheseburguer derretendo baba de maionese e queijo chedar mais uma enxurrada de molho a espargir na força dos dentes. Olho. Parado e muito próximo. Azul. As vezes verde acinzentado e claro. Aberto e sorridente. A palma da mão clara a espera da velha brincadeira quiromantica. De frente ao espelho sorrindo sem rir para caçar o mais rápido possível a casca do feijão - objeto de constrangimento. O ponteiro da hora no cinco o do minuto no 6. Balões sem cor. O sonho da cegueira lhe parecia um videoclip de momentos testemunhados e imaginados. hmm... mais imaginados que vividos.
A noite bastava-lhe cerrar a consciência para que as imagens viessem de assalto.
A frustração era demais. Tão grande que Tarso não mais dormia.
A duras penas praticava o braile. Não queria aprender. Sentia-se cego e pronto. Não queria aprender a ser cego. Já era.

Mas então as imagens passaram a ser sonhos despertos. Pois ele descobriu que não havia mais necessidade da noite já que ele tinha a graça das trevas privadas. Minifúndio no limbo. Não havia pedido por nada mas lá vinha para sua casa seu cinema particular feito por algum diretor esquizofrênico. Assim, do meio dessas lembranças, ele tirou um número (de telefone, pelo "visto"). Do fundo da cegueira, discou os numeros acomapnhando de cor o teclado. Será? E se tivesse discado errado?
- Alô?
Ele nada.
- Alô?

sexta-feira, novembro 26, 2004

Andando como nosferatus

Esperei por ele toda manhã. Ele veio.
Falou algo que era a mesma frase dita meses atrás. Nem ao menos a inflexão... Nem ao menos na voz uma mudança. Caminhamos porque era natural que decidíssemos caminhar já que tudo era déja vu. Ao tentar tomar sua mão senti uma reprimenda que me deixou um tanto confusa. Recolhi e senti... meus dedos estalaram; minha mão ficou fria.
Foi falando um pouco mais de coisas que sempre eram (sempre foram?) sentenças incompletas interrompidas pelo ar. Tomei o ar e não havia vento, nem prenúncio de nada tempestade, portanto, o problema estava aqui.
A cidade foi se abrindo sem escolha sem vontade. As ruas passeavam por nós como se nós é que fossemos um certo lugar. Eu reprimi um sentimento dominó porque era natural reprimí-lo. Engoli-o tipo uma pílula. Isso, desce devagar pra ser triturado pelas forças intestinas. Bateu um mal estar e resolvi olhá-lo logo. De uma vez. Por todas. De nada. Por nada. Não sei. Estava muito tranquilo mas ficou desconcertado, como de hábito.
Ah, resolvi te olhar pq, sabe-se lá... vai que te cai uma bigorna.

Vai que me entra uma bala perdida.

segunda-feira, novembro 22, 2004

O Ogro ataca

A exposição dos pintores românticos franceses teria sido um sucesso não fosse a aparição do Ogro.
O monstro veio e tudo foi destruído. Todas as obras trucidadas em plena inaguração. Não só as obras como 80 dos 90 convidados... Trucidados.
Du caralho o Ogro entrou, impressionante, arrebentando a clarabóia do museu, espalhando vidro pra todo lado. Muitas lascas de vidro rasgaram as roupas e as carnes das senhoras e senhores presentes. Também crianças não ficaram sem sua cota de dor.
O Ogro afundou os pés gigantes no chão amparando o próprio corpo disforme e desgraçando o piso feito de mosaicos restaurados do Brasil Colônia. Uma jóia de mais de um 1 milhão de reais pisoteada e transformada em farelo... a prova de restauro.
Um estrondo de canhão. Chutou a porta de vidro que separava a seção de pinturas do salão do convescote. O monstro se amarra em tudo tudo tudo que é de vidro. Ele curte quebrar tudo que pode se transformar em máquina cortante de dilacerar.
Um braço dele quando se levanta é pra valer e pra varrer. Varrer vidas. Então o braço do Ogro varreu os guardas dali e eles foram cuspidos pra fora do museu a uma velocidade estonteante. Mais vidraças quebradas. Inclusive de carros, pois os guardinhas foram jogados para cima de veículos em movimento, sendo que um era um coletivo.
Ogro odeia. Ogro esmaga.
Pastel folheado, isso é um quadro, uma pessoa, qualquer coisa na boca do monstro. Ele come obras. Mete os dentes. Os dentes guincham. Parecem máquinas. Máquinas de comer o que aparecer pela frente. Os dentes mastigam enquanto os braços se ocupam de arremessar os infelizes... no finado abrigo da arte mundial. Cadeiras vitorianas transformadas em lascas velhas no ar, sem o menor valor cultural.
Separam-se corpos de cabeças. É muito diferente do que se vê nos filmes. É menos agressivo pq parece mais fácil. A vida humana é frágil demais para a pirotecnia do cinema. Um corpo quando morre é dramático porque ele fica parado não pelo sofrimento em si. Como pode num instante o que é vivo e cheio ficar bruto e vazio?
Bom, um ogro tem em média 4 metros. Nosso amigo tem o dobro da altura e braços e pernas mais grossos que um homem gordo. Cada movimento desses membros, uma porrada nas nobres paredes do átrio central abalando seriamente as estruturas e fazendo com que colunas de mármore e lajes de concreto virem uma arapuca de esmagar gente.
James estava lá.
Filmou tudo com sua mini-dv. A uma distância minimamente segura, se é que pode existir isso num espaço de chacina. De amanhã em diante, suas cenas percorrerão o mundo e farão a fortuna de seu produtor. A neblina espessa de pó fará parte dessa produção caseira. Um efeito visual emocionante. E os lamentos dos sobreviventes, a trilha incidental.
45 minutos de pavor. Daí, o silêncio.
O Ogro não estava mais lá. Não tão espetacular foi sua saída e, no entanto, foi só baixar a poeira, pra ver o rastro pesado da criatura que seguiu destruindo também outras alas.
James desligou a câmera. Colocou-a dentro da bolsa e parou pra analisar o estrago.
Arte, vidas e arquitetura reviradas num caldo de sangue, pó e... vidro.
Vidro enfiado em carnes. Carnes reais e carnes pintadas. Crânios perfurados por quinas de molduras do século XVIII e colunas gregas falsificadas deitadas sobre duzias de mortos. Essas misturas estavam formando uma nova tela. Os elementos caóticos sempre formam um novo padrão. James ficou olhando. Meio hipnotizado. Excitado. O jovem estudante de medicina olhou. E então... Viu. Estacado de pé, congelado no tempo, apanhou vagarosamente sua câmera e...

Registrou aquela obra.

Espanque o miserável

Não se espante se um dia vc tentar sair de sua casa e não conseguir.
Vc vai tentar lembrar onde colocou a chave da porta mas não vai achá-la. No início pode ser q você sinta graça mas vai parar de rir rapidinho quando tentar chamar a pessoa que mora contigo (esposa, marido, namorada(o), filho(a), amigo(a)) e descobrir que não tem o telefone dela e nem sabe mais de cor. Neste segundo momento ainda achará apenas inusitado. Tragicômico. Dando de ombros vai pensar que foi até bom ter perdido a chave. Crerá na coisa do destino ou num impulso inconsciente, já que você tem trabalhado demais e merece, se não umas boas férias, ao menos, um dia de vadiagem. De qualquer forma, vai esperar a ligação do pessoal do escritório... mas isso também não vai acontecer. Que estranho, né?
Deitará mas não irá dormir.
Levanta então e vai fazer uma nova procura pela chave.
Já perdeu a manhã e agora perderá o resto do dia... será? sim!!!
É claro que vc não vai achar sua chave. Vai achar várias coisas que estavam perdidas há muito tempo. Ironicamente, achará até a chave anterior... aquela que vc tinha dado como perdida na rua e que te forçou a fazer uma nova fechadura (a chave atual que desapareceu). Miséria.
Vai para a sala porque cansou de andar para um lado e para o outro do apartamento.
Vai ligar a tv. Não vai ver nada... nada além das barras verticais coloridas e duma música de consultório.
Está será sua programação para os próximos dias e meses - em todos os canais.

O interfone - que já não funcionava direito antes - prossegue em inutilidade.
A janela tem trancas. Vc lembra disso? Pois tem. Elas têm trancas cujas chaves vc também perdeu - se é que algum dia vc as teve.
Não se espante também quando for ouvir o rádio. A única estação será a rádio relógio. "Ao menos", vc se conforta," saberei as horas..."

Saberá. Sim saberá cada hora, cada minuto, cada segundo em que estiver trancado em sua própria casa. Sozinho.

Já o terceiro dia será de puro desespero. Ninguém voltou pra casa. Ninguém te ligou e vc não consegue ligar para ninguém. O comp continua sem conexão com a internet. A TV ainda está com 24 h de color bar e música de consultório. A rádio relógio ainda é sua única comunicação com o mundo.

Vc se observará no espelho esperando que sua boca dê a resposta. Não.

A geladeira tem provisões para 3 meses, vc acha, mas tudo que vc tem é um pote de maionese helman's da pessoa que dividia esse espaço contigo. Também uma garrafa de coca-cola. O pão de forma mofou. E o pacote de água e sal já está pela metade.

Ouvir um dos seus cds seria bom mas vc descobre que seu aparelho está com defeito. O único cd que ele aceita é dum curso de inglês easy learning da pessoa que dividia esse espaço contigo. Para variar dos informes pontuais da rádio relógio vc vai se contentando com esse cd e acaba percebendo uma música ao fundo.

Não se espante também quando gritar como um alucinado dentro de sua casa e depois se descobrir de volta ao absurdo silêncio. As crianças do play não brincam, nem fazem mais barulho. Faz muitos meses que vc não ouve os murmúrios, brigas e discos horrorosos dos seus vizinhos. Vc está só no prédio.

Desesperado e esfomeado.

11 meses se passaram. Vc não tem mais forças para se exercitar e queimar as calorias acumuladas da maionese estragada e da coca choca que vc se obrigou a consumir. Até mesmo a pasta de dente já lhe serviu de comida. Admita sua morte.

A memória falha. Vc nem lembra mais como são seus parentes... seus amigos... vc tem amigos? vc já teve amigos? Ninguém deu por sua falta e vc sempre os tratou bem, não tratou? Acoca-cola agora é um traço escuro no fundo do copo. Seus dentes doem. Suas gengivas sangram. Um dia vc já teve dentista. Será natal? Será ano-novo? Será seu aniversário? Que diferença faz. Todos os dias são de silêncio. A lâmpada dos três cômodos queimaram e vc não tem uma de reserva. Vc ainda sabe trocar uma lâmpada? A esta pergunta vem uma imagem como há muito tempo não vinha. Um sonho desperto... Vc lembra de algo que viu em algum lugar e entende que foi da tv - o reino obtuso dos color bars. Era uma comédia pois vc ria. Há quanto tempo vc não ri. Rindo agora... Que engraçado... Vc está tendo uma ereção ou algo que lateja forte no baixo ventre.

Não se espante.

Após o desespero que te levou a revirar a casa toda e transformá-la numa selva, vc atravessa os dias dormindo. Em estado de profundo cansaço, melhor, profunda má vontade. Deixa sua mente se isolar para se lembrar dum tempo em que vc era limpo. A água do chuveiro continua firme porém não tão forte. A coloração é escura e ferruginosa mas... que opção vc tem?

Pois bem... Não se espante quando o sol bater no seu rosto estatelado no chão há dias demais para que sua cabeça consiga perceber quanto tempo se passou... e este mesmo sol te trouxer uma imagem bípede ereta a te esperar.

Não se espante, a imagem ainda estará em formação. Vc se levantará e ela lhe dará: PA-RA-BENS. Vc se descobrirá astro dum show. Saberá das câmeras em cada cômodo da sua casa. Verá sua imagem no video-tape vendo em replay teu sofrimento. O apresentador diz isso tudo sorrindo e lhe dá um cheque gigante. Mostra-lhe a porta onde estão seus amigos e parentes e diz que vc é um sucesso. Muito bem.

Vc sabe o que deve ser feito. É isso.

Espanque o miserável.

Em Busca do Ouro

Eu nasci pelo cu.
Já nasci fudido. Cagado e cuspido.
Mandei se fuder meu vizinho por causa da porra da obra que ele tá fazendo a 4 meses. Quatro meses!!! Sabe lá o que é isso? Furos no tímpano.

Pessoas nascem de parto normal. Pessoas nascem de cesariana. Eu não. Eu nasci cagado.

Manchete: "Quebrou a janela do quarto arremessando uma cadeira giratória." Não. Comprida demais.

Pistão. Comprei um pistão pra tocar de madrugada. Minha guerra pessoal.
Depois veio a picareta. Arrebentei o teto da casa daquele sujeito ordinário meu vizinho.
Proibem as pessoas de comprar armas. As armas somos nós. Dê-me um clips e te dou 50 motivos para proibir o livre comércio desta desgraça nas lojas.

Saio destruindo tudo. Quer saber? Vou cavar um buraco. Do rombo no chão da sala - teto da sala, na visão do vizinho - os operários da obra podem assistir meu espetáculo. É minha propriedade, destruo ela do jeito que eu quiser.

Por baixo das paredes existem canos. Nestes canos passam águas. Arrebente a parede com a picareta até achar os canos e fure-os. Veja o que acontece. Espirrarão muitas águas. Uma hemorragia.

O interfone não pára de tocar. Do grande vão do prédio vem os gritos.
A picareta é o maior intrumento na luta do homem por sua dignidade.
Minha intenção é explorar esta caverna até achar ouro ou petróleo...
Eu sou um desbravador... Um artesão de cus...
...E quem tiver na frente que se foda.


Debate no Congresso Bilíngue

Levantou o dedo pra pedir a vez pra falar.
Não sendo dada considerou-se obviamente ignorada.
Era só mais um congresso bilingüe (português-alemão). Não pensou duas vezes. Expôs sua discordância com um arremesso de salto alto. Fincou na cara do segurança. Infelizmente não atingiu a mesa. Algazarra é confusão, mas as pessoas ignoram as palavras antigas. Elas acabam caindo em desuso por pura preguiça e preconceito. Isso faz com que nse usem cada vez mais palavras usuais nos textos. A pobreza em nosso vocabulário vem de posturas como essa. Ou passamos a usar nossas palavras mais ricas e mal aproveitadas ou iremos todos comer capim.
Agarram-na pra retirar do recinto. Tudo voltou a paz de antes. Os conselheiros aproveitaram para rememorar aos ouvintes as regras para participar da palestra: todas as perguntas têm de ser escritas nos papéis entregues previamente pelas moças de creme. Quem não tivesse os papéis que ficasse calado ou que se contentasse em ser ignorado. Educação é disciplina. Disciplina e moderação. O mundo de hoje tá essa zona por que as pessoas não sabem se moderar.
Lá fora a puta gritava.
Na apresentação com o powerpoint o laptop travou exigindo a sua reinicialização. No processo de boot, porém, o palestrante se enrolou com a senha de acesso ao Word ("quem criou essa porra?") e ficou impossibilitado de expor as próximas 20 telas que ele ficou a madrugada toda montada com auxílio de seu primo designer. Humilhação. Algum burburinho na platéia contagiou a galera ouvinte e a platéia que antes tava muda soltou gargalhadas. O palestrante ficou tão constrangido, tão nervoso que teve uma convulsão e vomitou no palco. Amparado pelas moças de creme foi levado para fora. Terno de linho escuro todo fedendo a bile. No impulso incontrolável do vômito derrubou o laptop maçãzinha no chão. Não se sabe se por acidente ou vingança.
Palavras de ódio foram proferidas pelo alemão empresário. Ninguém entendeu. Foi o momento de maior introspecção.
A palavra foi devolvida ao mediador da mesa que não estava nervoso até avistar na platéia a pessoa que mais odiava neste mundo. Levantou-se na mesma hora e gritou para ele se pusesse para fora do recinto. Enquanto a segurança saia da imobilidade, ainda pudemos curtir a troca de xingamentos. Seu filhadaputa!!!
Nessas horas sempre tem um hipócrita que desliga o microfone. Grandes merdas. Como hapenning fica mais expressivo pois a pessoa profere seus xingamentos a capela sem o efeito estereofonico. É um show que põe a prova a eficiência acústica do local.
Um sucesso. Saímos da palestra. Foi servido um buffett. A platéia sem cerimônia comia tudo reclamando muito do evento é óbvio e também da comida.
Não tendo mais o que fazer, voltei pra minha casa, tomei banho, escovei o dente, liguei o comp e escrevi esse texto.

sexta-feira, novembro 19, 2004

O Incrível Homem-Fêmea

Pedro Prado e seu nome ridículo foram picados por uma mulher radioativa.
No quadrinho principal vc vê a mulher nua de peitos duros balançando violentamente (as linhas de movimento salientam esta situação). Ela emana um brilho amarelo. A classe de jovens olha atarantada na sala científica. Pedro Prado e seu nome idiota estão no caminho da mulher radioativa (dum balão de pensamento vc pode ler: "Céus! Aquela louca... Vem em minha direção!").
Na página seguinte vemos a mulher se atirar sobre Pedro e morder-lhe a testa. O quadro seguinte é uma verdadeira marca desse artista singular dos quadrinhos. O mundo roda numa espiral preta sobre fundo violeta, no cantp esquerdo está a cabeça gritante do jovem que parece girar. No centro da espiral (vejam só que maravilha) está uma boca carnuda de mulher. Ele pode não desenhar bem mas eu acho foda.

O jovem acorda no hospital cercado por seus familiares e amigos de faculdade. "Vc está bem?"
Esteve em estado de coma profunda por duas semanas e agora acorda como se nada tivesse acontecido. "O q houve?" - pergunta o pós-convalescente - " Me sinto ó-ti-mo." Esta ênfase no ótimo chama a atenção do grupo. Mas as transformações, como veremos nas páginas a seguir, foram beeem mais profundas que isso. Prossiga, caro leitor.

"Uma das cientistas do instituto de pesquisas enlouqueceu após ficar exposta acidentalmente a um raio brainiac. Felizmente, ela foi abatida por um guarda antes que picasse outros pobres inocentes."
"Vcs... a... mataram????" - Pedro diz com seus olhos cintilando...
"Mas... claro. Tratava-se de uma louca radioativa."
O quadrinho se abre para uma tomada geral... dramática... Pedro Prado chora copiosamente. Mas primeiro um choro contido, interno e sentido frgamentado em uma sequência sublime de closes em quatro retângulos estreitos, temrinando com o quadro grande onde o jovem desaba em prantos molhando a colcha da cama e abraçando sua mãe: "pq o mundo dos homens têm q ser tão covarde? não bastava simplesmente vcs tentarem desacordá-la?" Pedro emenda com um grito indignado e feroz: "Criminosos criminosos criminosos."
Todos ficam atarantados...
Pedro Prado ainda não sabe. Mas, naquele episódio nefasto, assumiu incríveis poderes que vão mudar sua vida e presentear o mundo com o mais improvável herói já criado pela indústria do entretenimento: o Homem-Fêmea.

Daí a poucos dias, ele passaria a viver incríveis aventuras defendo a humanidade contra a insensibilidade e a falta de objetividade dos homens. Mas também conheceria a paixão ao se defrontar com sua maior inimiga: a ardilosa She-Woman, a Mulher de Aço.
E é assim, amiguinhos, que vemos nosso Homem-Fêmea agarrado à Mulher de Aço e dando a ela uma pequena lição de feminilidade ereta mas... o q é aquilo na mão da vilã??? Putz... Por essa ele não esperava. Cuidado Homem-Fêmea.

Bom... É isso aí... Aguardem o próximo episódio do incrível Homem-Fêmea.

Caixa Preta em Tempo Real

Daqui t ouço.
Daí me vês.
Daqui pergunto.
Daí respondes.
Daqui t toco.
Daí me 'tambéns'.
Daqui me apresso e pego um trânsito. Dos diabos. Putz. Enfrento a barra de Copa ao meio-dia pra voltar pra fresta quadrada onde me arrasto e espero por t.
Daí c chega e pergunta o tempo que eu nunca sei se está bom.
Daqui me esquivo dos diretores e dos guardas da prisão. Eles rondam tossindo a noite inteira com problemas de pressão. Pressão. Fui flagrado olhando pela fresta, fudeu...
Daí me escreves. E trazes os saquinhos de chá pra tomarmos assim, ó... mó.
Daqui aguardo ansioso a próxima visita. É meu querido banho de sol no pátio.
Daí me trazes a lima dentro do bolo. Olhas prum lado e pro outro e t vai... d volta.
Daqui eu desgasto a grade. A boa e velha grade d todo dia. Eu tiro dela mais metal que sangue das minhas mãos. Quero esta puta bem fina. Escondo o pó dentro dos sacos de mó guardados no armário.
Daqui eu fujo.
E daqui eu chego aí.
E daí... a história é outra.
Bom, daí já não sei mais. Té amanhã. T. chau.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Pequeno Histórico de Meus Problemas Mentais

Acho que eu tenho inveja, doutor.

Os diplomas todos palmilhando a parede indo juntos quase até o teto. Vai se fuder. Ninguém pode ter tanta formação assim. Os doutores se levantam. Os doutores andam. Os doutores apertam-se as mãos cirurgiãs.
Sou matéria. 10 graus abaixo na hierarquia do consultório. O orifício de entrada do bastão metálico no rêgo da bunda que senta na sala de espera é a base dum corpo no meio de ouvidos com asas voando ao som de Ray Connif e Kenny G. É por isso que meu nome é paciente. Pq eu espero.
Vamos ver quem é o paciente agora.
Encachaço essa porra pontiaguda em suas costas quando ele se levanta pra mostrar um relato de caso semelhante ao meu na página 55 de seu livro profilático preferido. O doutor de branco passa a vermelho_ vermelho que vai virando um continente_ continente de mapa que lembra muito a finada uniao soviética_ uniao soviética que agora se fudeu em coca-cola.
O doutor me pergunta porque o doutor me pergunta porque mas eu não sei dizer. Eu não sou médico e desconheço ainda o mal de que padeço.
Lhe puxo pela gola branca batomzada de sangue e sou eu quem pergunta: "Porquê?".

Máquina de Sexo Satânico

Acionada faz um ronco. O ronco cresce. É alto e preenche o quarto.
Comprei. Podem criticar. Podem dizer vcs seus pulhas que eu sou uma pessoa carente.
Do meu dinheiro cuido eu. Décimo-terceiro está aí pra isso.
Acionada, a louca me puxa e me agarra pelas costas.
Desgraçada.
A desgraçada é minha desgraça. Me puxa. Vejo essa cena mil vezes. Ela grava em um formato novo de video seus movimentos macabros e injeta as imagens em velocidade animal dentro do meu cerebelo. Tu te reteza quando ela entra em ti. A figura é ilustrada no manual. Page 6-1. É tudo imagem... Por enqunato. Depois ela acaba contigo.
A máquina. A verdade é que ela foi proibida. A tecnologia foi longe demais desta vez.
Atômica. Ela arrasa. Ela mata. Penetra. Gozas com ela. Gozas nela. Te puxa. Ela repete a cena quando sente que aquilo te excita. É filhadaputa. Repete e repete e daí faz outra coisa. A onda dela é a seguinte: te cercar de sexo aderente sangue-suga. Ela te chupa.
São seis braços que te puxam. E se parecem duros tentáculos metálicos, não são. São macios e quentes. Seis braços como os de Shiva. Então é por isso, descubro, este é o modelo Shivademon 600. Uma vagina para cada extremidade do seu corpo. Pênis em outros cantos. É para matar gregos e troianos.

(outra hora, continuo, chega... encheu...)

A Lista da Agenda Preta

Comprar um carro blindado.
Pintar as grades da casa.
Entrevistar o segurança.
Ligar para a operadora.
Xingar a telefonista.
Trocar de celular.
Beijar Maria na testa.
Beth. Beth. Beth.
Devolver a arma ao governo.
Pegar Beth no Centro.
Levá-la praquele lugar.
Comê-la imediatamente.
Comprar um gift pra Maria.
Deixar os kids com Maria.
Enchê-la de gadgets.

Beth. Beth. Beth.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Peter Sellers Blues

Ga-iaaaa-to.
Assim ele era. Assim ele ééé. Inconspícuo (existe isso?). Não não não. Ra-ra-ra. Siniiiiiistro. Os de alma preguiçosa, ih, esses são os que se movem mais. Vaivendo.
Trapalhão. Sorrindo sem jeito. Amarelo e acanhado. E sempre, sempre, sempre... Atrasado.
Eis o que sempre é o último a chegar na festa. Lembra, mina, lembra? Chegou depois que terminou o show. Mas ele tenta, ele tenta... Ele tenta, viu?. Não há dúvida.
O rapaz até q é... es-for-ça-do. É mole?
Disfaaaarça... Ele fez de novo. Perto dela meteu os pés pelas mãos. Falou bobagem. Não ria ainda. Ele é assim mesmo... Um sujeito enrolaaado...
E ela?
Ga-iaaa-ta. Fez troça e disse um trocadilho que o deixou no ar. Máaaa. Ela é máaaa... Mó pilha. Mó. Mó. Mó. Ei, espera. Não vá ainda. Veja só o q foi q fez nosso herói depois.
Ela sorri dele, ele pisa e solavanca... bate com a testa na parede. Siiim. Acredite. Ele existe e está aí do teu lado.
Ela ri enquanto ele pega o ônibus errado. Divaaaga. Só descobre o mico quando já está do outro lado da cidade.
Q puxa. Um mix?... de Charlie Brown com Petter Sellers... Mister Bean de Jesus Cristo... Harold Lloyd com Cantinflas... Didi Mocó com vestes grunges, chinelão ou até descalço.
Descalço... quer mostrar sua firmeza e o amor à natureza mas, ai... no parque, arranca risos pisando em matinhos assassinos que espetam... Beeem malvados. Caraca. Viiixe. Aíii...
Cada plano seu é uma confa onde se enrola, enrola os outros, não dorme nem deixa os outros dormirem, acorda pessoas na madruga pra dizer q tah fudido e apaixonado.
Figuuura.
Ouve a música e pira. Na hora de beijar a guria, erra o alvo e acerta sua narina mas taria valendo se virasse um pouquinho mais pro lado. Chapado.
E ela???
Desconfia. Ela tem o dom do tempo. Sentiu a tentativa mas respeita o sinal e quer mostrar pra ele um caminho menos, bem menos, amargo.
Ele? Hmf... Não enxerga nada, se joga na cama, espalha bilhetes pela casa... foge pra rua. Sim. Pra dar um tempo dela ler qndo chegar... dele voltar e ouvir o veredicto... o tão temido re-sul-ta-do.
Ela?
Vai pro trabaaaalho. Estressada em pressa. Sem saber de nada. Mil problemas na cabeça. Veja só. Ele sai também. Muito depois. Vai para a rua. Vai para a praça. Pára por lá e se molha. Começa a chuva. É... Deus escreve sua comédia em linhas tortas e adivinhe quem é o azarado? É. Toooodo molhaaaado. De saco cheio. Volta pra casa em passo lento e pensativo. Rum-rum. Siiim. Preeeste atenção. Pq, demorado e melado... volta pro prédio. Se perde em chaves mas abre a porta enfim, escuta a porta assim (com a mão no ouvido como um cartum de Tex Avery - o rei o rei) e imagina histórias... sim. Entra na casa... iiih. Está furtivo. Assim como um cão ladrão q desconfia q vai levar uma coça do seu senhorio. Nada. Silêncio. Apê vazio. Ela ainda está no trabalho.
Ra-ra-ra
Se senta com
Cara de bobo bom
Não sabe se
ri ou se chora e
Na dúvida vai dormir
deixando as
cartas na mesa ih!
Não dorme.
Só pensa nas
Possibilidades
Dúvidas
Problemas
E
Ouve a chave
A porta. As cartas.
É ela. O peito dispara e ele diz: "pára" (foi mal o trocadilho).
Ele sai do quarto. Ela entra na sala. É simultâneo. Se encaram em susto.
Ela: "Tudo bem?"
Ele: "Tuuudo bem."
De novo.
Ela: "Tudo bem?"
Ele: "Tuuudo bem."
Ela se vira e tranca a porta. Ele estatela em pé, avista as cartas em cima da mesa. Mó mico. Mó ga-ia-to. Mó mó mó.
Ela (branca): "Tá tudo bem?"
Ele (pardo): "Tuuudo bem."
Ela se rende e vai tirar da secretária os seus recados.
Ele? Apanha as cartas. Num impulso troncho e covarde as esconde no bolso da calça qual um flagrante que se esconde do PM.
Ela? Olha pra ele e dá de ombros. Nem vê bilhete qualquer. Como se diz no Rio: "o flagrante foi malocado".
Ele? Olha pra ela e baixa os ombros. Fica calado.
Ah Peter Sellers.
Ah Oscarito.
És mesmo um sofrido sujeito engraçado.

Saem para comer. Ela falando. Ele calado. Ela encontra amigos e ele engole a língua. Bah. Ela animada. E ele? E ele nada. Perdeu playboy perdeu.
Mas amanhã, ele pensa: "eu tento de novo". Capaaaz.
Perdeu de novo. Ela veio e mostrou o jeito certo.
Ele? Cara de bobo.

Êita incorrigível sujeito engraçado.

terça-feira, novembro 09, 2004

Adeus ao Mundo Superior

Bem-vindo ao Mundo Superior - me diz a asa.
Azul em cima, branco em baixo.
Um gigantesco mundo de algodão. A asa recortada em luz por sombras roxas de si mesma. Brilhantissimo quadro de luz que ofende o olhar e deixa a íris turva.
Eu e mais 100 no avião.
As formações de nuvens se espraiando que nem um mar virando areia e virando montanhas enormes nem um pouco ameaçadoras. Convidativas até, pq não? Convidativas chamam pra habitar onde ali a população é zero. Se eu caisse... imaginei que meu corpo quicaria no fofo umas 7 ou 8 vezes até poder ficar de pé e andar. Eis o Mundo Superior que avisto lá embaixo.
Vai tomar no cu eu e todo o resto se esse mundo de agora não é o mesmo de milênios atrás.
Uma cultura baseada no lento. Deslizante... Caramujos albinos... E o azul.
A asa se oferece em sacrifício. Pq quer assim. Se parte e é lindo. Em câmera lenta para mim. Ela se parte e é assim: meus olhos marejam; rodopia e se eleva a barbatana de metal maravilha iluminada pelo sol, cintilando tudo, alternando brilhos. Rodopia e vai... Para o alto e logo para baixo... do avião se despede e segue em outra direção. As nuvens fofas nos aguardam tênues e pacientes. O sofá de deslizantes massas aguarda a entrada do pequeno abrigo metálico que desce. Dentro, nem me ouço e nem os ouço também.
Risos e preces. Bocas abertas. Borracha e fibra. A maravilha da tecnologia. A desesperança recompensada com a morte convergente. Eu e uma capa da Carta Capital. Eu e meu fone de ouvido. Eu e a máscara que desce. Eu e uma turbina pendente. Eu e o copo do suco de manga light caindo em meu colo. O etéreo som de um rock muito sujo e lento no ouvido. Descida. Se acelera o andamento em atraso com a realidade. O som que ouço será da música? Será de fora? A asa partida se despede. Longe longe, é engolida por nuvens. Só eu vi essa cena? Só eu?
O avião rodopia. É sua parte na dança.
Rodopia mas entao acha um prumo reto e vai. Me vejo de fora. Me vejo distante. Assistindo o silencioso encontro do avião com as nuvens do céu. Penetra. Não quica. Lá dentro, uma pintura de Pollock. Indiscernível mundo de sons e imagens. Gente e teconologia aeronáutica jogadas selvagemente sobre uma tela de pânico improviso.
Lá fora... As entranhas do Mundo Superior. Camadas e camadas de cinza. O rugido. A casa trrrreme. O mmmmunnndo trrrrrremmmmme. Tttttttudo trrreme nas entrrrranhas trrreme.
Estamos sob o mar ou sobre a rocha? Ouço eixos que se partem. Coisas que se partem. Não as vejo. Mas sei que se partem. Não as vejo pois só tem um imenso quadro de Pollock à minha frente.
Existem crianças aqui dentro. Algumas não choram mais.
Existem velhos espalhados pelo chão. Já existem corpos que brincam de pular do chão para o teto, do teto para o chão. Me sinto alheio. Me sinto assim, ó, com a loucura. Me enterneço com marido e esposa mortos abraçados esmagados entre poltronas suicidas.
Meu assento é um lar. É um ninho.
Vuchhhhhhhhhhhh. Me enterneço. O rugido é ainda mais alto e trovejoso, tudo em crescimento, o mundo corre, minha cabeça atirada pra trás, quebra-me ao estalar meu pescoço quebra-me ao tudo não morro e não me deixo morrer sem antes ver minha ultima visão que é um som com forma
matéria pura matéria pura
explode água lá na frente em gélido gozo oceânico
invasão de mar_ de bolhas_ de tripulação
mecanismos
a água encontra seu lugar
bóiam corpos alguns gordos alguns magros
corpos de ternos
manchados de sangues deles e de outros
poltronas antes tão firmes se tornam brinquedos de partir
cenografia exclusiva de filme de monstro japonês
minha vista fica turva novamente
escurece em água
se acoberta em frio


Bem-vindo ao Mundo Inferior.


sábado, novembro 06, 2004

Assim...

Sentado sobre o caos.
Sentado a frente do caos.
Mas nunca sentado acima do caos.

"não se resolve um problema com outro não se resolve um problema com outro não se resolve um problema com outro não se resolve um problema com outro não se resolve um problema com outro"

Repitia apático sentado
à beira do caos sobre o caos
nunca acima

então resolveu ir para dentro

agora, sentado dentro
nunca fora
dorme, ama e trabalha
nesse lugar aprazível.

quarta-feira, novembro 03, 2004

A Matilha

Um grupo que se autodenomina 'A Matilha' não pode ser composto de pessoas agradáveis.
Não é mesmo?

De fato, Peterson sabia onde estava mexendo. Um vespeiro que ao menor movimento acionaria a mais absurdamente cruel máquina de assassinos. A Matilha é uma escola. A Matilha é um sepulcro. A Matilha é onde o que nasce bom se torna horrendo e o que nasce mal tem medo de si mesmo.

Muitos estudiosos, acreditando ser uma lenda, tentaram descobrir o tanto de realidade e o tanto de carochinha por trás da biografia do grupo. Muitos estudiosos atestaram a veracidade do horror com suas mortes. Mas Peterson não era um estudioso. Era só um cidadão. Na verdade, nunca se interessara por romances policiais nem por noticiários de crimes. Ele só queria uma coisa muito simples... Saber do seu filho.

Muitos pais abandonam seus filhos quando eles se tornam parte da Matilha. Os técnicos da polícia - os agentes - recomendam que se dê como morto. Uma vez no grupo não resta nada do que foi o elemento. O elemento é só parte. É só um assassino. A alma abandonada resseca e some. Assume seu lugar um novo ser, nada parecido com o que se foi mas uma cópia idêntica dos fiéis membros da Matilha. Por isso, recomenda-se aos pais, esquecer...

Peterson não esquecia. Nem tentou. Na entrevista com os agentes mentiu. Sim, ele até queimou todos os retratos do filho (os vestígios de sua existência anterior). Sim, ele também destruiu brinquedos: o velocípede azul, a girafa de plástico, o caderninho do colégio. Recomenda-se isso pois fica mais fácil eliminar laços afetivos a partir da desintegração da memória visual. As despesas saem por conta do Governo. Está na cartilha.

Peterson e Mary queimaram tudo. Em cumprimento à lei, nomearam testemunhas que assistiram caladas ao ritual do esquecimento. Nenhum choro. Peterson não chorava. A temida escola de assassinos raptara seu filho mais novo e mais puro... e ele não se permitiu uma lágrima.

Peterson. 45 anos. Técnico em eletrônica. Pai.

Um nome no jornal pode dizer muito a uma mente que procura. O agiota recebeu Peterson com um sorriso que murchou rápido diante da frieza do homem. Não havia muito o que dizer mesmo. Agiotas têm no sangue um veneno. Pouco importa a vida. Pouco importa a família, a moral e até mesmo o medo da punição. Esse veneno é sua ruína e seu vício. Esse vício é dinheiro. Notas frias, novas como ele exigiu, depositadas em cima da mesa substituíram a frieza de Peterson Pai. A lingua da grana é o esperanto dos agiotas. Apanhou-as e pagou com um papel. Papel escrito e repleto de nomes. Cada nome um numero. Um telefone. O começo da busca.


A Receita do Sucesso do Dr. Inverso

Para não me tomarem por bobo, fui babaca.
Para não causar confusão criei uma quizumba.
Para não ser mal, fui escroto.
Pra não machucar, machuquei.
Para não dar merda, caguei.
Fiz tudo errado para fazer o certo.
Me enrolei e desenrolei e não satisfeito piorei a coisa. Fiz, desfiz, refiz. Morri pra nascer e matei pra deixar viver. Uma confusão dos diabos. Um nó górdio. Nunca se viu igual. Faça uma tese.
Em cima do laço. Na prorrogação do segundo tempo. Chutando a bola no improviso planejado. Inaugurei o instinto racional e a confusão construtiva. Fui parar onde eu queria fazendo o que não queria. Magoei quem eu não queria. Recorri a auto-ajuda só pra seguir tudo ao contrário. Pensei pacas, usando a desrazão.

O mais foda é que deu certo.

Calma. Depois te conto essa história.

sábado, agosto 28, 2004

O Golem

Ela veio como um bólido... Para se chocar com a minha vida e tirá-la do eixo e de sua trajetória normal. Me levou com ela pelo espaço que parecia infinito. Até o dia em que me desprendi dela e me vi a deriva... solto no nada. É o nada que faz o espaço infinito.

Acordo cedo e continuo minha obra.
Desde que ela se foi pra viver a sua vida, eu executo minha obra.
Inspirado pelos mestres do passado, peguei minhas mágoas e de posse de meu ócio tramei um plano. Que de papéis e borrachas, de disquetes e cds, de vidro e de metal eu contrua meu robô. Que em sites obscuros indicados por perfis que desconheço eu descubra a fórmula que dá vida a uma criatura sem carne. Eu consegui após mais uma noite sem sono baixar um arquivo que durou 6 meses para vir totalmente. Extraí desta maravilha, a fórmula oculta para fazer a concepção maldita. Deus tenha piedade de mim. O que um homem não faz por uma companhia.

Meu primeiro robô levou 1 ano para ficar pronto. Da primeira peça catada no lixo até que seus olhos vidrados brilhassem e de sua garganta maldita ele emitisse seu primeiro suspiro. 10 de março. Cumpriu-se a promessa do arquivo sinistro. A cabeça era desproporcional ao corpo e a menmte também. Chamei-o de Luni.

Luni emitiu um guincho semelhante a um ronco e eu ententi que aquilo era um berro. O guincho não parava e se transformou em um som mais agudo como de guitarras distorcidas. Tive a que baixar o volume de sua voz. Seus olhos brilhantes me seguiram.

Luni, ande!!!

A almejada criação deslizou a pesada perna de restos para frente. Para a frente!!!! Eu gritava e urrava. Era eu pai e de um filho pro download. Meu. Feito de meus restos. Feitos dos meus ressentimentos. Rico em peças que nunca usei ou que achava na rua para usar um dia numa obra que agora finalmente sei qual é.

Luni. Luni. Luni.
Me tornei um pai apaixonado. Orgulhoso de seu filho monstruoso que andava pela rua e atraia a atenção de todos. Andar com Luni exigia-me paciência pois seu pobre corpo de lixo não tinha estrutura para sustentar-lhe. Muitas vezes lhe caiam coisas que alguém ia pegar. Sem problema, depois em nosso lar eu arranjava algo que substituisse.

Só rezava para que de todos os restos em seu corpo nenhuma peça nenhuma foto nenhuma lembrançinha dela se perdesse pelo caminho.

sexta-feira, agosto 27, 2004

Ficção Científica

Podendo se jogou daquele prédio.
Deveria morrer mas não morreu. Foi capturado antes disso.
Foi puxado por um raio-trator que é um habilidoso feixe de cargas tensoativas que (pasmem) reordena a trajetória dos elétrons e (não me perguntem como) estabiliza ions modificando assim a estrutura do ar, ou seja, ele cria uma subdimensão de bolso.
Ele não sabia de nada disso. Tudo que queria era morrer mas quis o destino, a sorte e falhas de comunicação Terra-Ômega 1 que as coisas fossem assim. O raio-trator o espancou de cheio e ele desmaiou no ato qual quem leva um choque (elétrico) muito forte e repentino e cai no chão que nem saco de côcos. Ponto. Outra linha. Terceiro parágrafo.
Acordou numa sala clássica de sci-fi e obviamente estava só. Mas não saia do lugar que estava, e estava no chão, porque sentia seus braços e pernas imantados por uma força invisível mais forte que seu instinto de fuga. Pas-mou de ver entrar na sala de prata dois vultos alongados e de cabeças fornidas saindo da luz da parede e andando no chão sem tocá-lo, no entanto, obviamente.
Vai vendo.
Ergueram seus braços fininhos. Ele estava na frente. Sentiu seu corpo tremer. Seu esfincter a dilatar. Dilatou até doer. Doeu até chorar. Seu esfincter dilatou e ele estava de quatro agora então. Lhe viraram de dentro pra fora e ele não sabe como não morreu. Um puxão no diafragma. Um gelar no intestino. Sair. Sair. Estava se despregando do lugar, com toda certeza. Mas se soltava e andava como uma lesma a deslizar em direção do reto atarantado. Vai sair. Vai sair. Saiu seu intestino. Grosso e delgado. Depois fugiram-lhe o estômago, o pâncreas e o fígado. Ele nem tinha moral de trazê-los de volta. Mas também não lhe deram o direito de morrer. Seu cu pariu muita coisa que estava com ele desde que nasceu. Saíram-lhe ainda o miolo da cabeça e o coração que brigaram entre si, se espremiam e se batiam na desesperada vontade de luz.

segunda-feira, julho 19, 2004

Ela é de zorba e eu de duloren

Tenho usado as calcinhas dela e ela tem usado minhas cuecas.
Foi uma decisão mútua, ela insiste em dizer. Mas eu digo que não, pois fui eu que começei a porra toda. Ela diz que não tem nada a ver... e fala assim: cala essa tua boca, bobão.
O negócio é que eu já vestia as calcinhas da minha mãe aos 15 anos. Grande pra caralho. Que porra ridícula um adolescente magrelo... pq naquela época eu não tinha esse barrigão e ainda odiava cerbeja. Vai pra puta q te pariu como eu ria na frente do espelho me vendo dentro daquela barcaça de pano. Se dava dois passos pra frente a calcinha escorregava pelos cambitos... então, pra manter a bicha no corpo, eu tinha que pressionar as pernas ficando mais patético ainda. Mas ela vem com esse papo e me diz sem ter provas que à noite quando havia sono no quarto dos pais ela ia até a área onde se se penduravam as roupas e de lá tirava cuecas. Fez isso numa época em que ainda nem tinha pentelhos. Veja só. Uma adolescente magrela vestindo as cuecas do pai. Isso tudo são lembranças - tendo provas ou não. A prova do passado pode ser o que se faz no presente? Vá lá q seja... mas também cagamos e andamos pra isso. Ela veste zorba e eu visto duloren e até hoje ninguém sabia disso. Parece uma coisa infantil... e É!!! Íamos nas situações sociais, muitas vezes ela na frente e eu logo atrás. Apertando as mãos dos convivas e dando tapinhas nas costas. "Oi tudo bem?" Distribuindo beijinhos nas bochechas e falando coisas legais. Ninguém suspeitava até então da nossa pegadinha covarde. Pros convivas devia ser muito do nada que batíamos altas risadas no meio da festa com todos os parvos olhando pras nossas caras. Caras de pau nossa. Caras de cu deles. Eu ria de chorar e ela de soluçar. Existem mulheres que quando perdem o controle do riso começam a mandar uns soluços nada a ver. Puta q eu ria ainda mais. O hábito virou mania e não tinha festa, reuniãozinha, encontro e/ou programa que não fossemos trocados de sexo por dentro. O constrangimento dos outros era cada vez maior... pior, eu diria. Começaram a achar que éramos doidos... não sei... só sei que paramos de ser convidados pros convescotes e até mesmo para casamentos e enterros... e, quando, depois perguntávamos "pq não nos chamou?", o fulano ou fulana dizia "puxa, esquecimento, desculpe". Era coincidência demais ver que tanta gente nos "esquecia". Mas, também, olha, não conseguimos mais mudar esta mania. Eu acho calcinhas bem bacanas e tenho procurado estudar os tecidos. Ela idem. Outro dia na loja americana ela viu uma cueca que nela ficou muito linda. Dessas meio enormes que lembram as calcinhas da mamãe. Fomos no provador da LA e ela me disse: "nossa como é confortável esse modelo". "E fica bem em vc" completei. "Mas e vc? Não vai levar nada?" "Pô... Não vi nenhum modelo da cor que eu queria". Mas por intermédio da minha parceira levei uma vermelha furadinha muito bonita... Meio apertada e escandalosa mas ela gostou. Pois bem, amigos, desculpem as risadas que demos em suas festas sem vcs saberem por quê. Foi uma coisa covarde, reconhecemos. Sabemos que vcs vão compreender a situação. Do mesmo modo gostaríamos de convidá-los para uma reuniãozinha, encontro, programinha, convescote em nosso lar. Será um prazer vê-los em nosso apê, de novo após tanto tempo afastados. Para evitar constrangimentos não vamos usar nada por dentro. Até mais. Beijos.

quinta-feira, julho 08, 2004

Desafios. Auto-exame.

Desafios

Trouxeram o mímico pra festa.
Uma marreta também.
Marretaram suas mãos e pediram que imitasse um frentista.
Foi hilário o jeito como ele imitou a mangueira.
Aplausos.

O melhor judoca da escolinha.
Vendaram seus olhos e pediram q andasse pela sala. Foi grande a desilusão do mestre quando viu que o menino não evitou os pregos no chão. "Onde está seu conhecimento shao-lin?"

Escultor rebelde fez obra gigantesca.
20 metros. Cinco anos para concluir.
Ao lado, o Palácio do Governador.
No dia da inauguração apertou um controle e a obra implodiu, soterrando todos. Morreu mas entrou para a história inaugurando a terror art.

Escultor já velho e decadente.
Conheceu dias melhores.
Mandou um quadro para o Governador.
Cinco meses depois o quadro explodiu causando baixas na administração.
Seu autor está foragido. Entrou para a história inaugurando a Bomb Art.

Arrancaram a língua do mímico.
Veja só. Pediram q imitasse um assalto.
A parte mais engraçada foi quando ele passou a carteira.
Aplausos e gritos.

Dois mil e quatrocentos piercings no rosto.
Todos furados ao mesmo tempo.
Ficou cego. Foi sua mãe quem leu as manchetes para ele na cama do hospital. Depois, dormiu.

Tomou 20 comprimidos de Viagra de uma só vez.
Morreu mas entrou pra história com a mais duradoura ereção post-mortem do mundo.

Imitando um rato, o mímico criativo fez o povo rir.
A língua era o queijo e os dedos cambaleantes, os dentes.

O pupilo se atirou do alto do promontório e o mestre e os outros alunos o viram se estatelar nas pedras do mar. Mais uma vergonha para o mestre shao-lin.

Atiraram 150 utensílios de informática pela janela esmagando vinte pessoas e ferindo umas dez. Vigésimo sexto andar. O processo foi filmado e será objeto de uma palestra sobre "movimentos transgressores do séc. XXI".

O mímico sem braços agora imita um praticante de esqui.
Dona Gerza, a mãe, chora... e ri com o talento do filho.

Invadiram o prédio e atiraram 150 crianças pela janela como manifesto contra a fome e a miséria...
O mundo parou. Na reunião de cúpula da ONU tomaram uma decisão: impedir a entrada de crianças nos prédios comerciais.

Agora o mímico imita um carpete.
Arranca lágrimas da platéia.
Foi seu último número.


A Rainha do Auto-exame

Esta é a história de uma mulher... uma brava mulher que percebendo os descaminhos da sociedade subserviente às máfias da saúde luta bravamente para se automedicar.

Ginecologistas. Que raça... Sempre os mesmos problemas. Custos altos quando fora do plano. Dentro do plano vc encontra confiança? Mulher, vc confia no ginecologista q te atende? Existem, é claro, bons profissionais. Existem. Si. Ó Sim. Existem. Onde estão que eu nunca os encontrei. Pois se começam bem terminam mal. Eu não quero nenhum pulha me manipulando com seus patos de aço inox. Um alisava minhas pernas e dizia pra relaxar. Dedos nas luvas de corpos com faces que escondem objetivos lascivos e cruéis. Chega. Ela não quer mais isso. Ninguém mete a mão ou outro troço qulquer na minha vagina. Ninguém além dela.

Do homem das televendas teve que ouvir a ameaça deslavada: "a senhora prefere então ser atendida pelo sus?". Agitou-se de ódio do outro lado da linha. A orelha se avermelhou e tinha ganas de matar. Desligou o telefone na cara do sujeito que ainda tentou lhe convencer que o melhor a fazer era mudar-se para o plano com a maior cobertura do Brasil. Era isso ou ir pro Saúde Zero. Na terceira tentativa do telechantagista respondeu: "então amigo, farei meu próprio exame. vai à merda." E dito isso saiu do plano.

Comprou coisas q só deviam ser vendidas para doutores. Comprou com a benção de Jerson, q é assim no Brasil q tudo se consegue. Metais brilhantes e novos, espelhos. Tava doidinha pra usar. Com as economias que fez com a mensalidade que deixou de pagar foi montando seu consultorio particular. Inaugurou o "quarto do exame" sozinha, como tinha que ser. Botou uma música bem JB FM.
Principiou-se ali os trabalhos.
Pernas abertas, roupa branca. Uma bela e confortável cama. persianas chinesas.
No primeiro exame parecia tudo normal com a xereca. Carnes róseas e molhadas mas a princípio bem lisas. Era desconfortável. Isso era... mas menos constrangedor do q nos tempos de plano.
(continua depois)

quinta-feira, junho 24, 2004

A Sina de uma Paixão

- Muito bem Frederico Augusto, senta aqui do lado do seu pai.
- Tah bem, papai.
- Vamos ter uma conversa séria... muito séria.
- Hã? O q q eu fiz, papai? Se são minhas notas...
- Não. Suas notas estão ótimas... Como sempre.
O jovem Frederico Augusto olhava apreensivo para Paulo Albuquerque, o genitor.
- Me diz. Quero que vc seja franco. Não mente.
- Nossa. O que é?
- Calma. Me diz: vc está fumando maconha, Frederico Augusto?
- Como é???
- Calma. Me responde: vc tá fumando maconha?
- Eu? Eu não, papai!!!
- Não???
- Não.
- Espera, filho. Vou refazer a pergunta: vc já fumou maconha?
- Não, papai. Eu nunca fumei isso na vida.
- Frederico Augusto, não-mente-pro-seu-pai.
- ...
- Olha, presta atenção. Na tua idade, eu subia o morro. Sim. Eu ia no ponto com os coleguinhas da rua e comprava maconha com a mesada que meu pai me dava. Eu te dou mesada, não te dou?
- Dá, papai.
-E pára de me chamar de "papai". Tu tem 18 anos, garoto. Aos 15, o moleque já tem que fumar maconha com os coleguinhas, entende?
- Como?
- Aprende, filho. Aprende essa lição. Seu pai quer seu bem. Amanhã c vai procurar seus coleguinhas e vai nesse endereço aqui. Vai lá e pede uma trochinha... Isso aqui deve dar... Procure um homem... o Cavalo.
- Mas, pap... pai. Meus amigos não são de fumar essas coisas.
- Então, filho, vamos ter que rever com quem vc tem andado. Não pode. Na tua idade, tem que ter amiguinhos da fuzarca. Tem que ir nas festinhas, fumar e beber.
- Que q isso, meu pai?
- Tô cansado, filho, e muito preocupado. Vc só estuda. O dia inteiro. Não pega uma praia. Não demora no banheiro. Não fuma maconha. Não usa roupa rasgada. Não ouve um rock... um régui... É hora de vc fazer jus as nossas expectativas.
- Mas, pai, e o vício?
- Isso é problema pra depois.... A gente bota vc numa clínica... Sei lá. Também vai ser importante pra vc. Mas não sem antes cafungar.
- Ca... o q?
- Cafungar!!! Quero ver meu filho homemzinho. Vai q vc entra numa festa e te perguntam se já cheirou uma rapa e vc diz: "o que é isso?".
- Sim, o que é isso?
- Tá vendo? Tá vendo? Isso é que não pode!!! Vamos dar um jeito nisso. Mas primeiro a maconha. E vê se divide com seus colegas, hein????
- Pai, o senhor está me assustando.
- Assustando o q! Já escolheu uma carreira? Diz pra teu pai.
- Ué engenheiro, pai. Já falei disso contigo.
- Foi ano passado que vc me falou isso. Pq vc não faz artes, filho. Vc desenha tão bem... Ou então cinema... Eu ia adorar ter um filho que faz cinema.
- Mas eu não quero, pai. Eu gosto de engenharia.
- Enegenharia não dá dinheiro e... só tem homem. E quando tem mulher são todas bruacas. Muito bem, amanhã você entra numa aula de violão... Violão não... GUITARRA... Não não BATERIA.
- QUÊ???
- Amanhã vamos ao centro comprar sua bateria, Frederico Augusto.
- Não não, vou falar com minha mãe.
- Pode falar. Já discutimos isso. Joana Antônia concorda comigo... Sabe onde conheci sua mãe???
- Ahn? Onde?
- Num Ano Novo mutcho loco em Vargem Grande. Sol, muita maconha, muito mato, pessoas trepando, dias e dias sem nossos pais saberem onde fomos parar. Eu quero um futuro para vc, filho, e esse futuro começa agora.
- Isso não é futuro, pai. Eu não tenho talento para hippie.
- Não seja idiota idiota. Não estou querendo que vire um hippie. Seu raciocínio é muito limitado. Quero só que fume maconha com seus amigos, arranje uma mina que foda muito bem, suma por uns dias e... ahn, deixe esse cabelo crescer, sim?
- E se eu não quiser?
- Vc já pensou em escrever poesia confessional?
- PAI, responda minha pergunta: e se EU não quiser isso?
- Se vc não quiser?... Então... SUMA desta casa.


No dia seguinte, Frederico Augusto Pilares juntou suas poucas coisas e se foi com os olhos marejados de tristeza. Tentou a casa de outros parentes mas quando estes souberam o motivo de sua saída do lar paterno lhe botavam novamente na rua. Ó, como Frederico vagou... Noites dormindo em bancos de praça. Mas, num golpe de sorte, encontrou uma turma de amigos que pensavam igual a ele e que tiveram o mesmo destino infeliz que a vida reserva aos diferentes. Organizaram-se numa república. Para pagar as contas, Frederico e seus amigos faziam manutenção de micros. Passavam os fins-de-semana assistindo reprises na TV e programas de auditório. O negócio evoluiu para manutenção de redes e no ano seguinte decidiram abrir uma empresa. A empresa cresceu e Fred (como era chamado) teve que fazer algumas viagens para São Paulo para comprar novos equipamentos. Numa dessas viagens conheceu ao vivo Mariana Júlia, uma moça de Bauru com quem conversava pelo ICQ e com quem queria formar uma família. Formaram. No ano em que Frederico Augusto se formou em engenharia da computação, se casou com Mariana Júlia e lá estavam pessoas que até então só conhecia pelo ICQ e pelo MSN!!! Estavam lá: Zoião, DM@98 e, claro, os amissíssimos e virtualíssimos Righ513 e vamp2004 que foram os padrinhos do casamento. Os pais souberam da festa mas resisitiram em ir. Na última hora, porém, cederam à tentação e viram a cerimônia de uma distância segura. Depois pegaram o carro e voltaram pra casa.
Anos mais tarde, alguém bateu à porta da casa de Frederico, no Engenho de Dentro.
- Môzinho, deixa queu atendô. - disse.
Frederico abriu a porta e identificou o rosto já envelhecido de sua mãe.
- Posso entrar, Frederico? - ela disse.
Fred era só orgulho e emoção, já esquecendo todo o revés passado e imediatamente incorporando o garoto de 30 anos atrás... antes da deserção.
- Claro, entra... Entra.
A mulher já idosa entrou.
- Como está pap...
- Morreu.
Fred emudeceu. Ela continuou.
- AVC. Ficou com o lado esquerdo paralisado mas... (choramingando) sempre falava de vc. (desabou no choro).
- Ó meu deus. - falou, já se imputando uma culpa que não tinha - Quer um copo de água com açúcar?
- Não precisa. Onde está... sua filha?
- Joana? Ela está lá dentro. No berço. Nanando.
- Ela tem meu nome.
- Pois é - confessou, enchendo o peito...
- Quero vê-la - disse, repentinamente.
- Claro claro - salientou o orgulhoso papai Frederico.
Foram ao quarto. Uma pequena trochinha de 3 anos dormia no berço oculto na escuridão do quarto suburbano. Joana, a mãe, falou:
- Fred, filho, seu pai antes de morrer me pediu que viesse aqui conversar contigo.
- Claro claro - salientou novamente, sempre emocionado, o bom Frederico.
Voltaram à sala. Fred tentou amparar o corpo frágil da mãe que procurava o sofá. Enfim, sentaram-se os dois. A velha puxou-lhe pela gola e disse assim:
- Sei que tivemos um momento de ruprtura muito forte.
- Ah... isso já passou, mam... - parou meio hesitante e por fim completou, resoluto - ...mãe.
- Que bom que pensa assim... meu filho.
Muita emoção no ar. Os átomos deviam estar se chocando em polvorosa. Um sentimento familiar e aconchegante, muito terno, preencheu aquela sala. A mãe continuou.
- Seu pai estava no leito de morte. Suava e gemia. Chorava também. Ele sabia que ia partir. Apesar do AVC, eu sei que estava plenamente consciente de tudo ao seu redor. - falava e já se emocionava com a lembrança.
- Mãe... Vale a pena relembrar isso? Vamos pensar no futuro agora. Vamos pensar em Joana.
- Joana - ela concordou. - Joana - ela repetia - Joana - ela murmurava. - Joana - Joana Antônia concluiu.
Prosseguiu, como quem pára numa subida íngreme e, tomando fôlego, decidi continuar.
- Seu pai me fez prometer coisas, Frederico Augusto. Seu pai me fez um pedido.
- Um pedido?
- Um pedido para mim e para você. Se ainda queres se redimir com o pobre coitado.
- Me redimir?
- Sim.
O clima aconchegante esfriou. A velha prosseguiu, rumo ao topo da conversa.
- Seu pai tentou para você o melhor e vc se negou. Em seu leito de morte, ele me sussurrou: "Joana Antônia, Joana é a esperança."
- Não estou entendendo, mãe.
- Sua filha pode ter o futuro que vc renegou, filho.
Abriu a velha bolsa, apanhou um velho papel amarfanhado e cuidando de posicionar o velho óculos, velhamente, disse:
- Está tudo aqui, Frederico. Pela letra de seu pai morto: "Perder a virgindade aos 15. Maconha aos 16. Pó aos 18. Clínica aos 23." Por fim, tirou os óculos de leitura, finalizando: "Mais um curso de pintura, teatro ou música". Ela terá todo o direito de escolher, é claro.
- O Quê? Como? Deixe-me.
A velha passou-lhe o papel e Frederico Augusto leu com muita atenção. Lembrando-se imediatamente de Paulo Albuqurque. Sim, definitivamente, sim, aquela era a letra de seu amado porém severo pai. A velha Joana Antônia aguardava, sem desgarrar os olhos de Fred.
- Então, filho?
- Meu deus, papai...
A velha sentia a resistência abalada pela culpa.
- Pense... Este foi o último desejo de um velho agonizante. Pense... Ainda há chance de consertar os erros passados.
O choro veio a seguir numa torrente de emoção embotada pelo percurso transcorrido dos anos.
- Mas... é minha própria filha.
- Por isto mesmo, Fred. Por isto mesmo.

Lá fora, a velha olhou ainda uma vez mais para a honesta casinha e seguiu em desapegados passos até o carro. No carro entrou e o marido a aguardava...
- E então, Joana Antônia?
- Acho q ele engoliu, Paulo Albuquerque.
- Ótimo, vou ligar para o Cavalo.

sexta-feira, junho 18, 2004

A Inspiração.

"Fico preocupada cada vez q leio teu blog.
Eu não sei até q ponto o q vc escreve é uma fantasia tua ou realidade. Aliás, "fantasia" me parece um termo inapropriado em relação a essas histórias. Fantasia me remete a coisas boas.
Juro que não entendo teus textos, ou melhor, o motivo, a inspiração. Que tipo de necessidade te mover pra escrever coisas como "Schmidt"? Vc afirma que está bem e eu não insisto para não ser chata mas sinto que há uma verdade particular nessas suas palavras ácidas. Esse clima é tão pesado a cada texto que nem consigo mais ler. Eu não posso lhe proibir de continuar, só gostaria que vc soubesse que me incomoda... muito.
Ontem chorei ao ler seu último post. Acho até que você escreve bem. Acredito mesmo que tenha algum talento pois o que escreve me toca. Certamente toca outras pessoas também. Mas não creio que haja um toque positivo nisto. Você espalha um sentimento ruim, cara. Você espalha um incômodo e uma melancolia que ultrapassa a simples depressão. Na verdade, estou chorando agora também, por trás desse teclado frio, enclausurada e tensa como teus personagens.
O que te inspira? O mundo louco? Pessoas que não se respeitam? A dedicação profunda da sociedade às coisas imbecis? Você não responde às minhas perguntas então me sinto obrigada a arranjar minhas próprias respostas.
A verdade é que mesmo assim eu não te alcanço, pois sou capaz de assistir aos mesmos programas de TV e ouvir as mesmas músicas que te ofendem com tanta força e passar incólume por elas. Você sabe demonstrar sua revolta muito bem pelo que leio. Bem demais.

Eu não tenho este talento 'fantástico' para distorcer o mundo. Eu não tenho. Já tentei me por no teu lugar mas me recuso a crer que o humano seja tão torpe quanto você o descreve.
Prefiro ter minha própria fantasia e que essa fantasia se ligue mais ao sonho que a um pesadelo ou a uma doença. Acredito no homem e você não, né?
Se eu tivesse a tua verve não perderia meu tempo poluindo as cabeças alheias. É. Realmente, somos almas em choque. Fazer o que?
Obrigado por me fazer ver isso.
Estou indo embora. Pretendo me manter longe do seu mundo para sempre. Te amei. Chega. Fica com esse e-mail. Leia-o... Se quiser, publique em seu blog. Se bem conheço vc, não resistirá à tentação... é o que fará. De qualquer forma, como vc mesmo adora dizer: FODA-SE. Fique com seu inferno.
Adeus."


"Caro Sr. Mortimer(?)

Agradecemos a consideração por nos ter mandado seus textos.
Realmente muito obrigado. Perdoe-nos também a demora em responder-lhe. Gostaríamos muito de responder prontamente a todas as quase 200 pessoas que nos remetem semanalmente suas obras. Infelizmente isso não é possível.
Sobre seu trabalho... Sua escrita tem, em geral, bom vernáculo e bom desenvolvimento muitas vezes até prendendo a leitura. Continue assim.
Infelizmente seus temas poderiam ser melhor escolhidos. Não acreditamos que isso atraia o grande público ou mesmo o médio e pequeno público. Na verdade, achamos sinceramente que atraiam somente a uma parcela de pessoas emocionalmente perturbadas... o que obviamente não constituem nosso público-alvo.
Torcemos para que encontre uma editora com o perfil adequado à sua escrita ou, caso não consiga quem publique, sugerimos que faça uma revisão do seus conceitos. Enfim, é apenas uma sugestão.
Outro ponto: temos recebido insistentes ligações e cartas anônimas de um suposto "fã" de seu trabalho fazendo pressão sobre nossos editores. Por favor, peça a seu "fã" que pare imediatamente com isso pois não cedemos à pressões ou ameaças e que, caso isso continue, seremos obrigados a investigar e a responsabilizar Vssa Sria. pelo transtorno causado por esta possível "criação" sua.

Atenciosamente,

(...)
- Editor"

terça-feira, junho 01, 2004

Brinquedo de vingança. Jasmim me quer com ela dentro do chão. Crise de abstinência. Magia Moderna. O dândi q eu era. Palhacinho.

Sou seu brinquedo de vingança*

1970.
Não fica perdendo teu tempo com esse merda,(...). Vc fica falando e falando e daí vc se estressa, papai. Olha pra ele. Não tá nem aí pra nada. Essa porra já era assim e fumava maconha e coisas ainda piores enquanto vc ainda chupava chupeta. Essa porra comia barangas de rua enquanto vc inda brincava de boneca. Esse traste já pensava em cortar os pulsos quando vc lia Luluzinha. Então me diz, minha linda... Pq amarras tua égua (isso não é nenhuma alusão hein?)sob a sombra escrota desse infeliz? Mas, papai. Faz o seguinte: conheço um rapaz. Um ótimo rapaz. De boa família. Boa mesmo. Deus querendo, ele vai ser médico. Não se sabe que tenha envolvimento com drogas... Se tem também merece consideração pq não transparece (estou brincando). Ele ainda não te conhece mas sei que vai gostar de vc. Vou te apresentar prele. O senhor acha? Acho, minha linda.

Muito bem, Arnaldo, esta é (...). Linda, não? Sabia que vc ia gostar. Ela é uma moça ótima: além de tudo é inteligente... andou fazendo umas bobagens aí se envolvendo com um porrinha qualquer... mas é passado, agora. Não é, minha linda? Vou deixá-los a sós pra se conhecerem melhor.

Maite, te apressa se não chegamos atrasados ao casório de (...) e Arnaldo. Oh estou tão feliz. Eu também, Maite. Eu também.

Quer dizer que (...) vai casar mesmo com aquele goiaba? Pois é, o cara tantas fez pra pegar a menina que conseguiu... E isso também tem obra do pai. Eu não sabai mas ele me odeia e acha que não posso reagir. De fato, deixei rolar a coisa pois... quer saber?... ele tem razão: eu não posso reagir. Deixa q role o casamento. Se eu fizer algo eles me matam mas a dor é grande, cara. Tô morto por dentro. Pô relaxa, cara, vc arranja outra... Ah, se fosse só esse casamento. Vc não sabe... Aquele velho é muito perigoso. Ele me fez nascer só para ter seu próprio brinquedo de vingança. Como? Ele teve o desplante de vir aqui ontem à noite... e me contou tudo. Há vinte anos ele e meu pai gritaram um com o outro. Odiaram-se. Há vinte anos aquele porra mandou matar meu pai, violentou e engravidou minha mãe, viciou a ela e a mim no útero com heroína, adolescente, apresentou-me (...) e criou essa situação. sou dependente dela. Quando viu que havia conseguido veio e a tirou de mim e a deu ao verme. Vc não tem provas, cara. É, não tenho. E agora? Agora?... cara, agora eu sei o que eu sou. Meu vício não tem cura. Minha história é a de uma cobaia. Já pensei em matar apenas ele. Já pensei em matar todos. Já pensei em me matar. Mas vou deixar o tempo correr e esperar a reposta.

1990.
Dia de sol. Muito forte.
Olho pro papel e vejo minha resposta contada por gens. Não entendo como, mas consegui... com um chumaço de cabelos de um velho pervertido. Minhas putas conseguem tudo. Converso com meu advogado: agora seremos eu, meu pai bastardo e este DNA. É hora do brinquedo brincar.

*Argumento para novela das 8

Jasmim me quer com ela dentro do chão

Disse alô à natureza e sentou no chão.
Eu sei do q vc precisa. Ela disse.
Abriu a blusa e deslizou seio.
Não esperou reação e vem cá dum beijo.
Minha mão eu perdi lá dentro era duro e frio.
Agarrou-me a orelha e puxou pra dentro daquela boca.
Me chamou pra morte e eu fui.
Me chamou pra morte e seguimos juntos.
Nem quero saber mais de estrada. Nem quero saber de mais nada. Que mochila o q! A viagem acaba aqui. Vamos os dois subir a colina e subimos. Não era essa a proposta então?
Parecia febril hahaha eu também
Não demora muito voltaremos pro chão.



Crise de Abstinência

Não se sabe se pelo shampoo ou se pelo condicionador, Joana ficou careca.

A princípio, eram poucos fios então não dava pra dizer: putz Joana vc tá ficando careca. Não. A quantidade era irrisória e ela não comentou com ninguém. Mas esse 'irrisório' aí durou um mês. Daí em diante os fios não paravam de cair causando desconforto social.
Como travar uma conversa com uma pessoa cujos fios caem aos montes? O desconforto gerou conversas e as conversas geraram boatos. Boatos sobre doença, é óbvio, pois doença é o que se pensa quando começam a cair os cabelos de alguém.

Boato que é boato ninguém sabe de onde veio e o objeto da história nunca está por perto para assistir os comentários. Então, já que o papo causava desconforto, Joana fez o que fazem as pessoas quando se sentem mal em conviver com os boatos: se isolou em seu apê em Copa. Assistindo seus cabelos caindo e chorando, é óbvio. Chorando cada dia mais, como é de se esperar. Chorando até desesperar-se, consequentemente.

Os boatos só fizeram ficar mais fortes e já corria rapidamente a história do desfecho trágico: Joana havia morrido. Quem começa a ficar careca por doença num boato e um dia some, tem que estar preparado para estar morto no boato seguinte.

Daí em diante a liturgia de Joana foi morrendo nas rodas pq não faz sentido ficar contando histórias de alguém que já morreu. Chega uma hora que cansa.

Como não podia deixar de ser, depois de tanto tempo de autoexílio, Joana resolveu sair de casa. Mas, como o olhar assustado e/ou curioso dos outros a comprimiam, ela não ficava muito tempo na rua. E voltava pra casa, aflita. Chorando, claro.

Pobre Joana.
Bom, por hora não há muito o que contar. A menina continua isolada em seu apertado em Copa. Evita ficar muito temo nas ruas para não encontrar gente conhecida. Quando sai é de túnica fazendo surgir novos boatos: será uma cigana? uma leprosa? louca? excêntrica? atriz famosa? Será uma hindu?.

Porra, gente... É só uma mulher careca!



Magia Moderna

Meu celular é meu... e de mais ninguém.
Exemplar de gosto da mais refinada tecnologia da comunicação. De posse dele realizei meus sonhos, me entendi como humano, me reaproximei do que tenho no coração e no pensamento. Eu entendi tudo. Ele brilha no escuro. Quando estou só eu falo com ele.

Na nota fiscal (sua certidão) consta o dia 1 de junho de 2004 mas tive que voltar à loja no dia seguinte. Apresentou um defeito mas... nada de grave; constatou-se que era de berço; tranquila e sem stress, a companhia cumpriu seu dever trocando-o por outro aparelho, anexando a isto um pedido de desculpas da balconista -sorriso pleno e alguma emoção. Nunca fui tão bem atendido... Ela tocou minha mão com ternura e me enamorou com um "volte sempre".
- É um prazer atendê-lo...
Finalizando com um: "A (companhia) agradece".
Tanta devoção marejou-me os olhos. Tive que me conter pra não causar constrangimento a quem tanto fez por mim fazendo apenas o essencial: 'sua obrigação'.

Testei o peso da matéria e deu-me a impressão de ser ainda mais leve que o outro...aquele, o imperfeito: o devolvido. A magia moderna está em se devolver o imperfeito. Também está na mãe que reconhece o defeituoso rebento e parte para a troca sem muitos porquês. Troca-se o errado pelo certo como se o primeiro nunca tivesse existido. Nem vergonha ele será. Nenhum traço deixará na biografia das demandas. Será praticamente um chiste, visto que nos aproxima do fabricante... este chiste chamado defeito existe para testar a relação entre nós e a companhia; além do mais, q bela oportunidade para receber um carinho institucional e consertar-se a falha com um cafezinho, um "sente-se por favor"; esquecer o desconforto advindo da peça errada e transformá-la em um quase acerto e/ou puramente uma benção.

Eu amo meu celular e sei de coração que ele me ama também.
Posso gravar nele qualquer recado. Ele me deixou gravar um "eu te amo". Então não só eu mas meus íntimos e conhecidos podem ser testemunhas do amor franco que tenho por esta pequena criança industrial. No meu celular estão, enfim, minhas esperanças e minha fé no humano.

Andar com ele no bolso, como fazem alguns que conheço, julgo desrespeito e desamor ao aparelho. Por isso, adquiri uma casinha linda e aconchegante onde ele pode dormir sossegado. Ela é igualmente plástica, mas maleável e transparente, e combina com suas cores de prata fosco e grafite. A escolha foi muito apropriada e nisso a moça da loja ajudou muito.

Meu amor é franco... Não digo, porém, que seja incondicional. Mais dia menos dia ele apresenta defeito. Que horror. Defeito. Mas dia menos dia ele falha ou, pior, outro modelo me seduz. Meu deus, disso eu tenho medo. Antes um defeito! O defeito justifica tudo... tudo, tudo.
Mas a sedução pode acontecer. Assim, sem aviso, andando na rua, eu posso ser assaltado por uma paixão e vai que se transforma em coisa séria. Vai. O defeito é a traição dos aparelhos/é o não-servir descarado. Mas a sedução pelo apelo do novo... Isso é a traição do dono. Deus, que só de pensar nisso tenho vergonha. Eu teria que escondê-lo em sua casinha plástica aconchegante maleável transparente quando fosse lá - sim, seduzido a tal ponto que entraria na cova do lobo pra saber mais da sua vida. Recursos/Upgrades/Vantagens e enfim, o preço. Perguntar o preço é praticamente trair. Em quantas vezes? Pode-se trair inclusive a prestação.

Mas que noites horríveis serão essas, olhando pro teto e pensando no modelo da vitrine. O teto e os pensamentos, o adormecer e os sonhos de consumo. Premido pelas circunstâncias, tentarei achar no antigo um defeito e, de fato encontrarei, nem que seja um miserável arranhão no lead. Que merda!!!! Os dias se passarão e serão insuportáveis. Sua aparência antes terna e convidativa será apenas rústica e desgastada... como nossa relação. Meus íntimos me encontrarão irascível e dirão que sofro de mudança de comportamento. Não confidenciarei nada a ninguém. Vou guardar esta dor pra mim. Minha questão é minha e de mais ninguém.

Então, será talvez um dia de agosto - o mês ideal para trair...
Eu irei a tal loja e irei comprar o novo modelo.
Eu disse comprar. Não é mais pesquisa. Acabou-se o flerte. A farsa. Tudo/Tudo/Tudo. A insuportável tentação dá lugar a mais ferina das traições. Acabou-se a vergonha também. Comprarei, sim, o novo modelo. Premeditado, reservarei uma importância só para isso. Pressão sobre os joelhos. Aperto no peito trocado por liberdade assumida. Exponho o antigo velho fuleiro sobre a bancada. Direi, quando chegar a minha vez, é claro, pois eu respeito filas, "quero aquele lá da vitrine". É fim de conversa. Tudo às claras. Eis a verdade escondida naqueles olhares de desleixo no meu reincidente destratar. Eu cobiço. Entenda, eu sou apenas humano.

O perfeito me chegará com o brilho da juventude, a proposta de prazer e tudo mais. O outro ficará na bancada com cara de passado.

- O que vai fazer com este daqui? - atendente sorriso.

- Vou dá-lo.

Pronto. A conspiração covarde se fechará. Nada mais vil que isso. Não vender. Não presentear. Não doar. Dar. Dar não é doar. Dar é para qualquer um, até para quem não precisa. E assim sairei da loja e principiará o desmanche da relação.
Desabilitar a linha anterior.
Retirar assim a alma do aparelho.
Um celular sem linha, inexiste na função. Nada mais que casca.
Ativar a linha do novo modelo. A emoção será tamanha que não vou resistir... vou chorar.

Por fim, me surpreender com algo.
Algo profundo demais.
Algo inesperado.
Não sei o que é isso ou simplesmente não admito?
É um sentimento estranho que eu não sentia há tempos.
Uma lebrança ornada de ternura que faz aflorar de mim um sorriso surpreso e triste.
Saudade.


O dândi que eu era

Eu escrevi aquelas coisas e ela não gostou.
Nunca mais escrevo aquelas coisas. Ou não ao menos daquele jeito.
Quis um beijo dela e ela me negou.
As outras coisas, muito menos.
Mas eu não aprendo mesmo hein? Vc não entende que eu sou o inocente nisto tudo e faço o q faço por eu ser um doente. É mais forte que eu. Chamam a isso pulsão, sabia? Ela diz não... É que eu camuflo minha inércia com este caô de doença. Isso é desculpa de dândis, re-diz. Eu sou aquele que se contenta em ostentar vazios e emoldurar fracassos pra se colocar sobre algum tipo de pódio... nem que seja o dos idiotas. Disse ela que eu fumo demais do pior cigarro barato por achar muito foda posar de fudido. Ela acertou em cheio (como sempre). Eu poso de fudido pq é tudo o q tenho... além da nicotina & alcatrão.
Mas depois de toda essa zorra, ela me beijou... mesmo assim ela me beijou.
Não vou te dizer que não me senti bem em vê-la toda nervosinha me chamando de dândi. Qual moleque não se sente importante quando leva um carão da mamãe? O ponto alto, sem dúvida, foi me desmascarar... eu curto posar de fudido com o cigarro Campeão destruindo minha garganta e pulmão. Pois é, ela diz isso e depois me beija com tanta força que esqueço até do meu ego. Aí eu morro e vivo de novo. Entro em combustão instantânea. Desfeito em cinzas, espalhado no chão pra que me pisem e eu fique aderente ao solado dos sapatos urbanos pra daí a 15 minutos voltar a ser gente, admirar-se e dizer: essa é a melhor droga do mundo.
Depois dessa só mesmo um "tá bem tá bem, vou mudar". Sair com a pose entre as pernas e recolher-se à minha insigni... Epa. Olha eu posando de novo.

Aí, essa mulher tem uma boca melhor que qualquer spa, que qualquer cvv, superior aos 12 passos de budha... que qualquer 5 meses de divã... melhor q tai-chi, melhor q a maconha do norte... melhor q posar de outsider... melhor que quebrar as normas e leis... melhor que provocar o guardinha... melhor q pichar mais alto que todos... melhor que brigar com o vizinho... melhor que mandar tomar no cu e que mandar se fuder... melhor que escrever baboseira... É melhor que sol-de-bom-dia e banho quente. Se eu não retribuir logo fico sem essa droga de boca... e isso não pode.


Ok, beibe, parei de fumar... Campeão.
Amanhã, eu juro, procuro outra marca.


Palhacinho

De todos os 125 paus que ela chupou naquela semana, aquele, sem dúvida, era o mais estranho. Na verdade, não lembrava de ter chupado pau assim em toda sua vida.
Frocado e frio, mesmo entumecido.
Exageradamente torto. Incomum. Estranho. Cinzento. E triste.
Nunca concebeu pau assim. O choque foi instantâneo. Estava pronta para tudo... ou achava que estava.

As meninas o chamavam de Palhacinho. "Aí Amanda, hoje vc vai descabelar o Palhacinho." E riam. Como riam.
Palhacinho não era exatamente pequeno. Até deveria ter um tamanho normal... se fosse perfeito. Talvez aquele jeitão, entre o cômico e o trágico, tenha gerado esse apelido.

Olhando incrédula e nervosa, tentando frear as emoções confusas que pareciam querer sair por seu rosto, a menina Amanda deixou escapar um sussurro: "Palhacinho".
O dono do pau, levantou-se lentamente. "Oi?"
O dono do pau era mulato mediano. Nem forte nem fraco. Nem alto nem baixo. Brasileiro normal de cabelo maquinado 2.
Apesar de dono de um pau pavoroso, notridâmico, era terno e bom. Assim percebia Amanda, que por ser mãe e puta exemplar percebe tudo mais que as mães e putas normais.

terça-feira, maio 18, 2004

Procurador

Eu só quero que alguém me diga: pra que serve um Procurador?
Aproveitem a deixa e me digam também pra que serve um Desembargador?
Indo na onda dessa indagação toda me diga: pra que serve tudo isso?
Relatores, Auditores, Conselheiros, Assessores, Secretários, Vereadores. Administradores e Magistrados. Títulos que escritos devem começar sempre com caixa alta. Doutores. Sempre Doutores. Copo de whiskye na mão e outra pra apertar. Eu quero que alguém me diga pra que serve tudo isso.
Não me importo que me chamem de ignorante, mas não me chama de simplório não. Pelamordedeus.
Só pq eu perguntei isso o sujeito de gravata me olhou com cara estranha e se sentiu ofendido. Mas que porra. Como se eu estivesse a sacanear alguém. Peraí não é bem assim. Agora eu pergunto: tá ofendido pq, Vossa Excelência?

terça-feira, maio 11, 2004

Thomás Antunes

Um dia se cansou.
Não mais frequentava os sites pornôs; não mais se refugiava no fracasso; nem odiava mais os outros; cansou-se de orar virado para onde nasce a intolerância; estava farto de aguardar pelo pior na esquina mais próxima; não substituía mais a palavra pessimista por realista; não compensava a solidão colecionando cultura; não odiava mais a lentidão dos velhos e nem a superatividade dos menores; nem encarava mais a beleza com raiva; não queria mais a morte de deus; não invejava os maridos das belas e inteligentes; não tinha mais cabeça pra pesadelos; fechado pra balanço. Fechado e lacrado numa embalagem moderna. Tinha agora decidido ser do contra sendo a favor de algo. Tornara-se um novo homem. Era a favor do que afinal? Escreveria um livro de auto-ajuda? Não tinha saco pra isso.
Se cansara de tudo de uma forma tão vasta que atingira um tipo de nirvana. Realmente não se explica o que lhe aconteceu.

Já sei. Thomás Antunes virou pastor. Não não ele comprou uma arma. Ah... então são as duas coisas?

As ruas lhe deram boa noite.
E Thomás Antunes deu início a Grande Correção do Mundo.


Schmidt. Mãe.

Schmidt

A noite in-tei-ra ela teve que chupar aquele pau mole.
Isso foi a primeira coisa que ela falou quando chegou à agência.
Estava emputecida. A puta.
Seu nome era Schmidt. Não o dela... O dele, o do pau mole. O dela naquela hora era Amanda.

O pau mole de Schmidt... Foi um programa pra lá de estranho.
Assim q chegou na agência, às 22 horas, Dona Carla falou prela do cliente hospedado em Ipanema. Prometia... Apartamento em frente ao mar... Duas horinhas de atendimento. Chegou lá de táxi.
Um prédio de poucos andares e muito vidro. Vidro fumê na portaria. Mesa de vidro pro porteiro. Divisórias de vidro fumê. Até as esculturas (umas mulheres sem rosto) eram de vidro.
O porteiro perguntou o andar. Quinto. “Ah... É Seu Chimite!!!” O severino falou. “Pode subir.” Nem precisou ligar. Que ótimo. O severino foi bonzinho.
O elevador era uma enormidade. Moraria uma família ali.
Demorou para o alemão abrir a porta do elevador e ainda abriu com lerdeza.
“Oi neném.” Ela optou pela saudação dengosa.
Atendeu a porta um bebê branco gigante, calvo e magricela com a narina toda branca: “Ói. Vochê Amanda?” Ele falava com a voz torta de gringo cheirado.
“Chou chim, neneumzaum gotojo” Ela saudou, brasileiramente efusiva.
“Eu Schimdt. Euntra.” Completou o alemão e ela euntrou no recinto.
Fora um sofá mofento e umas mesinhas (de vidro) tinha pouca coisa na sala. Um jornal gringo (devia ser alemão), um punhado de dólares no chão, uma bermuda florida toda molhada e cheia de areia no sofá... As poucas coisas que tinham no apê pareciam jogadas... “Ai, q neném bagunchêlo hein? Ai ai”. Ela realmente havia optado pela recepção dengosa. Mas isso ainda não parecia ter tido efeito sobre o bebê gigante europeu que só se balançava e a olhava com cara de espanto. Estava com uma bermuda tão florida quanto a do chão. Só que essa era laranja.
“Chenta, Amanta?” Ele repetiu.
“Vem cá, bem, onde tem telefone? Tenho q ligar pra agencia.” disse Amanda.
“Tafone ashi?” disse Schmidt.
Ficaram se olhando um tempo. O alemão pendulando e ela, sem reação, até concluir: “Tah bom, nen, deixa q tia Amanda procura o tetel-lefone tah?” Ai meu pai. – desabafou baixinho.
Achou o tel, fez a ligação e aproveitou pra desabafar mais: “porra, me arranjaram um alemão cheiradão. Se bobear o pau dele nem sobe.” Dona Carla: “Sorte sua. Qualquer problema me liga. C acha que ele é violento?” Amanda: “Não não. Tadinho. Parece um bebêzão. Isso não ofende nem uma barata.” Desligaram.
Quando chegou na sala o alemão tinha sumido. “Chimiditeeee. Neneeem. Cadê vochê?”
O bebê gritou lá de dentro: “AmantaAAA!” Os gritos a levaram a um quarto onde o alemão tava estirado numa cama enorme com a bermuda caída até o joelho e o piruzim à mostra.
“Chupa Amanta Chupa Chimite” – ele pedia, todo torto.
Ficou desconcertada olhando aquela tripa encolhida em cima do saco, em cima da cama. “Ai qui bunitim o pipiu de Neném tah dormindo. Vamo acordar o piupiu branquinho?” ela arriscou.
“Chupa Amanta Chupa Schmidt” – insistiu e aproveitou para jogar umas notas de dólar na direção dela. Ela juntou as notas e botou na bolsa indo dar um trato na tripa do alemão. Foi um custo: tirar de vez a bermuda do gringo, posicionar o bicho na cama, aturar o cheiro de whiskye mas o difícil mesmo foi pegar na tripa. Mas ela pegou. Era uma questão de honra e Amanda tinha uma qualidade: uma vez num programa, ela ia até o fim.
“Chupaaa” reclamou o bebê dando mais uma mamada no whisky.
Amanda disse depois que perdeu conta do tempo que perdeu chupando aquela “bronha frocada”, aquele caramujo, aquela... coisa. Dentro da boca a sensação era de estar chupando uma Maria-mole salgada... salgada de praia ainda por cima. Isso foi como depois ela narrou a história pras outras meninas e pra mim.
A noite foi passando e suas reações foram mudando a cada momento. Primeiro, a perseverança por um objetivo a alcançar. Depois a raiva de estar naquela situação esdrúxula. Daí, a resignação de estar cumprindo um dever com sua família e, por fim, a sensação de que aquilo tinha que terminar logo. Mas mal tentava tirar a cabeça e a porra do gringo a empurrava de volta.
“Chupa e Schimite Goja” prometia o torto.
Viu então outra saída. Chupou um pouco mais, daí ficou com a boca parada, para não ficar com cãibra. Esperou com a pequena bola de carne na boca até ouvir o ronco do gringo. Depois se levantou e procurou um banheiro para lavar a boca. No banheiro, em cima da privada, viu o retângulo de vidro com os restos de pó. Lavou o rosto na pia depois tirou o vidro e tratou de aliviar a uretra.
Sentada na privada ficou um tempo olhando a superfície do vidro e o branquinho em cima dela. Por exatos 9 segundos sentiu uma paz absurda. Não pensou em nada. Total silêncio em sua cabeça. Então... “Amantaaa”. O bebê gringo despertou. Se arrumou e foi pro quarto mas ele já havia sumido. Foi pra sala e lá estava ele com outro retângulo de vidro dando uma baita cheirada. Chegou perto. Ele estava usando uma nota de dólar para cheirar. Primeiro uma narina, depois, a outra. Daí, levantou a cabeça e aí ela até achou bonitinho pq ele falou todo choroso: “Amanta não gosta chimite?” Ela realmente ficou dengosa ao ouvir isso e respondeu: “Ai nenen. Amanta gosta chimite. Gosta sim... Vem.” então pegou o gigante e o embalou o corpo semi-nu em cima do sofá. No colo dela Chimite olhou prela com cara suplicante e lhe deu a nota que usou como canudo. Ela ficou segurando aquele dólar branco sem saber o que fazer enquanto Schmidt voltou à mesa para cheirar com outra nota. Assim que acabou entregou a nota como presente para Amanda. Virou um joguinho. Schmidt cheirava uma nota e assim que acabava a entregava para Amanda. Mas até esse brinquedo cansou. Amanda já tinha umas 15 notas de dólar estocadas na bolsa. Sua paciência estava acabando. Olhou o relógio e viu que aquele programa estava pra terminar... ai santo pai, enfim. “Nen, hora de tia Amanta ir emboraaa. Tah?”
Schimidt levantou a cabeça e pedaçinhos de pó caíram do seu nariz. “Não!” disse talequal criança. “Mas chimite... cabou. Tia tem hora.” retrucou Amanta, maternal.
“Não!! Não!! Não!!!” – reclamou Schimdt e agora, fazia bico e estava todo vermelho. Ela ainda tentou argumentar mas o alemão se recusava a deixá-la falar e gritava tampando o ouvido. “Não! Não! Nãaaao!!!! AMANTA FICA!!! CHIMITE QUER AMANTA FICAAAA!!!”
“CHIMITE!!!” – gritou Amanda usando sua experiência de mãe e puta – “QUIETO!!! OUVE!!!” O bebê branquela congelou com a boca aberta e os olhos cintilando. “Presta atenção. Eu fui paga pra ficar DUAS horas. DUAS horas. Pra tia ficar mais, chimite teria q pagar mais.” disse conclusiva, resoluta, firme e vencedora. Sem perder mais tempo se levantou pra se arrumar. O programa havia encerrado.
“Schimite paga mais. Amanta fica” – fechou o alemão.
Amanda parou como Dadá... No ar.
“Mas...” – ela ainda arriscou. E Schimdt a olhou, desafiador e triunfante. “Ah te peguei” – ele parecia dizer. “... Mas Amanda vai ter q ligar pra agência pra avisar. ” ela, desanimada.
“Liga.” disse o gringo, e concluiu: “Amanta fica. Chimite paga.” e jogou mais dólares nela.
Cosnternada, ela foi pro telefone. Dna. Carla atendeu e ela explicou. A coroa foi direta: “Ótimo...Fica mais. Fica o quanto esse gringo puder pagar.” e desligou na cara da menina.
Amanda olhou o gringo e lá estava o danado de narinas brancas, sorrindo de orelha a orelha, sacanamente.

A noite se arrastou... O gringo cheirando e se enxarcando de uísque, Amanda chupando o pau mais mole da Terra. Lá pelas tantas Amanda surtou.
“Chega de cheirar, seu gringo maluco. Chega.” ... e lá estava Schmidt de novo com cara de criança q fez caca e leva um ralho. Ela se levantou e continuo com o dedo em riste, reprobatório. “Olha o seu estado. Seu pau está mole. Ouviu? MOLE! É horrível chupar um pau mole, sabia???” Schmidt ouvia, constrangido, abraçado à garrafa de uísque. “Que merda!” ela ainda reclamou pra finalizar. Então o gringo chorou. Abriu o berreiro e Amanda ficou pasma. De novo. “Amanta briga com Chimite. Amanta não gosta.Buaaa”
“Pára, Chimite. Pára.” mas era tarde. Não havia lugar pra razão. O gigante estava triste. Pacas. Foi então q Mamãe Amanda voltou. “Nén... Pála de cholar nén. Pála... P. favor. Pála. Vem cá, vem com tita Amanta.” e abraçou-o e ficou ninando o marmanjo que se refugiava em seu brinquedo alcoólico. Aliás, aproveitou a deixa para dar um gole de alívio. Duas, três horas se passaram. Amanda e seu bebê supercrescido dormiram abraçados desajeitadamente no sofá.
Amanda despertou duas horas depois. A cabeça latejando muito. Empurrou o marmanjo pro canto e foi pra janela da sala. A cortina cobria a maravilhosa visão pro mar. Abriu e a luz preencheu tudo. Lá fora o sol ardia, o céu ia se saturando de um azul anil, forte e sem obstáculos. O horizonte e mar formavam uma tela de azul sobre azul. Impressionante tela.
Lá embaixo, na porção bege da paisagem, alguns pontinhos pequenos iam chegando e ocupando seus lugares. Barracas sendo armadas. O som crescente de uma praia em um falso inverno. Amanda ia buscando o nada naquela paisagem e ia se perdendo em um pensamento indefinido e cansado, quase canino. Voltou à realidade com o chamado agonizante e baixinho: “Amaaanta.” O gringo. Chegou até o bebê e ele ergueu a mão. “Fecha janela. Luuuuz.” reclamou.
“Na-na-não. Nenen tem q ver luz. Se não nenen fica dodói, tah?”
“Ó... tia Amanta tem q ir agora, tá?”
“Chimite paga. Fica.” – murmurou.
“Não. Chega de ‘chimite paga’. Tia Amanta vai pegar dinheilo e vai pa casinha, tá?”
“Tá” - disse o chimite resignado.
“Ó, titia quer q chimite toma banho e toma solzinho tah? E chega de chelá pozinho blanco tah?”
“Tá” – respondeu o chimite.

Amanda pegou mais alguns dólares, olhou o relógio do celular, fez cálculos mentais e pegpu também os reais correspondentes ao período que ficou. Foi embora.
Ainda olhou uma vez mais pro bebê germânico que roncava de costas para uma tela pulsante de azuis celeste e marítimo. Desceu no elevador com uma família atarantada – duas crianças e os pais. Na portaria, deu um tchau ao severino. Pegou o táxi e rumou pra sua casa... bem longe da zona sul. Nos dias seguintes ainda pensou em Schmidt, seu pau mole e sua cara de bebê. Talvez tenha se apaixonado... O fato é que nunca mais o veria novamente.


Mãe

Esse menino é um saco.

A gente casa. Tah feliz, né?
Aí cisma de ter filhos. Vem a infelicidade.
Não tem nada pior que ter filhos. É padecer no caos.
Deus quis que fosse um. Louvado seja.
Mas me deste um que equivale a mil desgraçados.
Meu marido é um merda que não sabe se impor mas eu sei. Já sentei tanto cacete no moleque que até quebrei meu punho. Fiquei tão puta que quase matei ele com meu salto alto. Mas pensa que ele pára? Não. Ele continua. Ele me tortura. Logo eu que sou sua mãe. Mãe é pra respeitar, caralho. Eu não vou dizer pra vcs que sou capaz de matar meu filho. Não sou assassina. Mas tem gente que é.
Veja só que eu contratei essa pretinha da favela daqui do lado sabendo bem do currículo dela. Foi difícil convencê-la mas enfim aceitou por 500 reais - e queria mil, a filha da puta. Não dou. Não vou permitir que uma favelada tente me dobrar ou barganhar a morte do meu filho - apesar de tudo... é meu filho. Combinados os 500, combinei sair de casa pra cuidar do meu corpo - os 40 tão chegando... Ficou ela, o moleque e o combinado. Eu voltava lá, via o estrago, gritava - ia ser um prazer - depois chamava os vizinhos, os bombeiros e a polícia - com a graça de Deus.
Pois bem... Passei a tarde na academia. A professora falou que eu tava nervosa. E tava mesmo. Mas não pense que eu tinha arrependimento... Não não... A sensação era única. Quase um orgasmo como quando ganhei um celular Samsung novinho do meu marido - com funções de voice recorder e autocall.
Tava doida pra chegar em casa e ver as novidades. Aquela mobília nova caída no chão.
Tem graça. Preto só faz merda. Se for mulher então danou-se... Cheguei e tava ela brincando com meu filho. Fiquei pasma. Chamei a vaca pra cozinha e falei: "porra. q é isso? e o combinado?" Ela disse: "toma teu dinheiro. o menino se comportou tão direitinho hoje...Quem sabe amanhã?"
Puta merda.
Quer saber? Foda-se o meu filho... Essa vaca vai ter q pagar.
Mas deixa estar que eu tenho um vizinho que tem uma empresa de segurança. Essa gente costuma ter cada contato...
Depois me livro do verme.
Com a graça de Deus.

O Garoto-Preguiça. Berthold & Martha. Sorria. Morro da Formiga. Brutalismo. Piparote. etc

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A Canção do Garoto-Preguiça

- Foda-se – ele disse.
- Foda-se – ele repetiu.
E assim, deitado na cama, ele repetia "foda-se"... o dia inteiro.
E o dia passou e veio outro dia e então recebeu o sol em seu rosto e seus olhos se iluminaram.
- Foda-se – ele disse.


Bertold & Martha

- Eu sou uma merda. – concluiu Martha se olhando no espelho.
- Eu sou uma merda. – concluiu Berthold se olhando no espelho.
Berthold e Martha estavam a 1 km de distância um do outro.
Berthold morava no inicio da rua.
Martha, no final.
Os dois estavam nus.
Os peitos de Martha estavam levemente caídos. Martha os suspendeu levemente e os soltou. Eles deslizaram pra fora das mãos... Caídos e, no entanto, muito pequenos... Estes eram os peitos de Martha.
Berthold tinha uma pança q caia levemente sobre si mesma. Berthold alisou a ponta.
Alisou e puxou o ar para dentro. A barriga se recolheu. Soltou o ar e ela voltou ao ponto de origem. Não era das grandes.
Eram solteiros e estavam nus.
- Q porra. – disse Martha aos seus cabelos secos.
- Porra – disse Berthold para suas entradas.
Berthold & Martha foram pra rua ao mesmo tempo.
Moravam em andares iguais. Juntos, porém distantes, chegaram à mesma rua.
Um desceu. O outro subiu.
Martha andava lenta. Berthold andava confuso.
Ela, na calçada direita. Ele, na calçada esquerda.
E assim eram Berthold & Martha, um casal feio, que se sentia uma merda, morava na mesma rua e nunca se encontraram até chegar aos 70. Curiosamente morreram na mesma idade e foram enterrados no Caju.


Sorria

Lendo um livro de auto-ajuda aprendi a sorrir.
Tendo aprendido a sorrir com este apoio tão singular fui à rua ganhar o mundo com minha alegria sem par.
Na rua, fui ao mercado, peguei umas coisas e fui para a fila – que não era pequena.
Na fila, fui simpático e solícito como o livro me recomendou.
Fui gentil com a idosa. Cedi a vez a uma barriguda cestrosa. Fui bom “para com” meus semelhantes ainda que fossemos bem diferentes e muitos não sorrissem pra mim como eu, que sorria assim :-)))
Ao sair do mercado, amigos, sorri ao humilde mendigo e até me desculpei pois comigo dinheiro ele não ia arranjar, mesmo tendo moedas no bolso - todas a tilintar.
Sai a andar. Ai q vontade de cantar. Vendo o sol a despontar com sua energia a abençoar os cidadãos a passear. Alguns ao trabalho se encaminham e outros nem trabalho tinham. Todos simplesmente andam e andam... como eu.
Um pequeno menino de rua ao me ver sorrir me perguntou: “ta rindo de que meu tio?”
E eu lhe disse: “pra ti, criança, e pra mim. viva a esperança. sorria como eu sorrio!”.
Ao ouvir essa frase bonita seu rostinho sofridinho se iluminou e, como eu, ele também sorriu. E ele disse: “ó meu tio querido já que estás tão alegre dê um dinheiro pra mim pois preciso de cola cheirar para também sorrir sem parar.” E fiquei tão feliz que felizes fomos os dois para a loja de tinta a cantarolar. E quem nos via na rua se contagiou com tamanha alegria e juntos todos nós fomos um pouco de cola comprar. E é esta mensagem que deixo: menino, menina, queridos, sorriam todos os dias e vamos nos inundar de alegrias para litros de cola cheirar.

I Campeonato de Frases e Interjeições Derradeiras do Morro da Formiga

É difícil nos dias de hoje reunir-se num bar com seus amigos para uma boa conversa... botar os assuntos em dia... divagar.
Eles eram 5 amigos. Todos assaltantes. Todos assassinos.
Pinduca foi quem começou. Sua especialidade era assalto em sinal. Assaltava de moto, ele e Babau.
- Aí... a pior que o cara me mandou foi essa: “Cristinho.” Imagina, tu encosta a arma na cabeça do camarada e o babaca se vira pra vc e diz: “Cristinho”?!
Geléia e Miltinho riram mas sem muito gosto. Pinduca continuou:
- Porra, quando eu ouvi aquilo comecei a rir. Atirei no cara de tanto rir. Vai tomar no cu!!! “Cristinho” é foda! – ele não cansava de repetir. Como se quisesse faze-los entender a graça da coisa.
Geléia pegou a garrafa mas a cerva já tinha acabado. Levantou o braço mas o Sequela já tinha trazido mais outra.
- Uma vez eu tava no segundo sinal na saída da General Dantas, perto do Cemitério e vi uma Palio chegando. Fui pa trás dum tapume... lembra duma obra q tava rolando lá em setembro? pois é, nessa época eu assaltava muito naquele sinal. Devia ser umas der da noite. Nessa época, o Tito do Borel descolou uma 38 pa mim.
- Sei. – disse Pinduca.
- Ahn – disse Babau.
Miltinho e Seqüela tavam só esperando.
- Pulei do tapume, colei devagarzinho no carro e fui seguindo, abaixado e pensando: “Taí. Vou matar esse filhadaputa” – continuo Geléia.
- Ahn – disse Babau de novo.
- Levantei duma só vez, nem esperei... Meti 3 tiros no vidro. Esculachei a porra da janela fumê todinha. Tu acredita q tava o babaca lá olhando pa mim com a cara lisinha e falou (repetindo com voz fininha): “Me mata não.” Puta merda, malandro. Aí, eu ri muito. O babaca inda teve tempo de rir também. Estourei a testa do filhadaputa no volante.
- Aha aha essa foi boa. Gostei. – disse Babau.
- Ta. Então ouve essa: “Eu tava na Francisco Bicalho, eram 11 da manhã. Eu devia ta muito cheirado pra trampar a essa hora mas... beleza. Cheguei andando mermo na maior cara dura, doidão e vi um casal saindo do mercado e entrando numa Pagero. Saca aquela grandona? Muito linda, cumpadi. Fui na moral. Cheguei lá os dois tavam no maior amasso. Maior lambeção. (Miltinho ficou simulando o casal).
- Ah ahaha – ria Babau.
- Calaboca Babau deixa eu acabar a história... Porra.
Os outros 3 riram da bestice de Babau. Que prego.
- Fiquei lá em pé vendo os dois se esfregando aí dei uma porrada no capô. Ae... engraçadão. Primeiro o babaca falou: “Cole negão. Cadê o respeito?” Aí meti o cano na boca do filhadaputa e disse: “Ta aqui” Pimba. A lorinha do lado ficou todinha cheia de miolo de namorado. Agora... cs não vão acreditar no que ela falou.
- Ahn – disse Babau
- O q? – disse Geléia e Seqüela.
- “Tem mãe não, filadaputa?”
- AAHAHAHHAHHA e aí ?– riram todos
- Ué aí eu falei... hahah... “não” e meti uma nos oxigenado dela.
- Puta merda. Essa foi boa pa caralio.
Miltinho era muito bom de conversa. Rapaz inteligente. Sabia como prender a atenção.
Dez dias depois Seqüela mataria Miltinho por questões de mulher.
Era a vez de Seqüela.
- Eu tava na moto mais o finado Gordinho da Maré. Lembram?
Eles acentiram sem muito esforço.
- Bom, eu e Gordinho da Maré chegamo numa van... Ae presta atenção que essa é foda...
Seqüela não tinha o mesmo talento pra narrador. Perdia muito tempo querendo forjar suspense. Era pretencioso.
- Encostamo na van na hora qela parou num sinal. Tinha um gordo barbado no volante que já não topava com o pessoal da área há tempos... e dois moleque do morro atrás. Gritei assim... “Ae Papai Noel... Pára essa merda...”e mostrei o berro. Os moleque eram da minha área. Sabiam pq eu tava ali. O cara tava encomendado. Colei na van. Ele não parou. Filhadaputa. Queria dirrubar eu e Gordinho. Quase em frente aquela loja de pineus, os moleque saltaro da van. Devem ter se ralado muito. Eu dei um tiro no nariz do puto e ele quebrou a fuça num poste. Cheguei lá pra ver colé e o viado inda tava vivo. Meti o cano no zovido dele e a última coisa quele falou, todo fanho por causa do nariz fudido, foi: “Fafai Roel é a futa q te...” PIMBA. Ahahah Ta vendo só q filadaputa folgado eu fui arranjar? Ahahaha
Os amigos riram meio sem gosto. Esta foi meio dura de engolir. Babau ainda deu uma risada e ficou repetindo: “Fafai Roel hahaha”
Tinha chegado a vez de Babau. Todos olhavam pra ele.
- E aí, Babão??? Conta ae!!!
Os bandidos ensaiaram um coro e Babau fez uma cara bonita e falou:
- Eu matei minha mãe no sinal sem querer.
Suspense.
- Ela falou "Filho"... e eu atirei.
Ficou um silêncio filhadaputa no bar. Depois foi Miltinho quem puxou a risadaria.

Porra, esse Babau é mermo um prego...


A Obra Sem Paralelo de G. Shweissman

Foi com grande espanto que a mídia recebeu a primeira exposição de trabalhos de Gustav Shweissman.
Gustav era um austríaco de 22 anos. Um desconhecido no mundo da Arte.
Seu nome, porém, virou sinônimo do que havia de mais contestador e transgressor na arte. Um revolucionário, muitos críticos disseram e ainda dizem.
O que se sabe é que Gustav não era um estudante de artes. Era um simples desocupado.
Sem formação aproveitável. Morava como agregado na casa de conhecidos e perambulava nas ruas. Um dia, porém, apareceu na avenida principal do centro de negócios com uma tela de madeira de 80cm x 1m e 20 chamando a atenção de todos que passavam. No meio da tela cinza e suja havia um dedo. Um dedo preso por um prego.
A polícia foi chamada. Prederam Gustav. A mídia tratou de se manifestar. Que louco era esse? O que queria com isso? Gustav foi transformado no novo salvador da Arte Contemporânea. Inventaram mil nomes para esta nova corrente e, dias mais tarde, foi noticiado um Manifesto Brutalista.
Técnicos da Perícia foram impedidos de fazer a investigação pela força da mídia e da torrente de adoradores brutalistas que surgia. A Instituição nada podia fazer e o Governo optou por abrir um inquérito. O mundo todo comentava o novo movimento artístico.
“O Dedo” de Gustav já se equiparava em popularidade à grandes obras como a “Marylin” de Warholl e “O Grito” de Munch. Era um caminho sem volta.
Enquanto o Mundo, a Mídia e a Arte discutia o valor ético da obra de Gustav, o rapaz agredia o mundo com um novo feito que iria abalar toda a estrutura do se convencionou chamar Arte. “As Línguas do Mundo” (Tongues World) consistia num varal com línguas penduradas... por pregos. O lugar de exibição não poderia ser mais constrangedor: a Catedral.
Eram 28 línguas ao todo.
A Arte Brutalista de Gustav parou o mundo.
Indo contra os reclames do Vaticano e de toda Sociedade Institucionalizada, uma rica fundação mantida pela maior fabricante de bebidas do mundo, resolveu patrocinar a pesquisa de Gustav.
Cinco meses depois era anunciada ao mundo a primeira grande exposição Brutalista.
Todos que antes haviam desafiado a Arte se curvavam à coragem e à expressividade de Gustav. O rapaz, porém, se mostrava, como sempre, pacato e sem cerimônias. Sobre sua arte só tinha uma coisa a dizer: “ela fala por mim.”
A Grande Exposição Brutalista trazia também novos nomes totalmente desconhecidos ao mundo da arte. Com o apoio da fundação, Gustav cooptou outros talentos para juntos formar o “Brutzkrieg”, uma nova classe de artistas que seriam a base da Escola Brutalista.
Em março, um ano depois do choque da exposição do Brutzkrieg, o grupo anunciou que ia abrir uma escola.

Chegara a hora de ensinar o brutalismo ao mundo.

O Último Show do Palhaço Piparote

Aquele seria o último show do Palhaço Piparote.
Na havia alvoroço nenhum. Nem multidões. Nem nada.
Havia a mesma dúzia de pessoas de sempre.
Com certeza eu era o único apreensivo.
Eu tinha 12 anos.
A lona era duma pobreza lacrimosa. Também as pessoas que entravam.
Os mesmos banquinhos velhos de madeira poída esperavam a mesma gente sem riso de sempre.
Sentamo-nos. Piparote entrou no palco. Ninguém aplaudiu.
Nem luzes tinham mais. As luzes haviam se apagado há seis meses e cadê quem acendesse?
O primeiro número foi uma homenagem ao seu cãozinho Bodoque que morrera de velho. Era um número clássico de Piparote. O cão, caso ali estivesse, saltaria 3 vezes pelo arco em chamas e no final cumprimentaria a platéia andando sobre as patas traseiras. Exceto pelo arco sem chamas e pela invisibilidade de Bodoque era o mesmo número de sempre.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim para o próximo número.
Desta vez, era uma seqüência de gags com seu parceiro Peteleco. Peteleco, que tivera uma isquemia, estava paralisado e incapaz de se expressar corporalmente. Ficaria no fundo do palco em seu caixotinho com rodas e o rosto pintado tombado para a direita. No centro do picadeiro, Piparote caía, rolava no chão, levava chutes invisíveis na bunda e caía de novo, levava tortas invisíveis no rosto e pauladas na cabeça olhando sempre para Peteleco, seu agressor ausente. Peteleco não esboçava reação... era só um boneco enfeitado de alegria.
Ao término, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia e correu ao camarim, levando o palhaço apático consigo.
Os próximos números foram os mesmos de sempre... Sempre utilizando seus objetos e parceiros fictícios. O truque da corda. A hipnose da serpente. O coreto de palhaços.
Ao término de tudo, Piparote agradeceu os não-aplausos da platéia que se levantou em silêncio e foi embora.
Ainda não muito longe da lona decadente, olhei para trás e vi Piparote desarmando o circo.
Puxava de uma perna.


A Lei do Meu

Realize meu sonho e vá tomar no seu cu.
Quisera poder falar isso de uma forma democrática e esporrenta. Mas não posso e respondo com um sorriso. Vou me embora certo de ter mais uma noite mal dormida pela frente.

O Miltis não é assim.
Dona Ana do 605 era uma velha de 83 anos e tarde dessas bateu na porta do Miltis pra mandar que tocasse "o saxofone mais baixo seu egoísta". Miltis deve ter tido um lampejo qualquer mas não foi bonito o resultado. Dona Ana (Donana) dormiu na cadeira de balanço ninando uma bala em sua testa. É isso o que dá exigir seus direitos. Os tempos agora são outros, filhote.

Eu que não me faço de rogado (adoro essa expressão) tomo cá minhas precauções. Como bom covarde que sou não me irrito mais com meus vizinhos... quer dizer, me irrito sim mas prefiro ficar na minha... vai lá que o moleque de 7 anos é cruel e me mata com a arma do pai adevogado ou mesmo seu pai - adevogado - pega a arma guardada na caixinha do armário que não entregou pra campanha bonita do governo e me detona a cabeça... Eu não. Faz o seu barulho, filhinho. Faz tudo pra me irritar. É isso aí. Vai fazendo enquanto durmo com meu sonho.

A polícia ainda tá investigando.
O moleque de sete anos não vai mais jogar videogame até as tantas da noite com volume no máximo enquanto seus pais trepam. Vai é dormir no caixãozinho da família. Deu essa vergonha pro seu avô e morreu antes do pobre canceroso. Saindo da escola tomou um tiro no ouvido cheio de pircim... ninguém sabe de onde veio, ninguém sabe pq, ninguém sabe o dono da bala. Então ficou como bala perdida.

Não foi. Eu também tenho arma. E não é só o pai dele que é adevogado.