terça-feira, junho 01, 2004

Brinquedo de vingança. Jasmim me quer com ela dentro do chão. Crise de abstinência. Magia Moderna. O dândi q eu era. Palhacinho.

Sou seu brinquedo de vingança*

1970.
Não fica perdendo teu tempo com esse merda,(...). Vc fica falando e falando e daí vc se estressa, papai. Olha pra ele. Não tá nem aí pra nada. Essa porra já era assim e fumava maconha e coisas ainda piores enquanto vc ainda chupava chupeta. Essa porra comia barangas de rua enquanto vc inda brincava de boneca. Esse traste já pensava em cortar os pulsos quando vc lia Luluzinha. Então me diz, minha linda... Pq amarras tua égua (isso não é nenhuma alusão hein?)sob a sombra escrota desse infeliz? Mas, papai. Faz o seguinte: conheço um rapaz. Um ótimo rapaz. De boa família. Boa mesmo. Deus querendo, ele vai ser médico. Não se sabe que tenha envolvimento com drogas... Se tem também merece consideração pq não transparece (estou brincando). Ele ainda não te conhece mas sei que vai gostar de vc. Vou te apresentar prele. O senhor acha? Acho, minha linda.

Muito bem, Arnaldo, esta é (...). Linda, não? Sabia que vc ia gostar. Ela é uma moça ótima: além de tudo é inteligente... andou fazendo umas bobagens aí se envolvendo com um porrinha qualquer... mas é passado, agora. Não é, minha linda? Vou deixá-los a sós pra se conhecerem melhor.

Maite, te apressa se não chegamos atrasados ao casório de (...) e Arnaldo. Oh estou tão feliz. Eu também, Maite. Eu também.

Quer dizer que (...) vai casar mesmo com aquele goiaba? Pois é, o cara tantas fez pra pegar a menina que conseguiu... E isso também tem obra do pai. Eu não sabai mas ele me odeia e acha que não posso reagir. De fato, deixei rolar a coisa pois... quer saber?... ele tem razão: eu não posso reagir. Deixa q role o casamento. Se eu fizer algo eles me matam mas a dor é grande, cara. Tô morto por dentro. Pô relaxa, cara, vc arranja outra... Ah, se fosse só esse casamento. Vc não sabe... Aquele velho é muito perigoso. Ele me fez nascer só para ter seu próprio brinquedo de vingança. Como? Ele teve o desplante de vir aqui ontem à noite... e me contou tudo. Há vinte anos ele e meu pai gritaram um com o outro. Odiaram-se. Há vinte anos aquele porra mandou matar meu pai, violentou e engravidou minha mãe, viciou a ela e a mim no útero com heroína, adolescente, apresentou-me (...) e criou essa situação. sou dependente dela. Quando viu que havia conseguido veio e a tirou de mim e a deu ao verme. Vc não tem provas, cara. É, não tenho. E agora? Agora?... cara, agora eu sei o que eu sou. Meu vício não tem cura. Minha história é a de uma cobaia. Já pensei em matar apenas ele. Já pensei em matar todos. Já pensei em me matar. Mas vou deixar o tempo correr e esperar a reposta.

1990.
Dia de sol. Muito forte.
Olho pro papel e vejo minha resposta contada por gens. Não entendo como, mas consegui... com um chumaço de cabelos de um velho pervertido. Minhas putas conseguem tudo. Converso com meu advogado: agora seremos eu, meu pai bastardo e este DNA. É hora do brinquedo brincar.

*Argumento para novela das 8

Jasmim me quer com ela dentro do chão

Disse alô à natureza e sentou no chão.
Eu sei do q vc precisa. Ela disse.
Abriu a blusa e deslizou seio.
Não esperou reação e vem cá dum beijo.
Minha mão eu perdi lá dentro era duro e frio.
Agarrou-me a orelha e puxou pra dentro daquela boca.
Me chamou pra morte e eu fui.
Me chamou pra morte e seguimos juntos.
Nem quero saber mais de estrada. Nem quero saber de mais nada. Que mochila o q! A viagem acaba aqui. Vamos os dois subir a colina e subimos. Não era essa a proposta então?
Parecia febril hahaha eu também
Não demora muito voltaremos pro chão.



Crise de Abstinência

Não se sabe se pelo shampoo ou se pelo condicionador, Joana ficou careca.

A princípio, eram poucos fios então não dava pra dizer: putz Joana vc tá ficando careca. Não. A quantidade era irrisória e ela não comentou com ninguém. Mas esse 'irrisório' aí durou um mês. Daí em diante os fios não paravam de cair causando desconforto social.
Como travar uma conversa com uma pessoa cujos fios caem aos montes? O desconforto gerou conversas e as conversas geraram boatos. Boatos sobre doença, é óbvio, pois doença é o que se pensa quando começam a cair os cabelos de alguém.

Boato que é boato ninguém sabe de onde veio e o objeto da história nunca está por perto para assistir os comentários. Então, já que o papo causava desconforto, Joana fez o que fazem as pessoas quando se sentem mal em conviver com os boatos: se isolou em seu apê em Copa. Assistindo seus cabelos caindo e chorando, é óbvio. Chorando cada dia mais, como é de se esperar. Chorando até desesperar-se, consequentemente.

Os boatos só fizeram ficar mais fortes e já corria rapidamente a história do desfecho trágico: Joana havia morrido. Quem começa a ficar careca por doença num boato e um dia some, tem que estar preparado para estar morto no boato seguinte.

Daí em diante a liturgia de Joana foi morrendo nas rodas pq não faz sentido ficar contando histórias de alguém que já morreu. Chega uma hora que cansa.

Como não podia deixar de ser, depois de tanto tempo de autoexílio, Joana resolveu sair de casa. Mas, como o olhar assustado e/ou curioso dos outros a comprimiam, ela não ficava muito tempo na rua. E voltava pra casa, aflita. Chorando, claro.

Pobre Joana.
Bom, por hora não há muito o que contar. A menina continua isolada em seu apertado em Copa. Evita ficar muito temo nas ruas para não encontrar gente conhecida. Quando sai é de túnica fazendo surgir novos boatos: será uma cigana? uma leprosa? louca? excêntrica? atriz famosa? Será uma hindu?.

Porra, gente... É só uma mulher careca!



Magia Moderna

Meu celular é meu... e de mais ninguém.
Exemplar de gosto da mais refinada tecnologia da comunicação. De posse dele realizei meus sonhos, me entendi como humano, me reaproximei do que tenho no coração e no pensamento. Eu entendi tudo. Ele brilha no escuro. Quando estou só eu falo com ele.

Na nota fiscal (sua certidão) consta o dia 1 de junho de 2004 mas tive que voltar à loja no dia seguinte. Apresentou um defeito mas... nada de grave; constatou-se que era de berço; tranquila e sem stress, a companhia cumpriu seu dever trocando-o por outro aparelho, anexando a isto um pedido de desculpas da balconista -sorriso pleno e alguma emoção. Nunca fui tão bem atendido... Ela tocou minha mão com ternura e me enamorou com um "volte sempre".
- É um prazer atendê-lo...
Finalizando com um: "A (companhia) agradece".
Tanta devoção marejou-me os olhos. Tive que me conter pra não causar constrangimento a quem tanto fez por mim fazendo apenas o essencial: 'sua obrigação'.

Testei o peso da matéria e deu-me a impressão de ser ainda mais leve que o outro...aquele, o imperfeito: o devolvido. A magia moderna está em se devolver o imperfeito. Também está na mãe que reconhece o defeituoso rebento e parte para a troca sem muitos porquês. Troca-se o errado pelo certo como se o primeiro nunca tivesse existido. Nem vergonha ele será. Nenhum traço deixará na biografia das demandas. Será praticamente um chiste, visto que nos aproxima do fabricante... este chiste chamado defeito existe para testar a relação entre nós e a companhia; além do mais, q bela oportunidade para receber um carinho institucional e consertar-se a falha com um cafezinho, um "sente-se por favor"; esquecer o desconforto advindo da peça errada e transformá-la em um quase acerto e/ou puramente uma benção.

Eu amo meu celular e sei de coração que ele me ama também.
Posso gravar nele qualquer recado. Ele me deixou gravar um "eu te amo". Então não só eu mas meus íntimos e conhecidos podem ser testemunhas do amor franco que tenho por esta pequena criança industrial. No meu celular estão, enfim, minhas esperanças e minha fé no humano.

Andar com ele no bolso, como fazem alguns que conheço, julgo desrespeito e desamor ao aparelho. Por isso, adquiri uma casinha linda e aconchegante onde ele pode dormir sossegado. Ela é igualmente plástica, mas maleável e transparente, e combina com suas cores de prata fosco e grafite. A escolha foi muito apropriada e nisso a moça da loja ajudou muito.

Meu amor é franco... Não digo, porém, que seja incondicional. Mais dia menos dia ele apresenta defeito. Que horror. Defeito. Mas dia menos dia ele falha ou, pior, outro modelo me seduz. Meu deus, disso eu tenho medo. Antes um defeito! O defeito justifica tudo... tudo, tudo.
Mas a sedução pode acontecer. Assim, sem aviso, andando na rua, eu posso ser assaltado por uma paixão e vai que se transforma em coisa séria. Vai. O defeito é a traição dos aparelhos/é o não-servir descarado. Mas a sedução pelo apelo do novo... Isso é a traição do dono. Deus, que só de pensar nisso tenho vergonha. Eu teria que escondê-lo em sua casinha plástica aconchegante maleável transparente quando fosse lá - sim, seduzido a tal ponto que entraria na cova do lobo pra saber mais da sua vida. Recursos/Upgrades/Vantagens e enfim, o preço. Perguntar o preço é praticamente trair. Em quantas vezes? Pode-se trair inclusive a prestação.

Mas que noites horríveis serão essas, olhando pro teto e pensando no modelo da vitrine. O teto e os pensamentos, o adormecer e os sonhos de consumo. Premido pelas circunstâncias, tentarei achar no antigo um defeito e, de fato encontrarei, nem que seja um miserável arranhão no lead. Que merda!!!! Os dias se passarão e serão insuportáveis. Sua aparência antes terna e convidativa será apenas rústica e desgastada... como nossa relação. Meus íntimos me encontrarão irascível e dirão que sofro de mudança de comportamento. Não confidenciarei nada a ninguém. Vou guardar esta dor pra mim. Minha questão é minha e de mais ninguém.

Então, será talvez um dia de agosto - o mês ideal para trair...
Eu irei a tal loja e irei comprar o novo modelo.
Eu disse comprar. Não é mais pesquisa. Acabou-se o flerte. A farsa. Tudo/Tudo/Tudo. A insuportável tentação dá lugar a mais ferina das traições. Acabou-se a vergonha também. Comprarei, sim, o novo modelo. Premeditado, reservarei uma importância só para isso. Pressão sobre os joelhos. Aperto no peito trocado por liberdade assumida. Exponho o antigo velho fuleiro sobre a bancada. Direi, quando chegar a minha vez, é claro, pois eu respeito filas, "quero aquele lá da vitrine". É fim de conversa. Tudo às claras. Eis a verdade escondida naqueles olhares de desleixo no meu reincidente destratar. Eu cobiço. Entenda, eu sou apenas humano.

O perfeito me chegará com o brilho da juventude, a proposta de prazer e tudo mais. O outro ficará na bancada com cara de passado.

- O que vai fazer com este daqui? - atendente sorriso.

- Vou dá-lo.

Pronto. A conspiração covarde se fechará. Nada mais vil que isso. Não vender. Não presentear. Não doar. Dar. Dar não é doar. Dar é para qualquer um, até para quem não precisa. E assim sairei da loja e principiará o desmanche da relação.
Desabilitar a linha anterior.
Retirar assim a alma do aparelho.
Um celular sem linha, inexiste na função. Nada mais que casca.
Ativar a linha do novo modelo. A emoção será tamanha que não vou resistir... vou chorar.

Por fim, me surpreender com algo.
Algo profundo demais.
Algo inesperado.
Não sei o que é isso ou simplesmente não admito?
É um sentimento estranho que eu não sentia há tempos.
Uma lebrança ornada de ternura que faz aflorar de mim um sorriso surpreso e triste.
Saudade.


O dândi que eu era

Eu escrevi aquelas coisas e ela não gostou.
Nunca mais escrevo aquelas coisas. Ou não ao menos daquele jeito.
Quis um beijo dela e ela me negou.
As outras coisas, muito menos.
Mas eu não aprendo mesmo hein? Vc não entende que eu sou o inocente nisto tudo e faço o q faço por eu ser um doente. É mais forte que eu. Chamam a isso pulsão, sabia? Ela diz não... É que eu camuflo minha inércia com este caô de doença. Isso é desculpa de dândis, re-diz. Eu sou aquele que se contenta em ostentar vazios e emoldurar fracassos pra se colocar sobre algum tipo de pódio... nem que seja o dos idiotas. Disse ela que eu fumo demais do pior cigarro barato por achar muito foda posar de fudido. Ela acertou em cheio (como sempre). Eu poso de fudido pq é tudo o q tenho... além da nicotina & alcatrão.
Mas depois de toda essa zorra, ela me beijou... mesmo assim ela me beijou.
Não vou te dizer que não me senti bem em vê-la toda nervosinha me chamando de dândi. Qual moleque não se sente importante quando leva um carão da mamãe? O ponto alto, sem dúvida, foi me desmascarar... eu curto posar de fudido com o cigarro Campeão destruindo minha garganta e pulmão. Pois é, ela diz isso e depois me beija com tanta força que esqueço até do meu ego. Aí eu morro e vivo de novo. Entro em combustão instantânea. Desfeito em cinzas, espalhado no chão pra que me pisem e eu fique aderente ao solado dos sapatos urbanos pra daí a 15 minutos voltar a ser gente, admirar-se e dizer: essa é a melhor droga do mundo.
Depois dessa só mesmo um "tá bem tá bem, vou mudar". Sair com a pose entre as pernas e recolher-se à minha insigni... Epa. Olha eu posando de novo.

Aí, essa mulher tem uma boca melhor que qualquer spa, que qualquer cvv, superior aos 12 passos de budha... que qualquer 5 meses de divã... melhor q tai-chi, melhor q a maconha do norte... melhor q posar de outsider... melhor que quebrar as normas e leis... melhor que provocar o guardinha... melhor q pichar mais alto que todos... melhor que brigar com o vizinho... melhor que mandar tomar no cu e que mandar se fuder... melhor que escrever baboseira... É melhor que sol-de-bom-dia e banho quente. Se eu não retribuir logo fico sem essa droga de boca... e isso não pode.


Ok, beibe, parei de fumar... Campeão.
Amanhã, eu juro, procuro outra marca.


Palhacinho

De todos os 125 paus que ela chupou naquela semana, aquele, sem dúvida, era o mais estranho. Na verdade, não lembrava de ter chupado pau assim em toda sua vida.
Frocado e frio, mesmo entumecido.
Exageradamente torto. Incomum. Estranho. Cinzento. E triste.
Nunca concebeu pau assim. O choque foi instantâneo. Estava pronta para tudo... ou achava que estava.

As meninas o chamavam de Palhacinho. "Aí Amanda, hoje vc vai descabelar o Palhacinho." E riam. Como riam.
Palhacinho não era exatamente pequeno. Até deveria ter um tamanho normal... se fosse perfeito. Talvez aquele jeitão, entre o cômico e o trágico, tenha gerado esse apelido.

Olhando incrédula e nervosa, tentando frear as emoções confusas que pareciam querer sair por seu rosto, a menina Amanda deixou escapar um sussurro: "Palhacinho".
O dono do pau, levantou-se lentamente. "Oi?"
O dono do pau era mulato mediano. Nem forte nem fraco. Nem alto nem baixo. Brasileiro normal de cabelo maquinado 2.
Apesar de dono de um pau pavoroso, notridâmico, era terno e bom. Assim percebia Amanda, que por ser mãe e puta exemplar percebe tudo mais que as mães e putas normais.

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