sexta-feira, março 11, 2005

Pq odeio médicos

Mostre-me onde dói.
Estou com uma dor filhadaputa nas costas, dr.
Eu sei. Vire-se. Não se volte. Mostre-me onde dói.
No ciático, dr. No ciático.
Isso é a lombar. Mendes, já te falei pra não se meter no meu trabalho. Vire-se. Pare de resistir.
O que você quer dizer com isso?
Todas as vezes que vem aqui é assim. Sei muito bem que não toma os remédios. O que você quer com minhas receitas? Acha que sou algum palhaço?
Modere sua língua, dr.
Todas as vezes é isso. "Tenho dor filhadaputa nas costas." Resiste à consulta e resiste ao tratamento. Nunca faz os exames. Qual o sentido então de vir aqui? Vire-se!
Como posso não me virar????
Você não confia. Você não acredita em mim. O que você quer?
Dr., eu quero que me mate.

sábado, março 05, 2005

A Lei do Inexplicável Sentido das Coisas

Eu quero que este pingo de suor caia do meu rosto... Agora.
Maldito calor.
Não cai. Não cai. Não cai.
Fica aí grudado só pra me irritar.
Aqui se costuma dizer que não se divide quarto de motel com as moscas. Pra mim, o sentido desta frase não existe. Isso é claro. A sonoridade dela sim: "Não se divide quarto de motel com as moscas".
Percebo que quando o Sr. Senso Comum criou essa frase, criou para os ouvidos e não para a mente. Porque não se divide quarto de motel com as moscas? Porque elas não te deixam dormir? Não te deixam trepar? Não te deixam pensar? Chorar? Ler? Beber como um porco, um nada dormente?
Pouco me importa nesta frase folclórica deste maldito lugar quente por que as moscas são tão más companhias num quarto de motel. Pra mim, esses insetos sempre foram más companhias em qualquer lugar que eu fosse. Já briguei com um sujeito que nunca vi porque queria fazê-lo entender que eu não acredito na erudição moderna... no homem do estudo. Ele nem ao menos estava falando deste assunto.
Muitos ditos do povo existem apenas e nada mais pela sonora sensação que provocam. Motel = lugar para se passar uma noite ou mais apenas como dormitório, lugar de passagem ou de foda urgente. Quarto de motel = o sepulcro do sono, do pensamento de espera e da foda urgente. Moscas = insetos em estado de parceria com o homem e seus suores. A frase, a expressão, o dito é quase um hai-kai.

Acho a intelectualidade arrogante. Querem ver sentido em tudo e tudo é existencialismo. Porque estou neste lugar? Porque quero lembrar. Porque eu estou suando? Porque aqui é uma maldita caldeira. Porque eu não tiro esse suor do meu rosto? ou Porque este pingo ainda não caiu do meu rosto? Sinto-me furioso.
Nas palestras que fiz pelo país cheguei a tratar dessa questão: há um momento em que a vida inexplica tudo. Inexplica. A platéia anotou o novo verbo em uníssono riscar de canetas promocionais com o logo do evento. I Ciclo de Palestras do Instituto Limitrofista Breasileiro. Porque pessoas vão assistir a uma palestra limitrofista? Eu não sei. Afinal, o pingo não cai. Esta é a questão de tudo. O sentido talvez exista. Não convide moscas para passar sequer (sequer) uma noite contigo num quarto de motel. Mas quem em seu juízo perfeito faria isso?
O suor deslizou 3 milímetros. O calor aumentou em 1 grau. Meu cílio superior a extrema esquerda do olho esquerdo desprendeu-se do inferior provocando um alívio profundo de cerca de milisegundos.
O curso do meu pensamento é sinuoso. Minha busca tem sido explicar o não-sentido das coisas. Ganhando notas pífias em matérias pagas no jornal. E uma coluna fixa num tablóide do meu próprio instituto. Agora estou aqui. Patrocinado por mim mesmo para comprovar in loco, num lugar sem sentido de existir, a Lei do Inexplicável Sentido das Coisas em Situações-Limite.

A ciência toma para si que a realidade ainda é o melhor laboratório. Sou da escola científica que diz que a melhor cobaia é o próprio cientista. Já estou liso. Sem um puto. Amanhã não terei como pagar minha diária neste motel. Vejo violência neste ambiente. Ontem vi sangue no azulejo do banheiro coletivo. Anteontem, ao chegar, vi o que acontece com quem não cumpre seus deveres de inquilino temporário. Há um contrato. Haverá sentido neste contrato? Será que é a punição quem confere sentido às coisas? É punindo o crime que sabemos dele crime? A lei existe para dar sentido... mesmo ao inexplicável. A vida pode ter sentido ou não. Mas sempre haverá uma lei.

Estou aqui para lembrar.

quarta-feira, março 02, 2005

Tio Sâni, o cara

Que tema, que tema!
Era assim que, duma forma muito própria, meu tio Sani se relacionava com a música que gostava. A beleza de tudo para ele estava no tema. A base, a base - ele argumentava e tava aí, ele tinha razão. Destrua e renasca na força do seu tema.

Abuso de capacidade!
Outro comentário muito dele. Flor de axiomas, esse Sâni, o cara. E se destrancava da entranha mental um comentário dessa natureza nem imagine o gestual que ele fazia. Econômico, só se dignava a comentar o que era bom. Não abria a boca pra coisas que não valessem realmente a pena. Com muita razão. Não desperdiçava energia e nem se fadigava com sem gracice.

Mulher!
Bastava isso. Mulher. Nesse códio mínimo de comentário havia que se parar tudo que se fazia e prestar atenção no entorno que com certeza ia aparecer ela. Abuso de capacidade! Que tema, que tema! Eram frases que usávamos fora das vistas do doido. Tínhamos medo do Sâni. Tínhamos medo de estar usando o código na hora errada. Mas vocês já perceberam que:
1. Música maravilhosa? Então é: "Que tema, que tema!"
2. Fez um ótimo trabalho? "Abuso de capacidade!"
3. Ela tá passando? "Mulher!"

Note-se. Estamos tratando de forma escrita de algo que é informação sonora. Sâni era um gênio da entonação. Um comentário do tio era feito de palavras com timbres corretos. Por exemplo: "Mulher!". Puxe o "lieeeeeeerrrr" na duração correta. Na métrica. Na métrica.