quinta-feira, fevereiro 18, 2010

A 30 cm do seu rosto

Eu tenho um segredo oculto.
Que só te direi a até 30 cm do seu rosto.

Eu tenho um segredo oculto.
Que não tem a menor importância para o resto da humanidade.
Que não vai mudar o curso das marés e não vai nos salvar do aquecimento global.
Que não vai destituir ninguém do seu cargo e não vai dar em demissões em massa.

Este segredo, porém, pode nos fazer pessoas perigosas.
Ou simples amigos.

domingo, fevereiro 07, 2010

Laudo Pericial

Não estavam doentes. Não tinham AIDS. Não tinham dengue. Não tinham problemas cardíacos. Não tinham câncer nem diabetes. Não tinham micose nem seborréia. Não tinham problemas na fala. Não tinham mal hálito. Não tinham lábio leporino. Não lhes faltava nenhum dente. Não tinham cárie. Não estavam desempregados e também não tinham dívidas. Não dependiam financeiramente dos pais. Não eram hipertensos. Não eram barrigudos nem carecas. Não tinham vícios. Não eram dependentes de drogas. Não dependiam de máquinas para viver. Não passavam por nenhum tratamento e não faziam uso de nenhuma medicação. Não eram surdos nem mudos ou cegos. Não possuiam problemas no cérebro e podiam se lembrar do dia de ontem, de anteontem, de antes de anteontem e de coisas da adolescência e da época de criança. Não eram órfãos. Não moravam na Somália. E também não moravam no Iraque. Não moravam em um barraco. Não viviam em "zona de risco". Não passavam fome. Nunca repetiram de ano. Não ficaram em recuperação. Nunca foram a uma guerra e nem conheceram alguém que tivesse ido. Não foram baleados e nunca viram um crime. Não eram míopes. Não eram estrábicos ou vesgos. Não eram analfabetos. Não tinham próteses no corpo. Não eram subempregados. Não tinham um emprego informal. Não eram políticos e não eram corruptos. Nunca roubaram ninguém. Não tinham telhado de vidro. Nunca traíram. Não tinham alergias. Não tinham pau pequeno. Não eram ricos e não eram miseráveis. Não nasceram na Idade Média e nem no Neolítico. Não eram desafinados. Não eram doutrinários nem autoritários. Não eram virgens - já tinham sentido o prazer e o delírio. Nunca mataram. Não tinham inimigos conhecidos. Nunca foram processados. Não tinham passagem pela polícia. Não estavam sujos no SPC - nem no SERASA. Não atrasavam as contas. Não eram burros mas pensavam tolices. Eram chatos pra caralho.
Tinham problemas com o amor.

Eu sou a carta na garrafa

1. Já fiquei feliz só em te conhecer.
2. Só em ter visto teu sorriso naquele dia, naquela hora, pra mim já foi uma oportunidade essencial.
3. Não posso me viciar em ser um voyer.
4. Gostaria de caminhar contigo.

(Será que estou perdendo a briga? Será que minha companhia sempre será tu, o eu-que-eu-não-sou?)

O eu-que-eu-não-sou não caminha contigo, somente só e muitas vezes prefere ficar imóvel. O eu-que-eu-não-sou não cresce, se encolhe. Não aprende, repete o erro. Não fala, pensa e o que pensa é um novelo encharcado de ódio e ressentimento, sem começo nem fim. Quando lancha, não sente o gosto da comida e come para sobreviver não para sentir gostos. O eu-que-eu-não-sou não comemora; não torce, se retorce. É o feto que não nasce. A criança que não cresce mas envelhece. O herói que não luta mas sofre e perece.

O eu-que-eu-não-sou é alguém que quer a posse da minha atenção e faz de mim sua prisão maternal compulsória.

O eu-que-eu-não-sou não viaja, foge. Não revela, esconde.

Não termina pois nunca começa.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

O cérebro, o célebre e o cérbero

Você já foi a uma festa que não conseguia sair?
Pois bem, ele tem um medo radial de que lhe explodam o cérebro. O célebre. O cérbero. No meio desse medo-entre-outros achava tempo (esclareço: sua mente, não ele) para fazer trocadilhos toscos.
"Não corta essa merda. Eles adoram que apareça a bandeira nas fotos". Disse-lhe o fotógrafo.
Então ele também tinha medo-entre-outros de chegar ao máximo de contrição da libido. Achava que isso faria com que explodisse o cérebro devido a hipertensão sexual em sua mente. Sempre ela. Sempre a mente. Não sabia se pensar era uma maldição, uma sina ou um tipo de doença... ao menos pensar como ele pensava, na quantidade de pensamentos que ele gerava. O problema dos pensamentos - pensava - era que eram porduzidos a uma taxa muito mais alta que sua dispersão gerando um volume de material excedente que se acumulava pelo cérebro. Cérbero - o cão a vigiar a porta do cérebro - não dava conta de espantar os maus pensamentos que sempre entravam pelas mil frestas da sua mente. O Célebre - seu guia autoinstituído - nãao dava conta de instruí-lo a limpar a mente dos excessos reclamantes e nem de desprezar os os excessos nascedouros.
A verdade é que Célebre e Cérbero faziam seu trabalho mas não tinham grande experiência no assunto (também eram marinheiros de primeiras viagens) mas não lhe revelavam isso. Foi após muito tempo que ele foi ficando muito desconfiado daquela dificuldade com os excessos de pensamento (negativos, é bom lembrar) e foi duvidando da capacidade de seus dois escudeiros. Com a falta de confiança, os escudeiros foram ficando meio murchos, deixando os pensamentos (desagradáveis, ressalto) irem entrando e fazendo sua festa (um tanto massante para meu gosto, confesso).