sábado, dezembro 18, 2004

Pedro Pedra

Pedro desejou um dia ser pedra.
Pedro desejou com força e conseguiu.
Pedro enfetado no chão do grande campo urbano perto do shopping atrapalhando a circulação das pessoas... sim, não era um lugar qualquer.
Pedro, que pensava no início, foi se fechando. A mente se empedrando pensamento em pedra.
Cerrou-se, protegido na segurança vazia da não-emoção. Um feito humano jamais conseguido? Talvez... Também, como saber? O segredo do sucesso de um pedro-pedra está em realmente ser pedra, não somente desejar, mas se TORNAR consigo e com o mundo... ainda que não feita de minérios e regras físicas rígidas de construção e desgaste mas de carne e sangue como todos nós, (ainda) não-pedras. Enfim, Pedro obteve sucesso. Desavidos esbarravam; prevenidos desviavam; e crianças subiam em suas costas.
Fria. Que engraçado é o pensamento coletivo: basta que se olhe uma pedra para imaginá-la fria. Esta aqui era diferente mas ninguém podia sabê-lo pois não é todo dia que algúém toma a temperatura de uma coisa morta. uma coisa inútil. uma coisa inerte. pedra.

Agora imagine se um dia trituram Pedro.
Imagine se um dia enfiam-lhe uma picareta.
Se resolvem de Pedro extrair um David.
Alguém aí dirá "parla"? Diante do jorro de sangue evidência do vivo, diante desse david inverso, me digam, por favor, quem será o florentino filha da puta lhe dirá "parla"????

Ninguém. Tarde demais. Não se diz "parla" a uma pedra.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

O Porra Humana (the astonishing Comming Man)

"Olá, eu sou o Porra Humana. Soltem a moça ou vão se arrepender amargamente."

1951.
Estamos diante de Daniel Thomas Clearing, o fundador da recém-lançada editora de gibis de fantasia Great Commics. Sua boca está fechada (do tipo comprimida) e seus olhos estão injetados (do tipo possuídos). Como um andróide fracassado ele abaixa o leiaute à sua frente revelando a imagem do franzino e pálido...
- Mcgee!!! Are-u-nuuuts??? Oque-é-isso?
Estamos diante de Winston Mcgee, 27 anos, desenhista júnior e candidato a estrela dos quadrinhos de ação. Infelizmente, isso não passará de um sonho. Ele é o criador de Dickson White... O Porra Humana.

(continua)

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Tarso

- Amanda?
- Isso. Eu mesma. - e ela entrou e ele sentiu cheiro de colônia e banho.

Levou algum tempo para que Tarso entendesse que ia ficar cego. Mais precisamente o tempo que levou para que as trevas cobrissem sua cara. Havia uma questão genética talvez também questões de alimentação e um cansaço da vida. O stress da rotina dum trabalho estafante e complicado também contribuiu. É lógico. Existem casos em que se perde o fígado, o baço, em que surge um tumor cerebral, em que vem um derrame ou sucedem-se outros males como a perda degenerativa da memória, o sufocamente progressivo e a síndrome de pânico aliada a uma psicose maníaco-depressiva. Tarso teve sorte. Ele só ia ficar cego.

O apagar das luzes durou um mês a menos do que o especialista havia previsto. Tarso andava na cidade fingindo ver e, como já foi mencionado: ele é um sujeito de sorte. Por muito pouco não morreu. Foram os amigos quem seguraram o homem, o advertiram e abriram os olhos de Tarso (que irônica força de expressão. Enxerga Tarso: você está cego.

Idas e vindas de flashes de luz. Fades de imagens que depois ele descobriu... Eram resquícios da memória. Carnes próximas da sua. A barriga que respira por um umbigo que sobe e desce.
A mão magrela e veiuda deitada sobre longos cabelos claros, louros e tão lisos que ofendiam a vista. Um cheseburguer derretendo baba de maionese e queijo chedar mais uma enxurrada de molho a espargir na força dos dentes. Olho. Parado e muito próximo. Azul. As vezes verde acinzentado e claro. Aberto e sorridente. A palma da mão clara a espera da velha brincadeira quiromantica. De frente ao espelho sorrindo sem rir para caçar o mais rápido possível a casca do feijão - objeto de constrangimento. O ponteiro da hora no cinco o do minuto no 6. Balões sem cor. O sonho da cegueira lhe parecia um videoclip de momentos testemunhados e imaginados. hmm... mais imaginados que vividos.
A noite bastava-lhe cerrar a consciência para que as imagens viessem de assalto.
A frustração era demais. Tão grande que Tarso não mais dormia.
A duras penas praticava o braile. Não queria aprender. Sentia-se cego e pronto. Não queria aprender a ser cego. Já era.

Mas então as imagens passaram a ser sonhos despertos. Pois ele descobriu que não havia mais necessidade da noite já que ele tinha a graça das trevas privadas. Minifúndio no limbo. Não havia pedido por nada mas lá vinha para sua casa seu cinema particular feito por algum diretor esquizofrênico. Assim, do meio dessas lembranças, ele tirou um número (de telefone, pelo "visto"). Do fundo da cegueira, discou os numeros acomapnhando de cor o teclado. Será? E se tivesse discado errado?
- Alô?
Ele nada.
- Alô?