segunda-feira, dezembro 06, 2004

Tarso

- Amanda?
- Isso. Eu mesma. - e ela entrou e ele sentiu cheiro de colônia e banho.

Levou algum tempo para que Tarso entendesse que ia ficar cego. Mais precisamente o tempo que levou para que as trevas cobrissem sua cara. Havia uma questão genética talvez também questões de alimentação e um cansaço da vida. O stress da rotina dum trabalho estafante e complicado também contribuiu. É lógico. Existem casos em que se perde o fígado, o baço, em que surge um tumor cerebral, em que vem um derrame ou sucedem-se outros males como a perda degenerativa da memória, o sufocamente progressivo e a síndrome de pânico aliada a uma psicose maníaco-depressiva. Tarso teve sorte. Ele só ia ficar cego.

O apagar das luzes durou um mês a menos do que o especialista havia previsto. Tarso andava na cidade fingindo ver e, como já foi mencionado: ele é um sujeito de sorte. Por muito pouco não morreu. Foram os amigos quem seguraram o homem, o advertiram e abriram os olhos de Tarso (que irônica força de expressão. Enxerga Tarso: você está cego.

Idas e vindas de flashes de luz. Fades de imagens que depois ele descobriu... Eram resquícios da memória. Carnes próximas da sua. A barriga que respira por um umbigo que sobe e desce.
A mão magrela e veiuda deitada sobre longos cabelos claros, louros e tão lisos que ofendiam a vista. Um cheseburguer derretendo baba de maionese e queijo chedar mais uma enxurrada de molho a espargir na força dos dentes. Olho. Parado e muito próximo. Azul. As vezes verde acinzentado e claro. Aberto e sorridente. A palma da mão clara a espera da velha brincadeira quiromantica. De frente ao espelho sorrindo sem rir para caçar o mais rápido possível a casca do feijão - objeto de constrangimento. O ponteiro da hora no cinco o do minuto no 6. Balões sem cor. O sonho da cegueira lhe parecia um videoclip de momentos testemunhados e imaginados. hmm... mais imaginados que vividos.
A noite bastava-lhe cerrar a consciência para que as imagens viessem de assalto.
A frustração era demais. Tão grande que Tarso não mais dormia.
A duras penas praticava o braile. Não queria aprender. Sentia-se cego e pronto. Não queria aprender a ser cego. Já era.

Mas então as imagens passaram a ser sonhos despertos. Pois ele descobriu que não havia mais necessidade da noite já que ele tinha a graça das trevas privadas. Minifúndio no limbo. Não havia pedido por nada mas lá vinha para sua casa seu cinema particular feito por algum diretor esquizofrênico. Assim, do meio dessas lembranças, ele tirou um número (de telefone, pelo "visto"). Do fundo da cegueira, discou os numeros acomapnhando de cor o teclado. Será? E se tivesse discado errado?
- Alô?
Ele nada.
- Alô?

Um comentário:

Anônimo disse...

alô?!