quarta-feira, novembro 03, 2004

A Matilha

Um grupo que se autodenomina 'A Matilha' não pode ser composto de pessoas agradáveis.
Não é mesmo?

De fato, Peterson sabia onde estava mexendo. Um vespeiro que ao menor movimento acionaria a mais absurdamente cruel máquina de assassinos. A Matilha é uma escola. A Matilha é um sepulcro. A Matilha é onde o que nasce bom se torna horrendo e o que nasce mal tem medo de si mesmo.

Muitos estudiosos, acreditando ser uma lenda, tentaram descobrir o tanto de realidade e o tanto de carochinha por trás da biografia do grupo. Muitos estudiosos atestaram a veracidade do horror com suas mortes. Mas Peterson não era um estudioso. Era só um cidadão. Na verdade, nunca se interessara por romances policiais nem por noticiários de crimes. Ele só queria uma coisa muito simples... Saber do seu filho.

Muitos pais abandonam seus filhos quando eles se tornam parte da Matilha. Os técnicos da polícia - os agentes - recomendam que se dê como morto. Uma vez no grupo não resta nada do que foi o elemento. O elemento é só parte. É só um assassino. A alma abandonada resseca e some. Assume seu lugar um novo ser, nada parecido com o que se foi mas uma cópia idêntica dos fiéis membros da Matilha. Por isso, recomenda-se aos pais, esquecer...

Peterson não esquecia. Nem tentou. Na entrevista com os agentes mentiu. Sim, ele até queimou todos os retratos do filho (os vestígios de sua existência anterior). Sim, ele também destruiu brinquedos: o velocípede azul, a girafa de plástico, o caderninho do colégio. Recomenda-se isso pois fica mais fácil eliminar laços afetivos a partir da desintegração da memória visual. As despesas saem por conta do Governo. Está na cartilha.

Peterson e Mary queimaram tudo. Em cumprimento à lei, nomearam testemunhas que assistiram caladas ao ritual do esquecimento. Nenhum choro. Peterson não chorava. A temida escola de assassinos raptara seu filho mais novo e mais puro... e ele não se permitiu uma lágrima.

Peterson. 45 anos. Técnico em eletrônica. Pai.

Um nome no jornal pode dizer muito a uma mente que procura. O agiota recebeu Peterson com um sorriso que murchou rápido diante da frieza do homem. Não havia muito o que dizer mesmo. Agiotas têm no sangue um veneno. Pouco importa a vida. Pouco importa a família, a moral e até mesmo o medo da punição. Esse veneno é sua ruína e seu vício. Esse vício é dinheiro. Notas frias, novas como ele exigiu, depositadas em cima da mesa substituíram a frieza de Peterson Pai. A lingua da grana é o esperanto dos agiotas. Apanhou-as e pagou com um papel. Papel escrito e repleto de nomes. Cada nome um numero. Um telefone. O começo da busca.


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