segunda-feira, novembro 22, 2004

O Ogro ataca

A exposição dos pintores românticos franceses teria sido um sucesso não fosse a aparição do Ogro.
O monstro veio e tudo foi destruído. Todas as obras trucidadas em plena inaguração. Não só as obras como 80 dos 90 convidados... Trucidados.
Du caralho o Ogro entrou, impressionante, arrebentando a clarabóia do museu, espalhando vidro pra todo lado. Muitas lascas de vidro rasgaram as roupas e as carnes das senhoras e senhores presentes. Também crianças não ficaram sem sua cota de dor.
O Ogro afundou os pés gigantes no chão amparando o próprio corpo disforme e desgraçando o piso feito de mosaicos restaurados do Brasil Colônia. Uma jóia de mais de um 1 milhão de reais pisoteada e transformada em farelo... a prova de restauro.
Um estrondo de canhão. Chutou a porta de vidro que separava a seção de pinturas do salão do convescote. O monstro se amarra em tudo tudo tudo que é de vidro. Ele curte quebrar tudo que pode se transformar em máquina cortante de dilacerar.
Um braço dele quando se levanta é pra valer e pra varrer. Varrer vidas. Então o braço do Ogro varreu os guardas dali e eles foram cuspidos pra fora do museu a uma velocidade estonteante. Mais vidraças quebradas. Inclusive de carros, pois os guardinhas foram jogados para cima de veículos em movimento, sendo que um era um coletivo.
Ogro odeia. Ogro esmaga.
Pastel folheado, isso é um quadro, uma pessoa, qualquer coisa na boca do monstro. Ele come obras. Mete os dentes. Os dentes guincham. Parecem máquinas. Máquinas de comer o que aparecer pela frente. Os dentes mastigam enquanto os braços se ocupam de arremessar os infelizes... no finado abrigo da arte mundial. Cadeiras vitorianas transformadas em lascas velhas no ar, sem o menor valor cultural.
Separam-se corpos de cabeças. É muito diferente do que se vê nos filmes. É menos agressivo pq parece mais fácil. A vida humana é frágil demais para a pirotecnia do cinema. Um corpo quando morre é dramático porque ele fica parado não pelo sofrimento em si. Como pode num instante o que é vivo e cheio ficar bruto e vazio?
Bom, um ogro tem em média 4 metros. Nosso amigo tem o dobro da altura e braços e pernas mais grossos que um homem gordo. Cada movimento desses membros, uma porrada nas nobres paredes do átrio central abalando seriamente as estruturas e fazendo com que colunas de mármore e lajes de concreto virem uma arapuca de esmagar gente.
James estava lá.
Filmou tudo com sua mini-dv. A uma distância minimamente segura, se é que pode existir isso num espaço de chacina. De amanhã em diante, suas cenas percorrerão o mundo e farão a fortuna de seu produtor. A neblina espessa de pó fará parte dessa produção caseira. Um efeito visual emocionante. E os lamentos dos sobreviventes, a trilha incidental.
45 minutos de pavor. Daí, o silêncio.
O Ogro não estava mais lá. Não tão espetacular foi sua saída e, no entanto, foi só baixar a poeira, pra ver o rastro pesado da criatura que seguiu destruindo também outras alas.
James desligou a câmera. Colocou-a dentro da bolsa e parou pra analisar o estrago.
Arte, vidas e arquitetura reviradas num caldo de sangue, pó e... vidro.
Vidro enfiado em carnes. Carnes reais e carnes pintadas. Crânios perfurados por quinas de molduras do século XVIII e colunas gregas falsificadas deitadas sobre duzias de mortos. Essas misturas estavam formando uma nova tela. Os elementos caóticos sempre formam um novo padrão. James ficou olhando. Meio hipnotizado. Excitado. O jovem estudante de medicina olhou. E então... Viu. Estacado de pé, congelado no tempo, apanhou vagarosamente sua câmera e...

Registrou aquela obra.

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