terça-feira, novembro 09, 2004

Adeus ao Mundo Superior

Bem-vindo ao Mundo Superior - me diz a asa.
Azul em cima, branco em baixo.
Um gigantesco mundo de algodão. A asa recortada em luz por sombras roxas de si mesma. Brilhantissimo quadro de luz que ofende o olhar e deixa a íris turva.
Eu e mais 100 no avião.
As formações de nuvens se espraiando que nem um mar virando areia e virando montanhas enormes nem um pouco ameaçadoras. Convidativas até, pq não? Convidativas chamam pra habitar onde ali a população é zero. Se eu caisse... imaginei que meu corpo quicaria no fofo umas 7 ou 8 vezes até poder ficar de pé e andar. Eis o Mundo Superior que avisto lá embaixo.
Vai tomar no cu eu e todo o resto se esse mundo de agora não é o mesmo de milênios atrás.
Uma cultura baseada no lento. Deslizante... Caramujos albinos... E o azul.
A asa se oferece em sacrifício. Pq quer assim. Se parte e é lindo. Em câmera lenta para mim. Ela se parte e é assim: meus olhos marejam; rodopia e se eleva a barbatana de metal maravilha iluminada pelo sol, cintilando tudo, alternando brilhos. Rodopia e vai... Para o alto e logo para baixo... do avião se despede e segue em outra direção. As nuvens fofas nos aguardam tênues e pacientes. O sofá de deslizantes massas aguarda a entrada do pequeno abrigo metálico que desce. Dentro, nem me ouço e nem os ouço também.
Risos e preces. Bocas abertas. Borracha e fibra. A maravilha da tecnologia. A desesperança recompensada com a morte convergente. Eu e uma capa da Carta Capital. Eu e meu fone de ouvido. Eu e a máscara que desce. Eu e uma turbina pendente. Eu e o copo do suco de manga light caindo em meu colo. O etéreo som de um rock muito sujo e lento no ouvido. Descida. Se acelera o andamento em atraso com a realidade. O som que ouço será da música? Será de fora? A asa partida se despede. Longe longe, é engolida por nuvens. Só eu vi essa cena? Só eu?
O avião rodopia. É sua parte na dança.
Rodopia mas entao acha um prumo reto e vai. Me vejo de fora. Me vejo distante. Assistindo o silencioso encontro do avião com as nuvens do céu. Penetra. Não quica. Lá dentro, uma pintura de Pollock. Indiscernível mundo de sons e imagens. Gente e teconologia aeronáutica jogadas selvagemente sobre uma tela de pânico improviso.
Lá fora... As entranhas do Mundo Superior. Camadas e camadas de cinza. O rugido. A casa trrrreme. O mmmmunnndo trrrrrremmmmme. Tttttttudo trrreme nas entrrrranhas trrreme.
Estamos sob o mar ou sobre a rocha? Ouço eixos que se partem. Coisas que se partem. Não as vejo. Mas sei que se partem. Não as vejo pois só tem um imenso quadro de Pollock à minha frente.
Existem crianças aqui dentro. Algumas não choram mais.
Existem velhos espalhados pelo chão. Já existem corpos que brincam de pular do chão para o teto, do teto para o chão. Me sinto alheio. Me sinto assim, ó, com a loucura. Me enterneço com marido e esposa mortos abraçados esmagados entre poltronas suicidas.
Meu assento é um lar. É um ninho.
Vuchhhhhhhhhhhh. Me enterneço. O rugido é ainda mais alto e trovejoso, tudo em crescimento, o mundo corre, minha cabeça atirada pra trás, quebra-me ao estalar meu pescoço quebra-me ao tudo não morro e não me deixo morrer sem antes ver minha ultima visão que é um som com forma
matéria pura matéria pura
explode água lá na frente em gélido gozo oceânico
invasão de mar_ de bolhas_ de tripulação
mecanismos
a água encontra seu lugar
bóiam corpos alguns gordos alguns magros
corpos de ternos
manchados de sangues deles e de outros
poltronas antes tão firmes se tornam brinquedos de partir
cenografia exclusiva de filme de monstro japonês
minha vista fica turva novamente
escurece em água
se acoberta em frio


Bem-vindo ao Mundo Inferior.


Nenhum comentário: