sexta-feira, abril 09, 2004

A Origem do Vingador Estóico

- Dê um beijo nela!
- Como?
- Sim... Vc mesmo... De camisa amarela! – repetiu o mascarado, gritando e apontando a arma – Dê um beijo nela.
- Mas...
- Vem cá! C quer ser desintegrado? Eu SEI q vc está a fim dela. Não é? Diga!!!
- Sim, e-estou.
- E vc? Eu sei q vc vai deixá-lo te beijar.
- Mas... – ela falou com medo.
Estávamos conversando sentados um do lado do outro. Quando ele apareceu na lanchonete com sua arma de raios e gritou: “A-HÁ!” e apontou em nossa direção.
A arma agora estava encostada na cabeça dela... Meu deus... Q situação.
- Beije... agora.
Vamos garoto, beije a garota. Esta é sua oportunidade. Eu sei que é o que vc quer. Ela
ainda não sabe mas é isso o melhor para ela também. Ela não pode continuar com esses calhordas que ela sai...

Ela é muito linda... Mara. Que coisa maluca. Pq ele me escolheu? Que tipo de tarado é esse? Isso não pode estar acontecendo.

Que loucura. Esse cara com essa máscara e essa capa. O que ele acha que é? Um herói? Ou um vilão? Deve ser um psicopata. Será que Paulinho vai me beijar? Talvez seja melhor deixar... O mascarado disse que é isso o que ele quer. Será que isso tudo é arranjado? Ó que pesadelo.

- Beije a garota. - falo, rispidamente.
“Kiss the girl” – se eu fosse um herói americano esta frase teria ficado mais impactante.

Tão linda. Quer saber? Não faço idéia de quem seja esse maluco mas ele salvou meu dia. Olho para Mara. Coração a mil. Sinto uma ânsia no ar. Todos na lanchonete estão na mesma sintonia, na mesma expectativa. Ela está paralisada com a arma de raios em sua cabeça, mas vejo ela fechar os olhos e mover os lábios tão lentamente que e hipnotiza. Acho que posso ver seus dentes. Beije a garota, eu penso, com meu cérebro adolescente. Nos tocamos. Não sei o que acontece depois e esqueço o mascarado.
O lábio dela é quente. (...) Hmmm...

Já que estou nesse absurdo vou até o fim. O lábio dele é quente e... (...) (...) Lábio. Mais lábio. Língua (...) Quente... (...) Hmmm...

(...)

Os vejo se beijando e sinto prazer por meu trabalho. Foi feita a Justiça. É isso o que me move em minha luta para servir à nossa frustrada humanidade. Lembro de minha origem, enquanto o casal se beija. A origem do... Vingador Estóico.
Eu tinha 26 anos. Estava acabando o curso de 5 anos na faculdade de Psicologia. Minha vida era uma frustração emocional sem fim e confirmando o senso comum que diz que 90% dos psicólogos escolhem essa carreira para se auto-analisar abracei a Psicologia de corpo e alma. Ó sim... Eu estava esfuziante diante das possibilidades. Poder ajudar as pessoas. Essa era minha meta mas a vida tem seus sortilégios, ó sim. Minha vida ainda era uma seqüência interminável de frustrações amorosas mesmo tendo me auto-analisado a luz dos ensinamentos de Freud, Reich e tantos outros. Tinha ciência de meus entraves e havia detectado a criação zelosa e hiperprotetora de meus pais como fonte de meus problemas de relacionamento. Mas havia algo errado... pq a razão, a ciência suprema dos relacionamentos não havia me trazido a solução de meus problemas? O mesmo observava nos casos que passava a analisar em meu consultório no Grajaú. Ao fim de um dia ouvindo toda sorte de frustrações, traumas e mágoas eu me sentia vencido. Anos de estudo nada ajudaram – concluí. Não sabia o que dizer aos meus pacientes se não sabia o que dizer à mim mesmo. Ó. Encarava o retrato de meu pai fitando o infinto – sempre sorridente e vitorioso. “Pai” – eu disse – “eu não quero enganar as pessoas”. Eu estava bêbado. Sim, eu estava. Havia me entregue à bebida para esquecer o fracasso profissional e pessoal em que me afundava. “Maldito... O q vc fez para ser tão... FELIZ?” gritei. Sim, meu pai, o Dr. Antonio Gülbenkim foi um homem feliz... profissionalmente realizado com uma carreira de sucesso... bem casado com uma mulher excepcional que lhe deu amor e felicidade durante os 88 anos de sua vida... um homem firmemente harmonizado... a imagem da tranqüilidade... um exemplo como profissional. “Como?” Lá estava eu, um bêbado triste. Um belo consultório de nada vale se lá trabalha um coração vazio. Mágoas, ó... Desengonçado joguei o copo de whiskye em seu retrato. Mais um fracasso... Errei.
E o copo foi parar na estante. Que idiota eu sou. Mas este erro iria me conduzir por uma viagem que mudaria minha vida. Levantei-me ensandecido para apanhar o copo do chão mas me desequilibrei e derrubei a pesada estante de jacarandá com seus livros. Fui soterrado pela pilha e sinto nas costas o peso esmagador da Psicanálise. Fiquei lá no chão. Imobilizado... Ao acordar, tentei sair do lugar mas não sentia minhas pernas. Gritei, ó deus, como gritei desesperadamente por socorro. Mas a secretária não estava mais lá. Passei um fim-de-semana soterrado naquele chão e deitado sobre um tapete cópia de persa. Então, senti.... Sob minha mão havia um livro de capa dura e letras douradas mas muito poído pelo tempo. Incapaz de mover meu corpo, movi o livro com a mão e li a capa. Estava escrito simplesmente: “AMOR.” Não dizia mais nada. Não tinha o nome do autor. Desajeitadamente, com uma mão só, fui lutando para folhear suas páginas amarelas.

(AGUARDE CONTINUAÇÃO DESTA INCRÍVEL AVENTURA DO... VINGADOR ESTÓICO...)

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