sexta-feira, novembro 06, 2009

A Prática da Auto-Pesca

Estou escorrendo pelo ralo.
Estou escrevendo em meu braço.
Estou comigo e não abro. Não me abro. Não me abraço. Não mais.
Estou escutando o que falo. Não sei se faz sentido. (Acho que não faço.) Vejo o nonsense de mim em seu rosto. Finges calma. Finges amor. Esfinges. Decifra-me, meu ralo. O braço está acabando mas não me faltam palavras que escorrem para além do abraço, pelo chão, pelo mar que eu mesmo faço. Escorre um rio no mar. Um rio de falas viscosas, de afluentes poluídos - e poluentes. Revolta-se em seu leito imaginário, desenha um redemoinho que me suga - pelo braço. Abraço uma pedra no meio do caminho. Por medo de ser levado, faço dela salvação. Não é uma pedra. É uma Esfinge. É você. Que se vira para mim e me diz uma palavra anzol, uma frase leme, uma sentença âncora. Devo escolher a melhor opção mas não sei se carrego a luz necessária. Me apego a palavra. Fincada em minha bochecha, é ela a minha guia, é a força que me estica cabeça, pescoço e corpo, me alça vôo do escuro como se eu fosse aquela bota que se pesca quando se quer apenas fisgar um peixe. Vôo, vôo. O profundo é um distante mundo escuro e irreal que só se percebe quando se é puxado pela boca. É no trajeto da saída que esse mundo se revela. Os panos em meu corpo. Placenta regurgitada. O cordão do umbigo que me enforca. Sou um feto adulto com ganas de notalgia. Aprendi a voar aos 45 anos do segundo tempo. A mente implode em palavras do meu aneurisma sentimental. Alço vôo. A lucidez é a boca do ralo vista pelo lado de dentro. Talvez eu tivesse ouvido um agudo sibilante. Um sino ou sirene prolongada. Uma frequência dissipante. Uma nova forma de calor. A verdade elétrica. A quintessência da energia. Isso é a descrição de uma nova modalidade de parto - próprio para fetos adultos com ganas de nostalgia. Escreverei um livro sobre isso. Ficará na sessão de auto-ajuda - e, afinal, é o termo melhor. Não conheço outro para essa experiência. Talvez auto-pesca. A Prática da Auto-Pesca. - A meta deste livro será formar auto-pescadores. Pessoas pescadoras/peixes que aprendam as técnicas necessárias para se fisgarem das profundezas do seu mar interno. Eu preferia não escrever esse livro para não cair na rede dos aproveitadores mas será um serviço social - Revelo em entrevista à mídia especializada. Com o dinheiro arrecadado construirei minha Fundação de Amparo a Auto-pesca. Milhões de adeptos - no mundo todo. Pessoas influentes e agradecidas financiarão minha campanha. Serei coroado com um lugar no Executivo. Serei Ministro. No recém-criado Ministério da Auto-Pesca. Terei assessores. Muitos. O número necessário para manter a Auto-Pesca nas pautas da mídia. Alcanço a luz do ralo, a boca da realidade, parido no chão do banheiro com o mar reduzido a arquipélagos transparentes a minha volta. O som sibilante muda de tom e se tranquiliza. Desperto tossindo suas palavras da minha boca - afogado estaria se não respirasse através delas. "Capaz", "Certo", "Possuido" e "Tarefa", eu vomito pela boca afora. Outras palavras também. Todas se desfalecem em espiral rumo ao ralo. Sem dar tchau. Nem adeus. Apenas indo com uma aparência de dejá vu.
Eu sou o feto que se levanta.
Eu sou o feto que nasceu vestido.
Eu sou o feto que se senta, que ajeita a gravata e que confere as horas em vez de chorar.

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