domingo, março 28, 2004

Em março eu fui ao Inferno. Como ser um Idiota.

 
Em março eu fui ao Inferno

- Que barato, então o inferno é assim?
Daí, o demônio me disse que a visão “terrena” do inferno nada mais era que uma incisiva campanha de marketing celeste. No entanto, a realidade era bem diferente... Como eu pude constatar.
- Esta classificação... inferno e demônios. Não fomos nós que criamos esses termos... mas em dado momento resolvemos assumir o estereótipo imposto pela cúpula “celeste”. Vimos nisso uma vantagem. Era uma forma de gerar uma pré-seleção. É engraçado ,mas no final das contas, Eles nos ajudaram a manter e até elevar nosso padrão de qualidade.
Interessante. Pergunto ao jovem demônio como se dá essa pré-seleção.
- Muito simples. Não é qualquer um q vem pro nosso lado. O marketing negativo do Inferno é muito forte no âmbito terreno.
De fato...
- As imagens fantasiosas veiculadas pela mídia tecem um mundo de horror e dor eternos. Isso impressiona mesmo os mais obstinados. Não há humano que não tenha em mente a imagem tradicional dos ganchos de ferro e sujeitos costurados com pregos enfiados na cabeça. (risos)
Diante do que vejo, a descrição torna-se realmente hilária. Rimos os dois e continuamos a passear pelo descampado.
- A idéia principal do plano de marketing Deles é vender o Produto Castigo. Tem sido assim há milênios mas agora sentimos que Eles estão perdidos com o que Eles mesmo semearam.
Como assim?
- Há muita intolerância e hipocrisia na Terra de sua época. O fato é que o Produto Castigo não melhorou o Padrão de Qualidade (PQ) para o lado de Lá. Hordas de desocupados, ineptos e conformistas chegam de instante a instante no "Céu". Aquilo está lotado deles... Uns caindo sobre os outros (risos). Em outra oportunidade eu vou lhe mostrar como é que aquilo está. Lá sim, está um verdadeiro Inferno (mais risos).
Passamos por uma imensa construção orgânica... O que é isso?
- Fascinante não? Há pouco tempo chegaram um grupo de cientistas russos e dois dos mais ousados artistas plásticos da Terra. Eles se conheceram aqui e têm realizado experimentos muito legais com arquitetura orgânica. A idéia é criar espaços arquitetônicos que se moldem ao estado de espírito de quem passa.
Incrível. Mas continuemos. Aqui há muito para desconcentrar. Confesso que ainda estou inseguro. Não é possível... Fico na expectativa de que há qualquer momento algum infeliz será jogado num caldeirão de enxofre fervente. (risos)
- Se dependesse de nós não aceitaríamos novas aquisições por aqui. Nunca nosso PQ foi tão elevado. Infelizmente, existe uma norma quanto à distribuição de almas mas temos planos de mudar isso... No momento adequado.
- O fato é que nosso objetivo e o objetivo do fundador nunca foi ser a versão “má” do lado de lá. Somos apenas uma das outras nove opções classificadas genericamente como Inferno. A idéia da divisão mal e bem também foi um problema criado por eles que funcionou durante algum tempo mas agora mostra como é falho. Eles difundiram no plano terreno, um estilo de vida a fim de reprimir e eliminar certos comportamentos que sempre foram um perigo para o lado de Lá. Ousadia, curiosidade, introspecção, surpresa, dinamismo, p. exemplo, sempre foram valores desaprovados na cartilha celeste. Se estruturaram na manutenção de um processo em que nada deve mudar nunca. Enquanto nós...
Nessa hora passamos por uma atividade campal bio-motriz. Não vou descrever até pq é indescritível. Basta saber que eu contei 2 mil participantes. Ao que tudo indica estão construindo um mundo ou um novo tipo de pão....
- Cara, preciso ir ao banheiro. Vc acredita? – falei.
- (risos) Normal. Vc ainda é uma alma recente. Noções corporais residuais vão estar presentes por algum tempo. Ali... Há um banheiro. Ou mije por aí... não vai feder mesmo (risos).
Prefiro ir ao banheiro. Entro na pequena cabine (ela estava ali antes?). Dentro, uma privada e uma pia. Me lembra algum lugar... Obediente ao cartazinho à minha frente levanto a tampa. Mijo. Não sai nada. Claro. Não tenho líquidos neste corpo. Mas a sensação é a mesma e isso é o que vale.
Quem diria... Eu, no inferno. Sempre fui generoso, desinteressado... tudo bem, um pouco assassino. Mas só um pouco. Admito... matei menos pessoas do que queria. Mas as que matei, matei com gosto. Mereciam. Pelo visto não devo encontrar nenhum deles por aqui. Isso me alivia.
- Que Deus os tenha – falo, rindo.
Cá estou... Em pé, num banheiro do inferno, mijando nada. É pra rir. Rir muito.
Puxo a descarga e saio para encontrar meu demônio-guia.


Como ser um Idiota

Viajo de metrô, encostado num banco e penso: “o Felipe Dyllon é a cara da Cláudia Abreu.”
Passo pelo constrangimento de perceber que estou pensando nisso.
Uma frase dessas não vai ser nada relevante daqui há um ano ou dois. Ou mesmo daqui há alguns meses. Aliás, já não é relevante agora.
Que está acontecendo comigo?
No entanto a revista tá lá na mão daquela senhora. A capa tá ali. É o Felipe Dyllon ou a Cláudia Abreu? É um pensamento tão irrelevante que não valeria este texto. Mas tudo bem, agora foi. Já é tarde.
Chego em casa e o pensamento inda tá na minha cabeça: Felipe Dylon e Cláudia Abreu. Volto pra rua... Resolvi fazer uma coisa.
Putz. Inacreditável. Eu comprei a revista... por causa da capa. Dito e feito: o Felipe Dylon é mesmo a cara da Cláudia Abreu. Mas... será que só eu percebi isso? Haverá mais alguém que possa ter visto isso?
Pego o telefone pra tirar a prova mas Anélia não está em casa. “Deixe recado após o b...” Desligo, puto. Deve estar em casa mas não quer é atender a porra do telefone. Que porra.
Já sei... a internet.
Escrevo um e-mail: “O Felipe Dylon é a cara da Cláudia Abreu.” Indico a revista desmistificadora. Mando para todos os endereços eletrônicos que tenho e outros mais que arranjo de última hora. Demora pacas mas vai. Mais de uma centena de pessoas vão receber isso e vão saber da verdade e... Caralho, que porra de coisa idiota pra se fazer num domingo.
Já sei... vou repensar minha vida.

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